Cesar Hebling: diretor da OM30 (Reprodução)
Repórter
Publicado em 23 de julho de 2025 às 13h07.
Última atualização em 23 de julho de 2025 às 13h08.
Com 19 anos no setor público, a OM30 inicia uma nova fase ao lançar uma inteligência artificial que automatiza o preenchimento de prontuários médicos no SUS por voz. A ferramenta, já integrada ao sistema Saúde Simples – usado em centenas de municípios –, promete reduzir em até 40% o tempo de consulta nas unidades básicas de saúde. Mas o que está em jogo para a empresa vai além da eficiência clínica: trata-se de testar um novo formato de entrega de produto, adaptar o modelo de negócios à era do software e equilibrar inovação com regulação no setor público.
A IA foi desenvolvida dentro do laboratório de inovação da empresa, o 30Labs, criado este ano para acelerar projetos com uso de dados, automação e modelos de linguagem. É também o primeiro produto do grupo que une reconhecimento de voz com análise semântica baseada em Large Language Models, ou grandes modelos de linguagem. “Não é uma IA genérica. Ela foi ajustada internamente, com contexto clínico, para entender o momento em que a consulta começa e preencher os campos certos do prontuário”, explica Cesar Hebling, diretor da empresa.
A OM30 iniciou sua atuação digitalizando arquivos de prefeituras e, ao longo dos anos, passou a desenvolver sistemas próprios de gestão para saúde e educação. Segundo Hebling, a aposta em IA vem sendo feita com "pé no chão" e sem ruptura com a operação já estabelecida em municípios. A empresa não vai cobrar a mais pela nova funcionalidade: ela será incorporada sem custo adicional aos contratos já firmados com as prefeituras.
Esse movimento, porém, impõe um desafio. O modelo de negócios da OM30, baseado em licitações e prestação de serviços sob demanda, não foi desenhado para escalar produtos digitais com atualizações constantes, como se espera de soluções em IA. Hebling admite que o desenho atual pode limitar a capilaridade e afirma que a companhia estuda, para um futuro sem data, uma transição parcial para o modelo software as a service (SaaS), mais comum no setor privado.
A aplicação da tecnologia também enfrentou questões de campo. Embora parte dos médicos do SUS já se mostre receptiva ao uso de IA, há perfis mais resistentes à automação. Além disso, o ambiente físico das UBSs – com espaços apertados, equipamentos analógicos e infraestrutura precária – dificultou a idealização de um produto que funcionasse com baixa fricção no dia a dia da consulta.
“O médico precisa atender, examinar, interagir e registrar tudo isso em menos de 15 minutos. Muitos ainda anotam no papel e digitam depois, o que aumenta o risco de erro. O ganho de produtividade real da IA está em reorganizar essa dinâmica”, diz Hebling.
O sistema começa a escutar apenas quando identifica que a consulta foi iniciada formalmente, ignorando diálogos informais iniciais. Durante a conversa clínica, os dados são capturados e organizados em tempo real, com sugestão automática de texto para anamnese e até receita médica. O profissional tem a função de validar ou editar os registros ao final da consulta, mantendo a responsabilidade técnica do atendimento.
A OM30 já projeta uma expansão da inteligência artificial para além do consultório. A ideia é utilizar os dados acumulados para oferecer análises preditivas aos gestores municipais, ajudando na antecipação de surtos, remanejamento de profissionais e planejamento de políticas públicas. “A IA não pode ser só uma interface bonita. Ela precisa produzir decisões melhores”, diz o executivo.
A empresa projeta crescer 50% na área da saúde até o fim de 2025. Com mais de 18 módulos no sistema Saúde Simples e clientes espalhados pelo interior de São Paulo, a OM30 mira novos estados e secretarias municipais. No entanto, a adesão à IA ainda depende de fatores externos como conectividade, capacitação de pessoal e marcos regulatórios. “A legislação ainda está atrasada para esse tipo de inovação, então seguimos baseados nas diretrizes do Ministério da Saúde”, afirma Hebling.