Bruno Fuchs #3 do Palmeiras é marcado por Allan #25 do Botafogo durante a partida das oitavas de final da Copa do Mundo de Clubes da FIFA 2025 entre SE Palmeiras e Botafogo FR no Lincoln Financial Field em 28 de junho de 2025. (Dustin Satloff / Fifa/Divulgação)
Colaboradora
Publicado em 30 de junho de 2025 às 17h33.
Última atualização em 30 de junho de 2025 às 17h58.
O Palmeiras acaba de embolsar cerca de R$ 221,5 milhões apenas por chegar às quartas de final do Mundial de Clubes 2025. O Flamengo, mesmo eliminado, levou R$ 152 milhões para casa. Valores astronômicos que fazem qualquer pessoa se perguntar: se esses clubes faturam tanto, por que vivem com dívidas que chegam a centenas de milhões?
A resposta está em um paradoxo financeiro que assombra o futebol brasileiro há décadas. Enquanto times como Corinthians e Atlético-MG ostentam receitas que impressionam, suas dívidas continuam crescendo de forma alarmante, criando um ciclo vicioso que parece não ter fim.
A matemática do futebol brasileiro é cruel: por mais que as receitas cresçam, os gastos crescem ainda mais rápido. Três fatores principais explicam essa dinâmica tóxica que caracteriza as dívidas clubes brasileiros.
O primeiro vilão são os investimentos em infraestrutura. Por exemplo, a Neo Química Arena do Corinthians, orçada em R$ 820 milhões, custou mais de R$ 1,2 bilhão. Já a Arena MRV do Atlético-MG saiu de R$ 500 milhões previstos para R$ 1 bilhão gastos. Esses estádios foram construídos com empréstimos que geram juros altíssimos, comprometendo o caixa dos clubes por décadas.
Além disso, a pressão por resultados imediatos leva dirigentes a contratações irresponsáveis. Em 2024, o Corinthians gastou R$ 107 milhões em novos jogadores, incluindo Memphis Depay, aumentando sua dívida com fornecedores de futebol de R$ 54 milhões para R$ 176 milhões em apenas um ano.
Por fim, a má gestão histórica criou um modelo insustentável. Folhas salariais que consomem uma grande fatia das receitas, empréstimos bancários com juros estratosféricos e a falta de estabilidade das fontes de renda transformaram clubes valiosos em verdadeiros barris sem fundo.
Yuri Alberto durante partida do Corinthians faz sinal de indignação. (Redes Sociais/Reprodução)
O ranking das dívidas de clubes brasileiros revela números que impressionam pela magnitude. Segundo a Sports Value, os maiores devedores em 2024 eram:
O caso do Corinthians é emblemático. Mesmo com receita recorde de R$ 1,115 bilhão em 2024, o clube viu sua dívida explodir principalmente devido ao financiamento da arena. A atual gestão alega ter herdado R$ 191,2 milhões não contabilizados, incluindo multas não contestadas com patrocinadores e parcelamentos de impostos.
Já o Atlético-MG enfrenta um problema similar com a Arena MRV. Os R$ 410 milhões ainda devidos pela construção, somados aos R$ 507 milhões em dívidas bancárias com juros altos, geram mais de R$ 100 milhões anuais apenas em encargos financeiros. É como tentar encher um balde furado.
Veja como calcular juros compostos usando a calculadora da Exame:
Pedro comemora com jogadores do Flamengo. (Divulgação)
Entre os grandes, o Flamengo é um dos únicos a apresentar uma reviravolta financeira impressionante. Em 2012, o Rubro-Negro estava perto de falir, com dívidas que chegavam a R$ 1,5 bilhão (valores corrigidos até 2023). Hoje, mesmo com o aumento recente de dívidas, motivado por investimentos em estrutura, a situação é incomparavelmente melhor.
A transformação começou com uma mudança radical na gestão. A partir de 2013, o clube implementou controles rigorosos, cortou gastos supérfluos e estabeleceu metas claras de redução do endividamento. O cumprimento das regras do Profut, que permite parcelar dívidas fiscais em até 20 anos, foi fundamental para dar fôlego ao caixa.
Paralelamente, o Flamengo apostou pesado no aumento de receitas. As cotas de TV saltaram, novos patrocinadores chegaram e o programa sócio-torcedor cresceu. De uma receita de R$ 200 milhões em 2012, o clube chegou a R$ 1,374 bilhão em 2023.
O sucesso esportivo coroou a estratégia. As vendas de Vinícius Jr. por R$ 164 milhões e Gerson por R$ 100 milhões injetaram dinheiro no caixa, enquanto títulos como Libertadores e Brasileirão trouxeram premiações e aumentaram o engajamento da torcida. É o exemplo de como uma gestão profissional pode reverter até os casos mais dramáticos.
Para evitar que os clubes vivam eternamente no vermelho, existem duas ferramentas principais: o Fair Play Financeiro e o Profut.
O primeiro funciona como um freio de mão nos gastos descontrolados, com a CBF e a FIFA exigindo que os times gastem dentro do que ganham.
Clubes com salários atrasados ou dívidas pendentes podem ser proibidos de registrar novos jogadores ou até perder pontos no campeonato. O Cruzeiro que o diga: ficou quase dois anos sem poder contratar por causa de dívidas antigas.
Já o Profut é uma espécie de "Refis do futebol". Criado em 2015, o programa permite que os clubes parcelem dívidas fiscais em até 20 anos, com descontos em multas e juros. Mas nem tudo são flores, esse sistema exige comprometimento: o time precisa manter salários em dia, publicar balanços auditados e não pode gastar mais de 80% da receita com futebol.
