Inteligência Artificial

Demissões em massa vs. salários em alta: o paradoxo do mercado tech

Veterano da educação digital, Gustavo Guanabara avalia o impacto da IA no ensino e no mercado de software, e alerta: “quem não evolui, será substituído”

Miguel Fernandes
Miguel Fernandes

Chief Artificial Intelligence Officer da Exame

Publicado em 27 de maio de 2025 às 10h43.

Última atualização em 27 de maio de 2025 às 10h49.

Mais de 650 mil profissionais de tecnologia foram demitidos globalmente entre 2022 e maio de 2025. No Brasil, CEOs admitem que pretendem reduzir suas equipes devido à adoção de IA. Diante das previsões apocalípticas de que a inteligência artificial vai tornar programadores obsoletos, decidi conversar com uma das minhas maiores referências na área, Gustavo Guanabara, para entender o presente e o futuro do mercado de desenvolvimento de software.

Guanabara é veterano da tecnologia, reconhecido como pioneiro do ensino a distância no Brasil e formador de milhares de programadores. Eu mesmo já contratei centenas de desenvolvedores que passaram pela formação dele.

Logo de início, provoquei: “Afinal, a IA generativa vai mesmo acabar com a profissão de programador?” Ele riu antes de responder: “Programação é a única coisa que sei fazer na vida,” brincou Guanabara, insinuando que, se os pessimistas estiverem certos, até ele teria de repensar a carreira. A frase, meio séria meio bem-humorada, mostra o misto de preocupação e ceticismo com que muitos desenvolvedores encaram a chegada da IA.

IA na educação: uma aliada do professor, não um substituto

Quando o assunto é inteligência artificial na educação, Guanabara é categórico: “A IA não vai substituir um bom professor – mas pode sim substituir o professor acomodado”, afirma. Ele lembra de um evento recente em que lhe perguntaram se ferramentas como ChatGPT poderiam tomar o lugar de docentes. Sua resposta foi direta: quem mantém aulas engessadas, repetindo sempre o mesmo conteúdo sem se atualizar, já está sendo devorado por plataformas e bots que ensinam aquilo de forma mais atraente.

O educador que abraça a tecnologia tem em suas mãos um poderoso assistente. Guanabara defende que a IA pode assumir tarefas burocráticas ou repetitivas, correção de exercícios padronizados, liberando tempo para o professor focar no que mais importa: mediar o conhecimento, inspirar os alunos e sanar dúvidas complexas.

IA e programação: ameaça ou aliada para desenvolvedores?

Se na educação a IA pode ser um ótimo auxiliar, e quanto aos programadores? Perguntei a Guanabara se ele acredita na previsão de alguns executivos do Vale do Silício de que “programar vai se tornar obsoleto, tudo será feito por máquinas em breve”. Ele respondeu citando um conceito interessante: “a IA está devorando a si mesma”.

O que isso significa? Ele mencionou o caso dos engenheiros de prompt – aqueles profissionais especializados em escrever comandos eficazes para ferramentas de IA generativa. Essa função bombou em 2023, mas dois anos depois já deixou de ser um cargo à parte, virando apenas uma habilidade a mais dentro de outras funções.

A própria IA eliminou a necessidade de ter alguém só para “conversar” com ela. Todo profissional de TI hoje deve saber elaborar prompts e integrar IA no seu trabalho. É um exemplo de como a tecnologia transforma funções em vez de simplesmente eliminá-las: o prompt engineer não sumiu, ele virou parte do job description.

Codar não vai deixar de existir, mas a forma de codar já está mudando radicalmente. Eu próprio testemunho diariamente programadores usando o GitHub Copilot ou o ChatGPT para gerar trechos de código. Longe de condenar a prática, Guanabara incentiva: “Tem que usar mesmo, mas com inteligência”, diz. Em outras palavras, a IA é um acelerador de produtividade, não substitui o raciocínio do programador.

Mercado de trabalho tech em 2025: dados, empregos e salários

De um lado, a transformação digital segue aquecida e alimentando a procura por talentos qualificados. Empresas em todos os setores correm para incorporar inteligência artificial em seus produtos e processos. Conforme um relatório da Global Technology Industry Association, 55% das empresas já utilizam IA e os outros 45% estão implementando ou testando a tecnologia. Apenas na plataforma de carreiras The Muse, nos EUA, havia mais de 10 mil vagas abertas para profissionais de IA em meados deste ano, cobrindo todos os níveis.

No Brasil, algumas das profissões mais promissoras de 2025 estão ligadas à IA e à análise de dados, com salários que chamam atenção mesmo para padrões globais. Segundo o Guia Salarial da consultoria Robert Half, um especialista em inteligência artificial no Brasil pode ganhar de R$ 7 mil (nível de entrada) até R$ 35 mil mensais (coordenação ou gerência). Essas cifras colocam os especialistas em IA e machine learning no topo da cadeia salarial de TI no país.

Outras funções valorizadas incluem cientistas de dados, engenheiros de software focados em automação, e profissionais de cibersegurança. Uma projeção do Fórum Econômico Mundial estima que a demanda por especialistas em IA, aprendizado de máquina e cybersegurança deve crescer 30% nos próximos cinco anos.

Porém, há o outro lado da moeda: a enxurrada de demissões nas big techs globais nos últimos dois anos trouxe um certo clima de incerteza. Entre 2022 e 2023, gigantes como Meta, Amazon, Google, Microsoft e outras cortaram coletivamente centenas de milhares de postos de trabalho. No início de 2023, o Google demitiu 12 mil funcionários; a Amazon, 27 mil. Em 2025, a Meta realizou mais uma onda de cortes (foram 3.600 pessoas demitidas, 5% do quadro), ao mesmo tempo em que Mark Zuckerberg anunciava investimentos massivos em IA e realocação de recursos.

Essa é uma tendência clara: as demissões nas big techs acontecem em paralelo a uma corrida por talento em IA. A Meta, por exemplo, destinou US$ 65 bilhões ao desenvolvimento de inteligência artificial em 2024, e vem acelerando contratações de engenheiros de aprendizado de máquina enquanto corta pessoal de áreas menos estratégicas. Não é um simples encolhimento, é uma reestruturação de perfis profissionais dentro das empresas.

O desenvolvedor do futuro

Sou cético com “modas” tecnológicas.

A inteligência artificial não é o apocalipse da programação, mas é um divisor de águas. Há uma linha direta ligando a história de Guanabara – que começou num subúrbio do Rio sem internet, estudando por enciclopédias incompletas, e hoje ensina milhões online – ao impacto da IA na carreira de cada um de nós. Essa linha se chama evolução tecnológica. Ela assusta e empolga. Permaneceremos empregados e realizados se evoluirmos junto com a tecnologia.

Esse é novo clichê do nosso tempo: não é que a IA vá roubar seu emprego, é alguém (humano) que saiba usar IA melhor do que você.

Assiste no Youtube a entrevista completa.

 

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