Inteligência Artificial

Um coração mais previsível: como será o futuro da cardiologia, segundo professor de Harvard

Jag Singh, cardiologista da Harvard Medical School, conta como sua pesquisa em inteligência artificial traz novas esperaças para doenças do coração, passando desde novos implantes capazes de antecipar mal súbitos até a otimização do tempo dos médicos

Jag Singh, cardiologista professor da Harvard Medical School: inteligência artificial incorporada na rotina dos médicos

Jag Singh, cardiologista professor da Harvard Medical School: inteligência artificial incorporada na rotina dos médicos

André Lopes
André Lopes

Repórter

Publicado em 29 de julho de 2024 às 11h53.

Última atualização em 1 de agosto de 2024 às 14h21.

A medicina será mais digital e terá capacidade comparável à de prever o futuro. Essa máxima tem reverberado nos círculos médicos mais inovadores do mundo, os quais enxergam que está mais próxima uma revolução na área da saúde que mescla dispositivos que monitoram o paciente com a capacidade analítica da inteligência artificial (IA) generativa.

Entre os entusiastas está Jag Singh, proeminente e renomado médico cardiologista de Oxford e ex-diretor clínico de cardiologia do hospital universitário da Harvard Medical School. Nos últimos 20 anos, Singh dedicou-se a incorporar hardwares e softwares médicos na rotina de doentes cardíacos, com o intuito de tornar a morte súbita por problemas no coração em algo do passado.

Em entrevista exclusiva à EXAME, o especialista destacou como a IA se integra à cardiologia, particularmente na utilização de dispositivos como marcapassos e pequenos desfibriladores, que possuem sensores capazes de prever arritmias.

Dentro dos hospitais, ele enfatiza que a IA chega com o papel de não apenas auxiliar no diagnóstico e prevenção de doenças, mas também aliviar tarefas administrativas dos médicos, permitindo mais tempo para o cuidado direto aos pacientes. O olhar humano, em suas palavras.

Antes que tais aplicações se tornem praticáveis, no entanto, a aplicação da IA à medicina em si deve ser melhorada. Modelos de linguagem grande (LLMs) analisam grandes quantidades de dados, mas podem deturpar as características demográficas variáveis dos pacientes. ciosos.

Essas e outras armadilhas na aplicação da IA, observou Singh, exigirão a requalificação dos médicos atuais e o treinamento dos médicos da próxima geração para o ecossistema de tecnologia em rápida evolução. Esse sentimento deverá ser ecoado durante o Afya Summit, evento marcado para o dia 28 de agosto no Hotel Unique em São Paulo, para o qual Singh virá pela primeira vez ao Brasil palestrar. O evento reunirá médicos e especialistas de renome internacional para discutir os novos tempos da medicina.

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista feita antes da vinda do especialista:

O senhor trabalhou em três continentes, passando pela Índia, Reino Unido e nos Estados Unidos, onde atualmente faz sua pesquisa com inteligência artificial para medicina. Ao longo dessa jornada, o que te atraiu para a cardiologia e para o estudo de tecnologias que podem ser implantadas no coração?

Eu cresci na Índia, onde fiz faculdade de medicina e também meu treinamento inicial como cliníco. Depois, consegui uma bolsa para Oxford, onde apresentei meu doutorado em eletrofisiologia e morte súbita cardíaca, criando ali meus primeiros modelos preditivos com inteligência artificial. Posteriormente, fui para o estudo Framingham Heart nos EUA, trabalhando com epidemiologia cardiovascular, prevendo doenças ao analisar minusiosamento o coração dos pacientes. A partir daí, ingressei no Mass General Hospital, onde fiz minha residência e treinamento em cardiologia e eletrofisiologia cardíaca, tornando-me eletrofisiologista cardíaco há cerca de 22 anos, o especialista que estuda a parte elétrica do coração. Nesse anos todos, a cardiologia tem me fascinado por sua capacidade em prever o futuro. Vi, por muitos anos, pacientes que morriam subitamente por conta de seus corações que não deram sinais aparentes de problemas e, então, quis entender as falhas elétricas que os tornavam mais vulneráveis à morte súbita cardíaca.

E como a inteligência artificial se cruza com esse interesse? Como ela está ajudando a sua área e os pacientes com doenças cardíacas?

