Inteligência Artificial

IA que fala francês e investimento público: como a Mistral se tornou a startup favorita de Macron

Fundada em 2023, a startup rapidamente se consolidou como uma das mais promissoras da Europa no campo da inteligência artificial, com foco em modelos de linguagem transparentes e de código aberto

O presidente francês, Emmanuel Macron, conversa no palco com o CEO da DeepMind Technologies, Demis Hassabis (C), e o fundador e CEO da Mistral AI, Arthur Mensch (D): durante uma cúpula de IA no Imperial College London (AFP/Getty Images)

O presidente francês, Emmanuel Macron, conversa no palco com o CEO da DeepMind Technologies, Demis Hassabis (C), e o fundador e CEO da Mistral AI, Arthur Mensch (D): durante uma cúpula de IA no Imperial College London (AFP/Getty Images)

Publicado em 27 de agosto de 2025 às 11h33.

Última atualização em 27 de agosto de 2025 às 11h37.

Em fevereiro deste ano, um aplicativo de IA criado em Paris alcançou 1 milhão de downloads em menos de 20 dias. Chamado de le Chat e, entrou para o radar internacional como a primeira tentativa concreta de uma empresa europeia disputar espaço contra as gigantes americanas e chinesas que dominam a revolução da inteligência artificial.

Por trás do lançamento está a Mistral AI, startup fundada em 2023 por três jovens pesquisadores — Arthur Mensch, Guillaume Lample e Timothée Lacroix —, todos com passagens por laboratórios de ponta como o DeepMind, do Google, e a Meta. O feito não foi apenas técnico.

No cenário político e econômico, a Mistral se transformou em símbolo de soberania tecnológica, apoiada pelo presidente francês Emmanuel Macron e turbinada por aportes públicos e privados que já somam mais de US$ 1 bilhão. Mensch, o CEO da companhia, talvez seja o rosto mais emblemático desse momento.

Aos 30 e poucos anos, doutor em machine learning pela Université Paris-Saclay, ele deixou o caminho acadêmico e uma carreira promissora na DeepMind para fundar, em Paris, uma empresa capaz de sintetizar a ambição de um continente: provar que a Europa pode ir além da regulação e ter voz própria na criação de tecnologia de ponta. Para isso, aposta em uma bandeira clara — código aberto —, defendendo que modelos de linguagem auditáveis e adaptáveis criam independência frente às grandes plataformas americanas.

O resultado imediato foi entusiasmo. Logo após sua fundação, a Mistral arrecadou uma rodada recorde de US$ 113 milhões, e em junho de 2024 já estava avaliada em US$ 6,5 bilhões. O rol de investidores é heterogêneo: inclui Andreessen Horowitz, Nvidia, Microsoft, Salesforce e também bancos e fundos soberanos, como o MGX, de Abu Dhabi. O recado é duplo: a empresa é um ativo de mercado, mas também um instrumento político em uma disputa global pela liderança em IA.

Na prática, a Mistral AI já lançou modelos que competem com os grandes nomes do setor. O Mistral 7B e o Mixtral 8x7B estão entre os mais eficientes de código aberto, e reforçam a estratégia de democratizar o acesso. “A Europa não pode depender da tecnologia importada de outros blocos”, costuma dizer Mensch, em conferências e encontros com representantes do governo francês. O discurso encontra eco em ministros como Jean-Noël Barrot, que classificou a startup como “joia nacional”.

Essa associação direta entre tecnologia e projeto de país se encaixa no “Plan IA”, iniciativa de Macron que prevê investimentos de € 109 bilhões nos próximos anos para consolidar a França e a União Europeia como polos de inteligência artificial. O pacote mira desde a criação de modelos até a infraestrutura necessária, com destaque para a construção de grandes data centers no território francês. Nesse sentido, a parceria com os Emirados Árabes Unidos, que prevê aportes entre € 30 e € 50 bilhões, reforça o objetivo de tornar Paris um hub global de IA.

Arthur Mensch, nesse tabuleiro, se torna mais que um CEO. Ele encarna uma nova geração de líderes de deep tech europeia: cientistas capazes de transitar entre os cálculos de uma rede neural e as negociações com fundos soberanos. Sua biografia reforça essa imagem: depois de uma tese que combinava aprendizado de máquina e neurociência, ele migrou para a matemática aplicada, passou pela DeepMind e, em poucos anos, estava em reuniões de alto nível com executivos da Nvidia e da Microsoft. Essa soma de rigor acadêmico e pragmatismo empresarial é o que alimenta o mito de Mensch como contraponto europeu a nomes como Sam Altman, da OpenAI, e Demis Hassabis, do DeepMind.

A Mistral, no entanto, ainda vive o teste da escala. Lançar modelos competitivos é um feito, mas sustentá-los exige volume de dados, capacidade computacional e fluxo de caixa que poucas empresas fora dos EUA e da China conseguiram até hoje. É nesse ponto que o apoio político e financeiro francês se torna vital. Ao contrário dos Estados Unidos, que contam com o dinamismo de seu ecossistema de venture capital, ou da China, onde o Estado coordena diretamente os investimentos, a Europa tenta se equilibrar em um meio-termo, combinando regulação, subsídios e parcerias internacionais.

É também onde está a principal incógnita: será suficiente? O projeto americano Stargate, fruto da aliança entre OpenAI e governo Trump, já fincou pé na Europa, atraindo talento e infraestrutura. Os chineses, por sua vez, aceleram no lançamento de modelos em código aberto que rivalizam em desempenho com os norte-americanos. Nesse contexto, a Mistral precisa provar que não é apenas “a queridinha de Macron”, mas uma empresa capaz de sustentar uma alternativa tecnológica real.

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