Há muitas informações e dados à disposição do investidor, mas há antes disso um exercício de simplicidade muitas vezes ignorado | Foto: Thinkstock (NicoElNino/Thinkstock)
Da Redação
Publicado em 30 de setembro de 2021 às 11h02.
Última atualização em 30 de setembro de 2021 às 12h31.
Entramos no último trimestre de 2021 com a histórica marca de mais de 3 milhões de pessoas físicas no mercado de capitais, conforme dados da B3. Mesmo assim, não é arriscado dizer: os meandros do investimento ainda parecem uma caverna escura para quem não faz parte desse universo.
A cada nova iniciativa voltada para o grande público de varejo, essa caverna se ilumina, é verdade, mas a realidade é que a Faria Lima, essa alcunha tão bairrista para designar o coração financeiro de São Paulo, parece uma ilha para quem vive distante dela.
O grande desafio das duas pontas dessa equação – aqueles que criam os meios para viabilizar o investimento e as pessoas que querem usar esses meios – é entender que, a despeito do árduo trabalho de acompanhar e desenvolver um mercado financeiro cada vez mais maduro, investir é um exercício de simplicidade.
Costumo insistir que o investimento começa quando decidimos fazer qualquer coisa que exija planejamento, uma coisa com a qual a maioria dos brasileiros convive pouco ou nada e cuja ausência passa por muitas faixas de renda.
Não à toa, o salto para 3 milhões de CPFs cadastrados na B3 contrasta com dados como o da Fiduc, divulgados em agosto, em que 67% dos 3.000 entrevistados nos dois últimos anos afirmaram não ter nenhuma reserva de emergência – o estágio mais importante e básico dos investimentos e talvez o mais subestimado.
Ou ainda com dados como o do Reclame Aqui, de julho deste ano, em que 71,2% dos 10.000 respondentes afirmaram não investir por medo de arriscar ou ter prejuízos ou ainda por não ter dinheiro suficiente.
Investir exige, antes de mais nada, disciplina o suficiente para saber qual é o custo de se viver e como fazer esse custo caber dentro da própria renda (ou, então, elaborar formas de aumentar essa renda). É simples no conceito, embora não no processo. Exige não só um nível mínimo de dignidade e qualidade de vida como também uma dose ainda maior de autoconhecimento e organização.
São conceitos fora de moda para quem vive correndo para fazer a grana render e, no geral, deixa para pensar nessas questões depois. O preço, porém, costuma ser caro, não importa quem você seja.
A reserva de emergência, por exemplo, é um dos passos simples do investimento cuja elaboração desperta alguns dos consensos mais intrínsecos a qualquer grande gestor de fortunas com décadas de experiência.
O primeiro, que já mencionei, é o conhecimento do custo de si mesmo: a partir da renda disponível, ser capaz de dizer o quanto dá para economizar de cara, sem ter que esperar o mítico “o que sobra”. Quem deixa para “guardar” o que “sobra” não vai guardar nada – essa é a dolorosa verdade a se admitir.
O segundo aspecto da reserva de emergência é a disciplina, já que montá-la para custear seis meses do custo mensal de uma pessoa leva tempo e comprometimento. Que seja a partir de R$ 50 mensais. Que seja por anos.
É um compromisso que, se levado a sério, ensina muito sobre a relação doentia que a maioria de nós tem com o dinheiro, gastando demais, gastando de menos, sem ideia de como começar ou como mudar o rumo. É algo que só se enxerga fazendo, com o tempo. Experiência própria.
E o terceiro aspecto sobre a reserva, e não menos importante, é o foco, já que o investidor passará um tempo colocando recursos em aplicações que não vão render enormes montantes e que não são as “queridinhas” da vez, já que são ultraconservadoras, destinadas a apenas um fim: uma emergência.
Tão simples e tão difícil de aceitar. A maioria das pessoas topa deixar o dinheiro rendendo 70% do CDI na poupança porque é mais fácil, mas se indaga por que aquele Tesouro Selic ou fundo DI não está rendendo tanto.
É preciso foco para passar reto pelas promessas de ganho fácil e pela tentadora rentabilidade de outros mercados. É preciso foco como todo objetivo financeiro exige.
Investir é um ato primoroso de contar com o poder multiplicador dos juros compostos para elevar o patrimônio, não há dúvida. Mas é, antes disso, um exercício de entender as próprias necessidades, onde se quer chegar e traçar um plano para isso, que vai resultar em uma carteira muito particular, com vários tipos de investimentos, montados em prazos diversos e com diferentes níveis de risco. É um exercício de humildade e simplicidade.
Quem não me deixa mentir nisso é a própria Dynamo, uma das mais admiradas e antigas gestoras de fortunas brasileira, na sua carta mais recente aos cotistas do fundo: as empresas nas quais eles investem são aquelas que contam sua história de maneira própria, “que será tanto mais eficaz quanto mais simples, crível e inspiradora for”.
Fique no simples. Ou, como diria um habitante típico do mercado financeiro, keep it simple.
*Juliana Machado é analista CNPI e integra o time de análise de fundos de investimento do BTG Pactual digital. É jornalista formada pelo Mackenzie, com pós-graduação em economia brasileira pela Fipe-USP. Atuou com análise e seleção de fundos de investimento na Exame e escreveu por quatro anos para o Valor Econômico, nas áreas de governança corporativa e bolsa de valores. Escreve para a EXAME Invest quinzenalmente.