Como eletrofisiologista cardíaco, eu implanto dispositivos em pacientes, como marcapassos e desfibriladores, que possuem sensores. Esses sensores podem avaliar a frequência cardíaca, atividade física e até prever quais pacientes desenvolverão arritmias. Isso já é uma forma de IA preditiva, usando os dados para antecipar algum mal. Ao monitorar pacientes com esses sensores, pensei que talvez pudéssemos usar a IA para prever o estado clínico dos pacientes à distância. Com isso, comecei a pesquisar IA há cerca de cinco anos. Na medicina, a IA terá um impacto significativo no cuidado ao paciente, no diagnóstico, previsão e prevenção de doenças, além do desenvolvimento de novos medicamentos. Na prática médica, além de ajudar no cuidado ao paciente, a IA pode aliviar muitas das tarefas administrativas que enfrentamos, permitindo que passemos mais tempo com os pacientes. A IA pode dividir-se em aprendizado de máquina, robótica e processamento de linguagem natural, cada uma impactando o cuidado ao paciente. De maneira geral, a IA vai melhorar o cuidado, a experiência de quem é atendido e permitir que os médicos ofereçam um cuidado mais personalizado e, por vezes, mais humanizado.

E em termos de qualidade de vida, quais são as melhorias que a IA traz ao dia a dia do paciente?

Estamos apenas no início do impacto da IA no âmbito da rotina do paciente. Agora temos dispositivos vestíveis, como relógios, anéis e roupas inteligentes, que fornecem mais dados sobre em tempo real das condições do enfermo. Nesse ponto, conseguimos uma infinidade de dados que podem ser utilizados para antecipar problemas. Por outro lado, são tanto dados para poucas soluções que consigam cruzar de forma abrangente e cientifíca as informações. E esse é o trabalho que temos pela frente, capacitar profissionais que possam converter essas informações em ações para trazer bem-estar aos pacientes. A ideia é ir além do que hoje fazem os monitores contínuos de glicose, que permitem que os pacientes ajustem sua dieta e exercícios com base nos níveis de glicose no sangue. Há muito a evoluir.

E quando falamos da formação desses profissionais, quais são os desafios de formar equipes para trabalhar com novas tecnologia na saúde em um nível tão avançado?

Em 2005, criei a Terapia de Ressincronização Cardíaca (TRC). Um movimento iniciad0 para cuidar de pacientes com insuficiência cardíaca com dispositivos implantados. Ele foi um esforço multidisciplinar envolvendo médicos, eletrofisiologistas, enfermeiros e coordenadores de pesquisa clínica, ao longo dos anos obtivemos sucesso em tornar rotineiro os processos que eram necessários na vida de um implatado. O mesmo vale para a IA: é necessário um grande time de cientistas de dados, clínicos de diferentes especialidades e coordenadores de pesquisa.

Você vê outros desafios? Os médicos já estão sobrecarregados com tantas responsabilidades, como acompanhar novas pesquisas e se atualizar em conceitos que se tornam rapidamente obsoletos. Acrescentar a IA a essa lista pode gerar resistência?

Acho que há uma resistência natural, mesmo em países como os Estados Unidos, que lideram o desenvolvimento da IA. As pessoas ficam desconfortáveis com mudanças, especialmente quando precisam integrar novas tecnologias ao seu fluxo de trabalho. Se a IA puder ser integrada de maneira a facilitar a vida dos médicos e melhorar o cuidado ao paciente, será mais facilmente adotada. Em Harvard, estamos usando IA para melhorar a vida dos médicos, permitindo que eles se concentrem mais nos pacientes do que em tarefas administrativas. Por exemplo, agora temos sensores que podem gerar notas clínicas automaticamente, economizando tempo dos médicos. Outro exemplo é uma ferramenta de IA que resume os prontuários dos pacientes em poucos parágrafos, economizando horas de trabalho. A parte humana do cuidado é muito importante e não deve ser perdida com a adoção da IA. A IA também pode ajudar a tornar o cuidado à saúde mais equitativo, fornecendo acesso a cuidados de qualidade em áreas remotas. Com smartphones se tornando cada vez mais comuns, há uma grande oportunidade para melhorar a equidade na saúde globalmente, atuando em países com diferentes níveis de suporte.

A regulação da IA muitas vezes é discutida no ambito das empresas de tecnologia e seus aplicativos, mas quais são os desafios que o senhor enxerga para a regulamentação da IA na saúde e como esses desafios podem ser abordados pelos países?

A questão da regulamentação é crucial. Um dos maiores desafios da IA é a confiança. As pessoas não querem usar a IA se não tiverem certeza de sua confiabilidade, especialmente na saúde, onde erros não são aceitáveis. Questões de privacidade e segurança também são preocupantes. A regulamentação é necessária antes que a IA se auto-regule por propostas de um lado só. Governos precisam atuar rapidamente para garantir que a IA seja usada de forma segura e eficaz, assim como aconteceu com a internet nos anos de 1990.

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