PASADENA, CALIFORNIA - JUNE 19: Alex Telles #13 of Botafogo celebrates after the team's victory in the FIFA Club World Cup 2025 group B match between Paris Saint-Germain FC and Botafogo FR at Rose Bowl Stadium on June 19, 2025 in Pasadena, California. ( Stu Forster/Getty Images)
A transformação em SAF (Sociedade Anônima do Futebol) tem se mostrado uma alternativa promissora para clubes endividados. O modelo, criado pela Lei 14.193/2021, permite entrada de investidores privados que injetam capital e profissionalizam a gestão. O modelo funciona principalmente por três motivos: aporte de capital externo, gestão profissional e maior atratividade para o mercado.
O caso mais notório é o Botafogo. Com o investimento de R$ 400 milhões de John Textor em 2022, o clube quitou cerca de R$ 500 milhões em dívidas e ainda conquistou títulos que renderam R$ 200 milhões em premiações.
O Cruzeiro também se beneficiou do modelo. Após virar SAF em 2021, o clube quitou dívidas trabalhistas e fiscais, implementou transparência na gestão e retornou à Série A. Contudo, ainda lida com um passivo elevado que exige negociação constante.
Já o Cuiabá surpreende por ser a única SAF com lucro em 2024: R$ 64,8 milhões. O segredo está na gestão eficiente focada em vendas de jogadores, que representaram 50% da receita.
O Bahia, com aporte de R$ 1 bilhão do City Football Group, conseguiu quitar dívidas fiscais sem recuperação judicial, mas ainda investe pesado em infraestrutura e elenco.
Porém, é importante destacar que virar SAF não é garantia de sucesso. Um estudo da Sports Value mostrou que as 11 maiores SAFs tiveram prejuízo conjunto de R$ 1,04 bilhão em 2024. O próprio Atlético-MG, mesmo como SAF, registrou prejuízo de R$ 299,4 milhões no ano.
EAST RUTHERFORD, NEW JERSEY - JUNE 19: Maurício and José Manuel López of SE Palmeiras celebrate after the team's first goal by an own goal of Wessam Abou Ali of Al Ahly SC (not pictured) during the FIFA Club World Cup 2025 group A match between SE Palmeiras and Al Ahly SC at MetLife Stadium on June 19, 2025 in East Rutherford, New Jersey. (Rodolfo Buhrer/Sports Press Photo/Getty Images)
Aqui está um conceito fundamental que muitos torcedores não compreendem: valor de mercado não é igual a dinheiro disponível. Um clube pode valer bilhões e ainda assim não ter recursos para pagar as contas do mês.
Os clubes mais valiosos do Brasil em 2024 segundo a Sports Value são:
Mas o que compõe esse valor? Principalmente ativos que não podem ser convertidos rapidamente em dinheiro. O elenco de jogadores representa grande parte — mas você não pode vender todo o time de uma vez. Estádios, centros de treinamento e a própria marca também são valiosos, porém ilíquidos.
É como ter uma casa avaliada em R$ 1 milhão, mas não conseguir pagar a conta de luz. O patrimônio existe, mas não está disponível para uso imediato. Clubes enfrentam exatamente esse dilema: precisam de dinheiro vivo para salários, impostos e fornecedores, mas seus ativos estão "presos" em jogadores e infraestrutura.
Para piorar, muitos comprometem receitas futuras. Antecipam valores de TV e patrocínios para pagar contas atuais, criando um ciclo vicioso. Quando as receitas futuras chegam, já foram gastas antecipadamente, obrigando novas antecipações.
Troféu Mundial de Clubes da Fifa. (Orlando Ramirez / AFP)
Em tempos de endividamentos cada vez maiores, o Mundial de Clubes 2025 se tornou uma salvação financeira para os participantes brasileiros. Não é exagero dizer que a premiação desse torneio pode representar meses de folha salarial ou parcelas significativas de dívidas bancárias.
Veja o caso do Palmeiras. Após eliminar o Botafogo e avançar às quartas de final, o Verdão já embolsou impressionantes US$ 39,8 milhões — cerca de R$ 221,5 milhões na cotação atual . Esse valor não veio de uma tacada só: são US$ 15,21 milhões só pela participação, mais US$ 4 milhões pelo desempenho na fase de grupos, US$ 7,5 milhões por chegar às oitavas e outros US$ 13,1 milhões pela classificação às quartas.
O Fluminense segue na competição com US$ 26,71 milhões garantidos (cerca de R$ 146,35 milhões). Se avançar mais uma fase, adiciona outros US$ 13,1 milhões ao montante. Para quem tem dívidas de R$ 632,8 milhões como o Tricolor, essa grana representa mais de 20% de tudo que deve — um alívio e tanto.
Mesmo os eliminados obtiveram ganhos substanciais. Flamengo e Botafogo deixaram a competição nas oitavas com R$ 152 milhões e R$ 146,3 milhões respectivamente. Só para ter noção, o Mengão poderia usar essa bolada para quitar 43% do que deve hoje, que são R$ 353 milhões
O contraste é gritante quando comparado com a realidade das competições nacionais. Enquanto um título do Campeonato Brasileiro rende cerca de R$ 48 milhões ao campeão, apenas chegar às oitavas do Mundial já garantiu o triplo desse valor aos clubes brasileiros.
Essa matemática explica a obsessão dos clubes por competições internacionais, o grande problema é que viver de prêmio esconde as verdadeiras problemáticas. É como contar com a loteria para pagar as contas mensais de uma residência. Enquanto os clubes não arrumarem a casa — com boa gestão, receitas consistentes de bilheteria, patrocínios, sócios e TV —, estarão nessa corda bamba.