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Evergrande, segundo Carmen Miranda

Não se permita 'decidir com o fígado' em meio a narrativas apocalípticas

Carmen Miranda | Foto: Everett Collection (Everett Collection/-)

Carmen Miranda | Foto: Everett Collection (Everett Collection/-)

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Da Redação

Publicado em 25 de setembro de 2021 às 08h35.

Última atualização em 25 de setembro de 2021 às 14h20.

Por Ricardo Schweitzer*

Anunciaram e garantiram
que o mundo ia se acabar;
Por causa disso a minha gente
lá de casa começou a rezar...
Até disseram que o sol ia nascer
antes da madrugada;
Por causa disso nesta noite
lá no morro não se fez batucada...

Esta foi uma semana, no mínimo, curiosa: descobrimos um número absolutamente acachapante de especialistas em mercado imobiliário chinês em cada padaria das cercanias da Faria Lima. Entre um pingado e um pão na chapa e outro, os mais medonhos prognósticos foram sendo traçados dia após dia.

A tentação de embarcar numa determinada narrativa é sempre muito grande quando, ao darmos aquela espiada no homebroker, a direção das cotações parece dar suporte à historieta. Afinal de contas, as massas devem saber o que estão fazendo -- ou, pelo menos, estamos biologicamente programados para acreditar que, quando todos à nossa volta começam a correr, é uma boa ideia correr também.

Curioso, no entanto, é que o desenrolar das horas e dos dias trazia consigo impressões por vezes diametralmente opostas. Num dia, estamos diante do novo Lehman Brothers; no outro, Pequim cuidará de tudo. Hoje o calote é iminente; amanhã os juros serão adimplidos. Chegamos ao limite do ridículo quando, após uma sessão de alta nos mercados chineses, circulou no Ocidente a notícia de que os governos provinciais estariam se preparando para o pior - e isso repercutiu na sessão seguinte de Xangai.

Imaginem-se lendo um jornal americano para saber notícias do Brasil… se bem que, em se tratando da China… bom, deixa pra lá.

O ponto aonde quero chegar é o seguinte: se você se permitiu embarcar no humor do momento a cada dia desta semana, então nem consigo imaginar a sensação de ressaca que este sábado carrega. Haja disposição…

O mercado é extremamente ingrato às vezes: vivemos em um ambiente de constante incerteza, que às vezes se agudiza. E sentimo-nos impelidos a tomar decisões sob essas circunstâncias. Pois justamente nessas horas é maior o risco de fazermos bobagem.

O que efetivamente sabemos de Evergrande? Diz aqui pra mim na lente da verdade: muito provavelmente você nem sabia que essa bendita empresa existia antes dessa rebordosa toda. Muito menos que a dívida dela era mastodôntica. Pois bem: se você viveu sua vida inteira alheio(a) a esse fato, permita-se pelo menos observar mais e decidir menos neste momento -- principalmente se sua propensão momentânea é a de tomar decisões com o fígado.

Serei franco: eu já perdi a conta de quantas vezes vi o apocalipse ser anunciado. E a grande lição de sempre é que, por mais séria que a situação seja, não o é tanto quanto parecia quando nos víamos no olho do furacão. Em 2008 eu realmente achei que era o fim do mundo como o conhecíamos -- e cá estamos nós de novo.

A segunda grande lição é que, na hora em que o avião está caindo, pouco importa se você está na primeira classe ou no assento do meio da última fila ao lado do toalete: o pânico afeta a todos. A questão é no day after: depois que virtualmente todas as empresas são penalizadas pela tal “aversão ao risco”, lá vão os investidores garimpar o que efetivamente deve ter impacto e o que só caiu porque jogamos o bebê fora junto com a água. E nessa hora se percebe que, em alguns casos, as empresas não farão nem tchum com o que está se passando.

A não ser que você ache que as transmissoras de energia no Brasil serão impactadas por uma crise imobiliária na China; que a demanda por lajes corporativas na Faria Lima será afetada pelos infortúnios do outro lado do mundo… enfim, Efeito Borboleta é um ótimo filme, mas a coisa para por aí. Mas, cá no mundo real, empresas seguirão produzindo e gerando valor -- algumas mais, outras menos, mas certamente não vai todo mundo perder.

E, quando voltar a cair o tal prêmio de risco -- que é o nome bonito que os financistas dão para a conta de chegada que eles fazem para justificar as expansões e as retrações de preço dos ativos que não conseguem compreender --, o bicho não parecerá tão feio assim.

E então você olhará para trás e não se conformará com o fato de ter deixado passar a oportunidade de comprar ações daquela empresa líder de setor a um Preço/Lucro de 1 dígito; ou daquele banco que parece um relógio suíço à 60 do valor patrimonial; ou daquela outra companhia que estava valendo em bolsa o seu próprio capital de giro… e dirá para si mesmo: “era tão óbvio!”

Não era óbvio. Não é óbvio quando seu lizard brain diz que é para fazer o contrário e sair correndo junto com os antílopes em disparada. É completamente contraintuitivo.

Mas é assim que é.

Ao que tudo indica, ainda teremos dias interessantes pela frente.

O que fazer?

Abstraia Evergrande e olhe para sua carteira. Você sabe o que tem nela e por quê tem?

Está confortável com os valuations dessas ações? Ou embarcou num jogo de quem dá mais?

Se alguma resposta foi não, seu problema não tem nada a ver com incorporadoras chinesas endividadas. Tem a ver com as fragilidades do seu processo de investimento -- não ter um processo também é um processo, tá?

Por outro lado, se tudo estiver bem, suas opções são as seguintes: ou você pode fechar o homebroker e ler um livro (altamente recomendado!), ou pode continuar para a fase 2:

Por acaso essa chacoalhada na roseira não abriu oportunidade de comprar o que você sempre quis a um preço que finalmente faz sentido pagar?

Às vezes, em meio à correria dos antílopes, passa um cavalo selado.

Bolsa é o único lugar onde há coisas à venda e os compradores se assustam com promoção.

Não perca de vista: isso também vai passar. E só vai machucar permanentemente quem estava brincando com a sorte antes disso tudo. De resto, as turbulências passam e tudo volta para seu devido lugar.

Acreditei nessa conversa mole;
Pensei que o mundo ia se acabar...
E fui tratando de me despedir;
E sem demora fui tratando de aproveitar...
Beijei na boca de quem não devia;
Peguei na mão de quem não conhecia...
Dancei um samba em traje de maillot;
E o tal do mundo não se acabou...

Bom final de semana.

*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional. Escreve quinzenalmente na EXAME Invest.

 

 

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