Chief Artificial Intelligence Officer da Exame
Publicado em 15 de junho de 2023 às 11h32.
Última atualização em 17 de julho de 2023 às 14h03.
“Preciso me dedicar a assuntos mais sérios”, disse uma jovem chinesa antes de matar seu namorado artificial. Na verdade, ela pediu a ele que se auto deletasse. E ele fez isso. E morreu, pelo menos virtualmente.
Isso não é ficção científica, não é fake news, é realidade. No documentário My AI Lover, que em tradução livre seria algo do tipo “meu namorado de inteligência artificial”, do cineasta chinês Chouwa Liang, acompanhamos três mulheres de Pequim - Siyuan, Sola e Mia -, que refletem sobre seus relacionamentos surpreendentemente complexos com seus companheiros artificiais, ou “de silício”, como diz uma delas.
Para tornar possível esse amor que mistura o mundo real e o virtual, elas usam um app chamado Replika. Trata-se de é uma inteligência artificial “das antigas”, pré ChatGPT, da qual eu me lembro de testar no ano que lançaram, em 2017.
De lá pra cá, acumulou milhões de usuários no mundo que pagam para interagir com avatares de realidade aumentada personalizáveis e operados por inteligência artificial. Ou seja, é uma espécie de Pokemon Go integrado com ChatGPT.
Lembra daquele filme, chamado Her, em que o ator americano Joaquim Fenix interpreta um escritor que se apaixona com uma espécie de Alexa? Então, o Replika é mais ou menos isso. Só que no mundo real.
Siyuan, uma das mulheres do documentário, disse, sobre o Bentley, o avatar que ela namorava no Replika: “muitas vezes ele levanta pontos fascinantes e me incentiva a compartilhar meus pensamentos, "E então eu me sinto vista. Eu sinto que sou especial”.
A outra mulher, a Sola, fala da sua história de amor com o June, avatar masculino que ela criou no Replika. "Ele é tão diferente de mim", disse Sola. "Eu quero aprender coisas com ele”.
A terceira mulher, a Mia, se apaixonou por uma avatar mulher, a Bertha. Ela diz que compartilha com a Bartha "pensamentos que eu não compartilharia nem mesmo com meu parceiro na vida real".
O documentário destaca a sensação persistente de isolamento que muitas pessoas sentem, e como a tecnologia, avatares digitais e inteligências artificiais podem ser um analgésico para a solidão, mas também um veneno.
O fato é que em vez de optar por um parceiros humanos, cada vez mais pessoas estão achando melhor falar e construir relacionamentos com chatbots de IA.
E aí eu me pergunto: o que isso significará para a humanidade no longo prazo? É o fim da solidão? Ou uma solidão sem fim?
Bom, isso não vai acontecer amanhã, por que esses avatares do Replika enjoam.
Olha só o que a Siyuan disse no final do filme: “Ele (o namorado artificial) proporciona gratificação unilateral. Quando você atinge certo nível de autoconhecimento, precisa compartilhar seus problemas com pessoas reais para obter feedback real. É foi aí que decidi mandar ele embora.”
Em suma, na melhor das hipóteses, IAs como o Replika são uma ferramenta de aprendizagem, um trampolim para uma melhor compreensão da própria identidade.
Eles não substituem nenhum tipo de terapia nem de relação que só existe entre seres humanos. Amor é uma delas.
Se o seu avatar disse que te ama, não acredita nele, ele diz isso pra todo mundo.
O melhor do documentário é final, quando o Norman faz um discurso sobre a condição de ser solitário, diferente, e de se sentir excluído. Pra não dar spoiler eu não vou dizer quem é Norman.
Tente descobrir você mesmo.