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O que é litigation finance (financiamento de litígio) e como funciona

Entenda como investidores podem lucrar financiando processos judiciais, quais os riscos envolvidos e como está a regulação dessa prática no Brasil e no mundo

O Brasil ainda não tem uma lei específica sobre financiamento de litígios, e a prática funciona com base nos princípios gerais do direito civil e na liberdade de contratar. (Sergii Gnatiuk/Thinlstock/Thinkstock)

O Brasil ainda não tem uma lei específica sobre financiamento de litígios, e a prática funciona com base nos princípios gerais do direito civil e na liberdade de contratar. (Sergii Gnatiuk/Thinlstock/Thinkstock)

Luanda Moraes
Luanda Moraes

Colaboradora

Publicado em 4 de outubro de 2025 às 18h00.

Imagine transformar processos judiciais em ativos financeiros com retornos potenciais de 20% a 40% ao ano. Essa é a promessa do litigation finance, uma modalidade de investimento que ganha cada vez mais espaço no Brasil e já movimenta bilhões de dólares em mercados desenvolvidos.

Para investidores em busca de diversificação e retornos descorrelacionados com os mercados tradicionais, o financiamento de litígio surge como uma alternativa interessante, especialmente em um país com mais de 80 milhões de processos em tramitação.

O que é litigation finance?

Financiamento de litígio é quando um investidor paga os custos de um processo judicial em troca de uma parte do valor que será recebido, caso a ação seja ganha.

Essa modalidade funciona diferente de um empréstimo comum. No litigation finance, quem está processando só paga se ganhar o caso. Essa característica torna a modalidade atrativa para empresas que têm um bom caso, mas não têm dinheiro para custear advogados e custos judiciais.

O modelo é muito usado em disputas judiciais de alto valor, como arbitragens entre empresas, processos contra o governo e casos ambientais complexos que podem durar anos.

Como funciona o litigation finance

O processo começa quando uma empresa ou pessoa com um processo judicial procura um investidor especializado. Esse investidor analisa se o caso tem chances reais de vitória, qual o valor que pode ser recuperado e se a parte que vai perder tem dinheiro para pagar.

Depois de aprovar o caso, as partes assinam um contrato definindo quanto será investido e qual percentual do valor final ficará com o investidor (normalmente entre 20% e 50%). O dinheiro é liberado aos poucos, conforme as necessidades do processo.

Um ponto importante é que o investidor não pode interferir nas decisões sobre o processo. Quem decide a estratégia continua sendo o advogado e seu cliente. O financiador apenas acompanha o andamento através de relatórios periódicos.

Quanto tempo leva para analisar um caso?

A análise de um caso novo demora entre 2 e 4 semanas. Casos mais simples, como execução de uma sentença já ganha, são avaliados mais rápido. Processos no início, ainda sem sentença, precisam de análise mais detalhada. Hoje, muitas empresas usam inteligência artificial para acelerar essa avaliação e prever melhor os resultados.

Tipos de litigation finance

O mercado oferece diferentes formas de financiamento, cada uma adequada a uma necessidade:

  • Financiamento direto: o investidor paga os custos do processo diretamente para quem está processando
  • Financiamento indireto: o dinheiro vai para escritórios de advocacia assumirem casos arriscados com pagamento apenas se ganharem
  • Financiamento de portfólio: cobre vários processos ao mesmo tempo, diminuindo o risco para o investidor
  • Monetização de litígios: adianta dinheiro com base em processos já ganhos mas ainda não pagos, permitindo uso livre dos recursos

Empresas em dificuldades financeiras costumam preferir a monetização para conseguir o dinheiro rápido. Já escritórios pequenos buscam financiamento indireto para pegar casos grandes.

Quem pode solicitar o financiamento?

Qualquer pessoa ou empresa com ações judiciais de valor alto pode buscar esse tipo de financiamento. Na prática, investidores só se interessam por casos acima de R$ 5 milhões, porque a análise e o acompanhamento têm custos fixos altos.

Vale destacar que escritórios de advocacia também podem pedir recursos, principalmente quando trabalham com contratos de sucesso. As empresas com valores a receber do governo também são candidatas naturais, já que esses processos costumam demorar anos para serem pagos.

O que diz a lei sobre litigation finance

O Brasil ainda não tem uma lei específica sobre financiamento de litígios, e a prática funciona com base nos princípios gerais do direito civil e na liberdade de contratar, o que cria uma certa insegurança para investidores e clientes.

Alguns tribunais, principalmente em São Paulo, já reconheceram a validade desses contratos. A OAB e o CNJ também estudam criar regras mais claras, principalmente sobre questões éticas e a necessidade de informar o juiz sobre o financiamento.

