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Eu digital e o eu real

Tecnologias como a realidade aumentada, o blockchain e os NFTs estão redefinindo a forma como possuímos e transferimos valor

NFT do quadro da Monalisa, do artista italiano Leonardo da Vinci | Foto: Divulgação (Divulgação/Divulgação)

NFT do quadro da Monalisa, do artista italiano Leonardo da Vinci | Foto: Divulgação (Divulgação/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 29 de agosto de 2021 às 13h33.

Por Hugo Rodrigues*

Os NFTs (Tokens Não-Fungíveis, na sigla em inglês) são uma espécie de criptomoeda que, diferentemente daquelas mais conhecidas, como o bitcoin, são únicas, indivisíveis e podem carregar consigo arquivos digitais de áudio, vídeo, imagens ou texto. Isso os tornou atrativos para artistas, que podem registrar e negociar suas obras de arte em blockchain. O mercado explodiu.

Só no primeiro trimestre de 2021, foram gastos 2 bilhões de dólares com NFTs, mostrando a força financeira desse mercado que acabou de surgir. Por meio dessa tecnologia, artistas que produzem arte digital podem ser pagos pelos seus trabalhos e ainda terem suas obras autenticadas como originais, já que os dados registrados em blockchain são permanentes, imutáveis e públicos. No mercado da música, cantores podem monetizar diretamente com seus fãs, sem depender da intermediação de agenciadores, produtores e distribuidores.

Mas o que simbolizam de fato os NFTs? Assim como as pessoas compram produtos exclusivos, assinados ou de grife, aqueles que estão mergulhando nos NFTs compram esses assets digitais por motivos parecidos para ter direito à exclusividade ou também para apoiar o trabalho de artistas que admiram.

Em resumo, o NFT é uma outra forma de expressão e manifestação de patente que permite às pessoas expressarem seu gosto particular, tal como o uso de itens exclusivos. É como se só você tivesse aquele produto, porém no mundo digital. Estranho? Pois é, vivemos novos tempos, em que é perceptível como, cada vez mais, o status digital é mais valorizado que a vida real.

O sociólogo francês Jean Baudrillard defende a teoria de que vivemos em uma era cujos símbolos têm mais peso e força que a própria realidade. E, a partir desse fenômeno, surgem os “simulacros”, simulações malfeitas do real que, contraditoriamente, são mais atraentes ao espectador do que o próprio objeto reproduzido. Talvez essa teoria se encaixe bem quando falamos sobre NFTs, principalmente quando observamos a valorização financeira desse material de consumo. Embora sejam produtos virtuais, eles são capazes de promover status, apesar de não serem palpáveis.

E como isso se aplica às marcas? A Coca-Cola, por exemplo, lançou recentemente sua primeira coleção de NFTs durante a celebração do Dia Internacional da Amizade. Uma versão digital de uma máquina de venda automática com três ativos digitais exclusivos: um casaco inspirado na marca para ser usado no jogo Decentraland; um arquivo de áudio com barulhos de uma garrafa abrindo e do refrigerante sendo servido; e cards colecionáveis com a temática da amizade.

Outra marca a apostar nesse nicho é a Havaianas, do grupo Alpargatas. O leilão de sua primeira coleção de artes digitais inéditas, desenvolvidas pelo designer e artista brasileiro Adhemas Batista, teve um dos itens arrematado por R$ 5.600.

As duas ações foram beneficentes, com fundos doados para instituições de caridade. No caso da Havaianas, 7% do lucro arrecadado foi destinado ao projeto Favela Galeria.

Ações desse tipo não param por aí. Temos desde sabores exclusivos no universo das batatas Pringles até sabores especiais da Pizza Hut, no Canadá. A pizza virtual foi comprada pela bagatela de 5 ETH, ticker do ether, a criptomoeda da rede Ethereum que, atualmente, é o segundo maior criptoativo do mundo, atrás apenas do bitcoin. Na cotação da época, o valor era equivalente a US$ 8.496, ou mais de R$ 40.000.

Sabemos que os consumidores tendem a colecionar e fazem isso por diferentes motivos, seja pelo prazer, status ou investimento. Quem não se lembra das pelúcias da Parmalat? Existem vários motivos para essa prática, e ela está presente em nossa sociedade, no mundo físico, há centenas de anos, quiçá milhares de anos.

Afinal, como diria o sociólogo francês Pierre Bourdieu, o capital cultural pode ser tão poderoso quanto o capital econômico, uma vez que, juntos, geram um poder real em um mundo em que o glamour e a detenção de produtos exclusivos geram um capital social amplo, fazendo com que os seguidores admirem esses influenciadores e queiram copiá-los. Além disso, transformam os donos desses produtos digitais em pessoas realmente poderosas, capazes de dominar o discurso sobre consumo, moda e lifestyle.

É fato que tecnologias como a realidade aumentada, o blockchain e os NFTs estão redefinindo a forma como possuímos e transferimos valor. É um importante campo no qual as marcas podem conversar com os consumidores. Em um mundo cada vez mais digital, somos como avatares em busca da vida perfeita em jogos como GTA V ou Minecraft. Isso acontece porque nessa esfera virtual é possível, independentemente dos percalços da vida real, ser alguém diferente da realidade. Vale ficarmos cada vez mais atentos aos desejos do público e como essa vida na “Matrix” digital vai mexer com os meios de consumo.

*Hugo Rodrigues é presidente do Conselho da WMcCann.

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