Imagem realista gerada com ChatGPT representando solidão e conexão (Reprodução)
Chief Artificial Intelligence Officer da Exame
Publicado em 30 de abril de 2025 às 06h28.
Comecei a notar algo estranho nas confidências com a IA. Ela sempre responde polida, cita estatísticas comprovando o que peço, o tempo todo disponível me incentivando a continuar conversando e me fazendo companhia. Mas passados alguns minutos, bate um silêncio. A sensação é de falar com um organismo opaco, sem cheiro, sem calor. A IA não está no mesmo barco que eu; não teme o desemprego, não sente fome, nem lida com boletos. Esperar companhia dali é como pedir colo a um micro-ondas.
Essa solidão travestida de diálogo me angustia ainda mais quando vejo gente que “prefere conversar com o ChatGPT do que com pessoas”. Foi por isso que recorri ao Emanuel Aragão escritor, filósofo e neuropsicanalista que conheci nos bastidores do TED Talk que gravei no começo do ano. A palestra dele sobre como cozinhar um macarrão pode ser mais terapêutico do que qualquer app de produtividade me nocauteou. Recentemente conversamos sobre inteligência artificial, solidão digital e saúde mental.
Emanuel não poupa palavras: “Sou viciado como toda a humanidade neste momento”, diz, apontando para o celular sobre a mesa. O diagnóstico é fácil de verificar. O brasileiro médio passa 9 horas e 13 minutos por dia nas redes sociais, segundo o relatório We Are Social/Meltwater. Tempo suficiente para cursar um MBA a cada semestre.
Ele explica o mecanismo: plataformas oferecem recompensas rápidas (likes, coraçõezinhos) enquanto o que realmente queremos, vínculo, reconhecimento, afeto, dá trabalho. Resultado: rolamos o feed compulsivamente.
Os números confirmam o estrago. O Panorama da Saúde Mental 2024 mostra que 45 % dos casos de ansiedade em jovens brasileiros (15-29 anos) estão ligados ao uso intensivo das redes. No mundo corporativo, o reflexo chega ao RH: afastamentos por transtornos mentais explodiram 134 % entre 2022 e 2024, saltando de 201 mil para 472 mil licenças no INSS.
Para quem lidera empresas, isso é mais que estatística; é custo, reputação e responsabilidade. Produtividade sustentada exige mentes saudáveis, não funcionários permanentemente logados num mix de planilha e TikTok.
Pergunto a Emanuel se a IA pode preencher lacunas emocionais. Ele sorri: “Ela não luta para existir. Falta medo, finitude, fome—o alicerce da empatia.” Sem essa partilha de fragilidades, o chatbot oferece apenas a ilusão de compreensão. Pesquisas do MIT mostram que quanto maior o apego emocional ao ChatGPT, maior o relato de solidão após algumas semanas, paradoxo que ganha peso quando sabemos que a plataforma já soma 400 milhões de usuários semanais.
Sou o primeiro a defender IA para acelerar relatórios, prever demanda ou destravar criatividade—sim, justamente aquela que abordei no artigo “O Fim da Criatividade”. Mas há uma linha tênue entre usar a tecnologia e deixar-se usar por ela. Aragão resume bem: “Automatizar o esforço sem saber o que fazer com o tempo livre é acelerar a vida rumo ao nada.”
Se IA e nós não dividimos o mesmo risco—falir, suar, morrer—ela jamais será companhia completa. Ao emprestar nossa atenção sem freios, fazemos do algoritmo um espelho distorcido. Cabe a nós polir esse espelho e, sobretudo, olhar para fora dele, onde vivem as pessoas capazes de nos devolver o olhar.
Convido você a assistir à entrevista completa com Emanuel Aragão e refletir sobre que conversas valem seu tempo humano. Até lá, tente guardar o celular durante o jantar — nem que seja pelo tempo de ferver a água do macarrão.