Bitcoin e dólar: dois ativos que ajudam a diversificar a carteira de investimentos com o objetivo de proteção (Chesnot/Getty Images)
Beatriz Quesada
Publicado em 17 de maio de 2021 às 06h10.
A bolsa brasileira teve novos momentos de forte volatilidade na última semana. Na terça-feira, 11, o Ibovespa, principal índice da B3, alcançou a maior pontuação desde o fim de janeiro, perto dos 123.000 pontos com a força das commodities. No dia seguinte, o índice desabou 2,65% com os temores renovados de inflação nos Estados Unidos, abaixo dos 120.000 pontos. Com as ações a volatilidade foi ainda maior, com quedas que superaram 5%.
São nesses momentos de estresse que o investidor volta a se lembrar de que é importante proteger a sua carteira de investimentos das fortes oscilações e, principalmente, das quedas. Mas isso não pode acontecer apenas quando as perdas batem à porta. “Ninguém pensa em comprar um guarda-chuva em um dia de sol, mas é exatamente isso que deveríamos fazer”, afirma Roberto Motta, chefe da mesa de derivativos da Genial Investimentos.
Buscar uma proteção para o portfólio significa investir em ativos que se comportem de forma diferente -- ou até oposta -- em relação aos principais produtos da carteira. É o que se chama de ativos descorrelacionados. Em linhas gerais, consiste em colocar parte do capital em uma estratégia que seja diferente da adotada pela maioria dos seus investimentos.
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“Mesmo o investidor mais otimista precisa de proteção, principalmente por meio de diversificação. Assim, ele garante que seus rendimentos estão vindo de fontes diferentes. Entre ganhos e perdas, há um acúmulo de dinheiro em diferentes estratégias”, explica Juliana Machado, especialista em fundos de investimento da EXAME Invest Pro.
Os ativos de proteção mais tradicionais do mercado são investimentos em dólar e ouro. Já as criptomoedas ainda são consideradas muito recentes e voláteis para conquistar um espaço permanente entre os ativos de proteção. Ainda assim, elas são frequentemente citadas como uma via interessante de diversificação, já que não possuem relação direta com nenhum outro ativo do mercado.
O mais importante, porém, é entender de qual situação o investidor quer se proteger, para então escolher o escudo adequado. Entenda abaixo como dólar, ouro e criptomoedas podem ser utilizados para compor uma carteira de investimentos.
Para quem quer se proteger do risco-Brasil, o ideal é apostar em ativos que não estejam denominados em reais. Isso porque, ao investir na bolsa, o investidor está sujeito aos riscos do país no qual essas companhias negociam. Por aqui, o mercado local continua sendo arriscado – até quando caminha bem.
Prova disso é que a situação fiscal continua sob riscos elevados, sem contar a pandemia de Covid-19 ainda em situação grave. E quanto maior a tensão política interna, menor a capacidade de atração e retenção do capital no país, o que leva a uma desvalorização da moeda local.
Além disso, 2022 é um ano de eleições, péssimo momento para esperar que o Congresso coloque em pauta medidas necessárias mas impopulares – como a reforma administrativa – que poderiam devolver a confiança ao investidor.
E existem ainda os riscos externos. Em geral, moedas de países emergentes se desvalorizam em momentos de tensão e incerteza globais porque os investidores preferem deixar seu capital em ativos menos arriscados, criando um movimento de aversão ao risco. Fazendo isso, contribuem para queda do real e da bolsa brasileira.
Para proteger o portfólio das tensões internas e externas, uma das opções é diversificar os ganhos investindo em uma moeda forte, que pode proteger o portfólio quando os investimentos domésticos performarem mal. Para esse tipo de proteção, o dólar é a via principal. A moeda é utilizada como reserva mundial e pode compor a carteira do investidor por meio de fundos cambiais, ações de empresas estrangeiras e fundos que investem no exterior, entre outras alternativas.
“O Brasil ainda enfrenta muitos desafios, então investir em dólar é sempre uma boa opção, mesmo com a moeda americana caindo”, afirma George Wachsmann, sócio e CIO (head de investimentos) da Vitreo.
E por que o dólar, e não outras moedas fortes, como o euro? “Além de ser utilizado como referência mundial, o dólar é um ativo fácil de fazer comparações e de encontrar diferentes opções para investir. Por isso é a moeda mais utilizada para proteção”, acrescenta Machado.