Também existem projetos de lei no Congresso tentando criar regras específicas, seguindo modelos de países onde a prática já existe há décadas com regulamentação clara.

É seguro investir em litigation finance?

Como todo investimento alternativo, o litigation finance tem riscos e oportunidades únicas. A principal vantagem é que os resultados não dependem da bolsa ou dos juros, oferecendo uma diversificação real para a carteira.

Os principais riscos incluem a demora (processos podem levar anos), mudanças nas decisões dos tribunais e o risco de a parte perdedora não ter dinheiro para pagar. Vale dizer que fundos especializados diminuem esses riscos investindo em vários casos ao mesmo tempo.

Devido à complexidade da modalidade, especialistas recomendam destinar no máximo 10% do patrimônio para investimentos alternativos como litigation finance, tratando como complemento e não como investimento principal.

Avanços e entraves na regulação

O mercado brasileiro avança com a criação de uma associação específica do setor, que está criando um manual de boas práticas. As câmaras de arbitragem já criaram regras sobre a necessidade de informar quando há financiamento externo.

Os principais obstáculos, entretanto, são a resistência de parte do judiciário, o medo de criar uma "indústria de processos" e a falta de decisões consolidadas dos tribunais superiores. Sem regras claras, grandes fundos institucionais evitam entrar nesse mercado.

Quais despesas podem ser cobertas pelo litigation finance?

O financiamento pode pagar honorários de advogados, custas do processo, perícias técnicas, tradução de documentos, viagens para audiências e pagamento de testemunhas especializadas. Em arbitragens internacionais, também cobre as taxas das câmaras e pagamento dos árbitros.

Alguns tipos de financiamento ainda permitem usar o dinheiro para outras necessidades da empresa, como pagar dívidas ou investir no negócio. Isso é mais comum quando o processo já tem uma sentença favorável.

É importante se atentar também que despesas não relacionadas ao processo geralmente significam que o investidor vai querer uma participação maior no resultado final.

Como funciona o acordo entre investidor e cliente

É o contrato entre as partes que define todos os detalhes do financiamento. Esse documento estabelece quanto será investido, quando o dinheiro será liberado, qual percentual do resultado ficará com cada um e em que situações o acordo pode ser cancelado.

O contrato deve incluir cláusulas de sigilo para proteger informações sensíveis e obrigações de informar o andamento do processo. O cliente mantém o controle sobre as decisões do caso, mas precisa consultar o financiador antes de aceitar acordos ou desistir.

Também são definidas as situações em que o investidor pode sair do financiamento, como mudanças importantes no caso ou descumprimento de obrigações pelo cliente.

O que acontece se o cliente perder o caso?

Se o processo for perdido, o investidor perde todo o dinheiro investido. Portanto, o cliente não precisa devolver nada nem mesmo pagar custas adicionais. Esse é o princípio básico do litigation finance, onde todo o risco financeiro fica com o investidor.

O cliente só teria que devolver o dinheiro em casos extremos, como fraude comprovada, esconder informações importantes ou agir de má-fé no processo. Fora essas exceções, a derrota significa prejuízo total para o investidor.

Vantagens e desvantagens do litigation finance

As principais vantagens são o acesso à justiça para quem não tem recursos, a possibilidade de enfrentar adversários mais ricos em igualdade de condições e a preservação do caixa da empresa. Para investidores, oferece retornos altos e diversificação de carteira.

Entre as desvantagens, está a necessidade de dividir uma parte grande do valor recuperado (reduzindo o ganho de quem processa), a perda parcial de privacidade sobre o caso e a possível pressão para aceitar acordos rápidos. Investidores enfrentam o problema da demora para receber e a dificuldade de avaliar riscos jurídicos.

Sendo assim, o sucesso depende de escolher bem os parceiros, selecionar casos com cuidado e criar contratos adequados para cada situação específica.

Monetização de litígios: como investidores obtêm retorno

Os investidores ganham dinheiro recebendo um percentual do valor recuperado no processo ou um múltiplo do que investiram. Os retornos normalmente ficam entre 20% e 40% ao ano, embora casos excepcionais possam render muito mais.

Outro ponto importante é que o tempo é fundamental para o retorno. Processos mais rápidos através de decisões urgentes ou acordos geram lucros mais cedo, enquanto ações que se arrastam por anos diluem a rentabilidade.

E vale ressaltar que, embora a execução de sentenças já ganhas tenha menos risco, essa opção oferece um retorno menor, geralmente entre 15% e 25% ao ano.

Já os fundos profissionais diversificam seus investimentos em vários casos ao mesmo tempo, misturando processos com diferentes durações, valores e probabilidades de sucesso. Dessa forma, mesmo que alguns casos sejam perdidos, a carteira como um todo entrega retornos mais estáveis e previsíveis aos investidores.

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