Iluminação de Natal na Esplanada dos Ministérios em Brasília: fim de ano é um bom momento para revisitar estratégias de investimento, segundo especialistas | Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)
Juliana Machado*
Publicado em 28 de dezembro de 2021 às 09h34.
Quem está há muito tempo no mercado financeiro compreende que algumas teses norteiam as pessoas na busca por rentabilizar seu patrimônio. Algumas são efetivas, algumas são só engodo. O segundo grupo não me interessa, então focarei em alguns recortes do primeiro. Limpar o lixo é a minha resolução de Ano Novo e vou dividi-la com vocês.
A autonomia financeira é a compreensão de que o dinheiro é um meio, e não um fim em si mesmo, e a sobrevivência (ou sucesso, se a sua moral for essa) em qualquer coisa que façamos depende de reconhecer dois conceitos.
O primeiro foi sintetizado muito bem por Bruno Brito, que trabalha comigo no BTG Pactual (obrigada por isso, Brito!): “No longo prazo, tudo converge para o seu valor intrínseco”. É um princípio difundido e aplicado comumente pelos investidores de valor, como Warren Buffett e Luiz Barsi, para os quais o preço de uma ação e o seu valor são coisas diferentes.
Nesse caso, o longo prazo não é uma mera ideia no horizonte: o real valor de um investimento se apresenta sempre no longo prazo, em que as expectativas a respeito de um empreendimento, se corretamente embasadas, se realizam; o que vemos nas janelas curtas é uma mistura de fatores muito mais relacionados aos ruídos e à aleatoriedade, de modo que querer ganhar com eles leva o investidor a perder mais dinheiro do que ganhou – uma receita para a destruição de capital no tempo.
Eu, como investidora e entusiasta dos fundos de investimento, acredito nisso – para a vida, inclusive, mas isso é assunto para outro momento. Afinal, encontrar excelentes gestores significa selecionar poucos e bons que cuidarão e investirão seus recursos de maneira profissional. É de lei permanecer com esses gestores por tempo suficiente para multiplicar o capital pelos juros compostos para, assim, no meio do ruído, deixar menos dinheiro na mesa.
Para isso, também é necessário combinar a diversificação, que significa colocar recursos em ativos (ou fundos) descorrelacionados entre si. A concentração vai mudar de acordo com o perfil de cada investidor, mas a premissa é sempre essa, seguida de recalibrar, reavaliar o perfil periodicamente. A partir daí, pouca coisa será alterada no processo.
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Tem gente que não gosta dessa premissa e prefere utilizar outra: a antifrágil, de Nassim Taleb. Spoiler: eu também a considero fantástica – e correta. Nesse caso, não estamos falando de resiliência, porque ser resiliente é suportar o impacto. A tese da antifragilidade é outra, mais criativa: pegar o impacto e transformá-lo em algo. É a volatilidade, o incômodo, a dor de estômago, o desconforto que nos torna capazes de sermos mais criativos e crescer – ou lucrar, se preferir.
As pessoas deveriam, segundo a filosofia do matemático Taleb, colocar-se mais vezes em situações desconfortáveis porque somente assim seríamos capazes de dar o próximo passo rumo à antifragilidade, desenvolver novos talentos e fazer algo melhor a partir de situações específicas, que são as que nos motivam de verdade.
Levado aos investimentos, a visão de Taleb não é a do longo prazo – a resiliência não remunera, só acomoda. Traduzindo para as finanças, um portfólio antifrágil conta com uma quantidade maior de ativos seguros e uma concentração não irrelevante em ativos de alto risco – aplicações medianas estão fora de cogitação aqui.
Assim, os ativos seguros vão segurar a porrada das quedas da fatia de alto risco, enquanto esta será responsável por fazer o patrimônio dar saltos. Gera muito incômodo, mas é a base do portfólio antifrágil para pessoas antifrágeis, que aproveitam o caos para lucrar de maneira inteligente e focada e fazer da volatilidade o grande motor propulsor do patrimônio.
A antifragilidade e a convergência ao valor intrínseco são a água e óleo da receita: não se misturam, mas precisamos colocar os dois para fazer um bolo. É como eu trato meu portfólio e como indico que seja o norte para todos os investidores. Você vai precisar de gestores antifrágeis, poucos, mas bons, para multiplicar o seu patrimônio.
Você vai precisar ser você mesmo antifrágil para pegar os períodos mais duros do investimento e da vida e transformar isso em algo que possa ser aproveitado. Nem sempre dá, às vezes o cansaço é maior. Mas é uma maneira inteligente de aproveitar uma situação incômoda para fazer algo útil dela em vez de praguejar as escolhas do passado.
Mas você também vai precisar de paciência, sim. A vida não se faz de buscar incômodos a todo momento porque nem de todos vai ser possível extrair algo. Tem ruído que é só ruído mesmo e operá-lo é quase como jogar pérolas aos porcos. E a isso eu somaria, como já disse no começo desse texto, o fato de o dinheiro ser um meio, e não um fim em si mesmo. Ele é o caminho para viver mais do que sobreviver, realizar projetos, chegar a lugares, viver experiências. Para isso, você só precisa do suficiente – e espero que todos sejamos capazes de responder honestamente o que é isso algum dia.
Em qualquer cenário, isso também inclui saber que o seu gestor antifrágil vai precisar de alguns bons anos para multiplicar o seu patrimônio até você, investidor antifrágil, decidir realizar um grande objetivo financeiro, mesmo que seja se gabar para os outros do seu pretenso sucesso, como tem sido comum nesses tempos.
Antifragilidade e valor intrínseco são os meus desejos para 2022. Que seja um ano melhor para nós que sobrevivemos a períodos tão devastadores para viver momentos mais felizes. Que seja um ano de sabermos aproveitar o caos para estimular nossa criatividade, ao mesmo tempo em que gastamos menos energia com o lixo e nos reconectamos com o que importa em décadas de vida.
Que seja um ano bom, enfim, para todos nós.
Feliz Ano Novo.
*Juliana Machado é analista CNPI e integra o time de análise de fundos de investimento do BTG Pactual digital. É jornalista formada pelo Mackenzie, com pós-graduação em economia brasileira pela Fipe-USP. Atuou com análise e seleção de fundos de investimento na EXAME e escreveu por quatro anos para o Valor Econômico, nas áreas de governança corporativa e bolsa de valores. Escreve para a EXAME Invest quinzenalmente.