Utilizado como moeda de troca muito antes de o dólar sequer ser inventado, o ouro continua sendo uma importante fonte de proteção. O metal é escasso, o que aumenta seu valor e garante um importante diferencial contra as moedas fiduciárias, como real e dólar. Emitidas por bancos centrais, essas divisas não têm lastro nem valor intrínseco, ou seja, não estão atreladas a nenhum metal e seu valor é justamente o preço a que estão sendo negociadas.
As características tornam o ouro um bom ativo de proteção contra a inflação, já que o aumento generalizado de preços de uma economia tende a corroer o valor das moedas. Existe, porém, o risco de que os bancos centrais elevem as taxas de juros para conter a escalada dos preços. Nesse caso, o ouro perde para outras opções que pagam remuneração atrelada aos juros, como títulos públicos.
Isso explica, inclusive, por que o ouro não disparou com o recente temor de inflação rondando os Estados Unidos. Embora investidores o Federal Reserve (Fed, banco central do país) insista que a alta dos preços é transitória, o mercado precifica que a autoridade monetária pode ser obrigada a subir os juros antes do que gostaria.
Para os que acreditam em um cenário inflacionário global sob controle, é possível investir em ouro por meio de fundos da moeda, contratos futuros, ETFs que acompanham a variação da commodity ou comprando as barras do metal. Vale lembrar que o ouro é negociado em dólar. Por isso, grande parte dos produtos que envolvem a commodity tem exposição cambial. Para investir apenas no risco e na diversificação do ouro é necessário escolher um produto com hedge cambial, que protege o investimento da variação da moeda americana.
Criadas no fim da década de 2000, as criptomoedas têm ganhado cada vez mais notoriedade nos mercados com o cenário de juros baixos ao redor do mundo. Os rendimentos de diversos ativos atrelados aos juros despencaram, levando investidores a tomarem mais risco em busca de retorno. É aí que o mercado cripto ganha importância.
As moedas digitais não têm nenhum tipo de lastro em outros ativos, assim como as divisas tradicionais. A diferença, porém, é que elas são independentes: não são emitidas por nenhum banco central nem reguladas por nenhum governo. Isso previne que sejam afetadas por pressões inflacionárias, como acontece com o ouro.
Mas elas são chamadas de “ouro digital”, por causa principalmente da escassez. Existe uma quantidade finita de ouro que pode ser extraído da terra, assim como existe uma quantidade finita de criptomoedas que podem ser criadas (mineradas). No caso dos bitcoins, por exemplo, o limite é de 21 milhões de unidades.
O que impede então que as criptomoedas sejam plenamente adotadas como ativo de proteção? Em primeiro lugar, a alta volatilidade. Uma das moedas digitais do momento, a Dogecoin, chegou a acumular alta de 26.000% em seis meses na esteira de declarações positivas do fundador da Tesla, Elon Musk, um dos maiores entusiastas de criptomoedas do mundo. Mas bastou o empresário fazer uma piada sobre a Dogecoin para que ela caísse 28% em um dia.
“Criptoativos são extremamente voláteis, não considero como via de proteção. Existe ainda o risco de que os bancos centrais ao redor do mundo resolvam regular esse mercado de um dia para o outro, o que pode gerar uma enorme perda de valor. É possível também que o valor suba mais e mais, não há como saber”, argumenta Motta, da Genial
Analistas também apontam que ainda é muito cedo para dizer se o mundo cripto pode ser comparado a commodities como ouro e prata. “Não há um histórico em que a gente possa se basear para sustentar essa tese. Por enquanto as criptos tem se comportado como o ouro, mas é cedo para provar. Ainda assim, gosto da ideia de ter uma pitada disso no portfólio para compor, tem mais a ver com diversificação do que com proteção”, acrescenta Wachsmann.
A recomendação é ter uma pequena alocação em cripto. É possível comprar fundos de criptomoedas, investir em um ETF que replique um índice de criptoativo, adquirir as moedas digitais em corretoras especializadas ou até mesmo minerar as próprias criptomoedas. Esses ativos também são negociados em dólar, o que significa que o investidor que quiser estar exposto somente a criptoativos precisa optar por contratar alguma proteção cambial.
Vale lembrar ainda que a diversificação é a melhor forma de proteção da carteira, segundo os especialistas. Aqui cabe variar tanto entre tipos de investimento – renda fixa e variável, por exemplo – até apostar em diversificação geográfica, ou seja, em ativos de diversos países e regiões.
Juliana Machado aponta ainda que até a reserva de emergência é uma forma de diversificar e proteger o patrimônio: “Um bom colchão de liquidez é essencial para lidar com quedas fortes do mercado”. O essencial é não deixar todos os ovos na mesma cesta, como ensina o ditado.
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