Inteligência Artificial

O seu artista favorito é uma IA: o curioso caso da banda The Velvet Sundown

Grupo de rock psicodélico surgiu há menos de um mês com dois álbuns e 400 mil ouvintes; o problema é que ele possivelmente nenhum dos membros da banda existem

Sucesso artificial: grupo já soma quase 400 mil ouvintes no Spotify (Reprodução)

Sucesso artificial: grupo já soma quase 400 mil ouvintes no Spotify (Reprodução)

André Lopes
André Lopes

Repórter

Publicado em 30 de junho de 2025 às 11h15.

Última atualização em 30 de junho de 2025 às 11h18.

Em menos de um mês de existência, a banda Velvet Sundown virou mistério no Spotify ao somar mais de 400 mil ouvintes mensais e lançar dois álbuns, sem quase nenhuma presença fora das plataformas. As suspeitas de que se trata de um projeto criado com inteligência artificial se espalharam por fóruns, redes sociais e até playlists gigantes com curadoria questionável.

A biografia oficial descreve um quarteto de rock psicodélico com Gabe Farrow (voz e mellotron), Lennie West (guitarra), Milo Rains (baixo e sintetizadores) e Orion “Rio” Del Mar (percussão). Seus álbuns, “Floating On Echoes” (5 de junho) e “Dust and Silence” (20 de junho), surgiram sem divulgação convencional, mas entraram direto em playlists personalizadas como o Discover Weekly, atraindo curiosos que foram buscar mais informações e não acharam nada confiável.

As dúvidas se consolidaram quando usuários do Reddit notaram que as fotos promocionais pareciam geradas por IA e que a conta no Instagram citava elogios inexistentes da Billboard. Além disso, a relação entre número de seguidores (cerca de 1.500) e ouvintes mensais (325 mil) no Spotify chamou atenção como indicativo de promoção artificial.

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A música da Velvet Sundown não está apenas no Spotify, mas também no Apple Music, Amazon Music, YouTube e Deezer. Em todos, faltam métricas públicas que confirmem sucesso real, mas na Deezer há um alerta dizendo que “algumas faixas podem ter sido criadas com inteligência artificial”. No YouTube, as músicas aparecem como “fornecidas pela DistroKid”, distribuidora usada para uploads em massa.

O músico Chris Dalla Riva, no TikTok, ajudou a traçar o rastro de como a banda alcançou tanta gente: 25 das 30 principais playlists em que Velvet Sundown aparece são de apenas quatro contas no Spotify, Extra Music, Solitude Collective, KULTPOP! e Lost Records. Essas playlists têm poucos seguidores, mas centenas de milhares de salvamentos e incluem dezenas de faixas do grupo.

Exemplo curioso: a playlist “Vietnam War Music” tem 629 mil salvamentos e clássicos como Creedence Clearwater Revival e Rolling Stones — junto com 26 faixas do Velvet Sundown, que somam quase 8% da lista, apesar de não terem nenhuma relação histórica com o tema. Outro caso é “The OC Soundtrack [All Seasons]”, com 22 faixas do grupo em uma trilha de uma série que acabou quase 20 anos antes dos álbuns da banda.

IA e playlists: o novo jogo do streaming

Essa estratégia não é ilegal por si só. Criar uma banda virtual, gerar música com IA, distribuir via serviços como DistroKid e rechear playlists temáticas são formas de hackear o algoritmo. O problema surge se houver uso de bots para inflar artificialmente os números, algo para o qual não há provas no caso da Velvet Sundown. A principal hipótese é um uso criativo (ou oportunista) de playlists para enganar sistemas de recomendação.

O debate acontece enquanto a indústria ainda tenta entender o impacto da IA na música. Apesar de as faixas totalmente geradas por IA representarem apenas uma fração minúscula das execuções em serviços como Spotify ou Deezer, casos como esse mostram como elas podem chegar ao público em massa. Um estudo recente projeta que músicos podem perder até 25% de sua renda nos próximos quatro anos por causa dessa tecnologia, que já envia 10 mil faixas por dia para a Deezer.

Enquanto artistas como Nick Cave, Elton John, Paul McCartney e Kate Bush criticam os riscos para a criatividade, nomes como Björn Ulvaeus, do ABBA, exploram a IA como ferramenta criativa. E para completar o enigma: o nome “Velvet Sundown” vem de um jogo de 2014 ambientado em um iate de luxo cheio de conspirações — um paralelo que parece adequado para essa trama em que fica cada vez mais difícil separar o real do artificial.

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