Repórter
Publicado em 21 de novembro de 2024 às 05h34.
Última atualização em 21 de novembro de 2024 às 06h48.
HELSINQUE - A recente chegada da OpenAI em Paris provocou um incômodo generalizado no vibrante ecossistema de startups de inteligência artificial (IA) da região. Ter uma companhia desse peso por perto fez ecoar a dúvida sobre ainda existir tempo para a Europa superar a agressividade americana no setor de IA. Lar de empresas já relevantes como Mistral e Anthropic, a União Europeia tem adotado medidas para evitar que seu setor tecnológico, conhecido por enfrentar um ambiente regulatório rígido, seja sufocado antes de gerar frutos com impacto global.
A aproximação da empresa do ChatGPT se soma a outro movimentos de importantes, como o investimento da Amazon na startup Antropic e a aquisição da DeepMind pelo Google em 2014, por cerca de US$ 500 milhões. Esse último fez com que a Europa perdesse um dos maiores laboratórios independentes de IA para o domínio dos EUA. Desde então, a DeepMind, criadora do AlphaGo e AlphaFold, consolidou-se como parte essencial da divisão Google DeepMind, reforçando a influência americana no campo.
Essas reflexões foram apresentadas por Dorothy Chou, diretora do Google DeepMind, durante o Slush, na quarta-feira, 20. O evento, realizado em Helsinque, na Finlândia, é um dos maiores encontros de startups da Europa. O encontro destacou temas como a flexibilização das condições de financiamento, o impacto da vitória eleitoral de Donald Trump e o crescimento impulsionado por IA.
Segundo Chou, a experiência da DeepMind ilustra um ponto crítico: "A história da DeepMind é ao mesmo tempo um sucesso e uma tragédia para a Europa. Fundada em Londres, tivemos que buscar capital nos EUA para crescer". A executiva destacou que a fragmentação do mercado europeu e a escassez de financiamento local tornaram a expansão transatlântica inevitável.
Além disso, a competição com os EUA é desigual. Enquanto americanos flexibilizaram regulações para fundos de pensão investirem em tecnologia já nos anos 1970, a Europa enfrenta restrições que dificultam o apoio a startups de alto risco. "Sem mudanças estruturais, é impossível competir na escala global", alerta Chou.
O avanço americano no setor de IA ocorre em meio a um cenário de fragmentação no bloco europeu. Diferentes legislações trabalhistas e fiscais dificultam a colaboração entre países, um entrave citado por líderes do setor. "Não teremos uma França ou Alemanha que possa competir sozinha com os EUA ou China", afirmou um economista em recente painel de tecnologia em Paris. A solução, dizem especialistas, passa por criar um ecossistema pan-europeu de inovação, inspirado em iniciativas como a Airbus, no setor aeroespacial.
Cidades como Paris, Londres e Helsinque despontam como hubs de tecnologia, mas ainda falta uma visão unificada que transforme o potencial local em liderança global. "O talento existe, e a qualidade de vida europeia favorece a retenção de profissionais. O que falta é branding e integração", argumentou Chou.
A expansão da OpenAI para Paris também reflete um novo padrão de investimentos. Com um mercado de talentos altamente qualificado e salários mais competitivos, grandes empresas começam a enxergar na Europa um polo estratégico para desenvolvimento e pesquisa. "As startups europeias têm uma chance real de liderar ao adaptar modelos de IA para setores específicos e locais, como saúde, transporte e energia", diz Chou.
Especialistas apontam que a Europa precisa investir na "camada de aplicação" da IA, tornando modelos base mais acessíveis e úteis para nichos estratégicos. Essa abordagem requer não só capital, mas também simplificação regulatória e maior integração política. Sinalizando que o futuro da IA europeia depende de romper fronteiras internas e agir como uma força unificada.