Padrões com os quais as IAs foram treinadas estão sendo absorvidos pelas pessoas, criando um ciclo vicioso de retroalimentação entre a tecnologia e o uso no dia a dia (Vertigo3d/Getty Images)
Redator
Publicado em 1 de outubro de 2025 às 10h18.
À medida que cada vez mais pessoas utilizam ferramentas de inteligência artificial generativa, como os grandes modelos de linguagem (LLMs) ChatGPT (OpenAI), Claude (Anthropic) ou Gemini (Google), os impactos do uso dessa tecnologia começam a migrar também para fora da internet. Conversas cotidianas e artigos acadêmicos, por exemplo, estão se tornando progressivamente mais parecidos com interações com a IA.
Há alguns anos, a maior preocupação de professoras e professores de português era o uso da “linguagem da internet” por estudantes. No entanto, na era da IA, gírias e abreviações estão dando lugar a estruturas repetitivas, ao uso excessivo de palavras como “robustas” e até de sinais de pontuação, como os travessões, que antes não eram tão comuns.
Assim, cresce não só a dúvida sobre a autoria e a originalidade dos textos, mas também antigos usuários desses termos e sinais se defendem das acusações de uso de IA argumentando que já utilizavam essas formas linguísticas antes mesmo da tecnologia popularizá-las.
Como a IA é uma tecnologia de alcance global, o fenômeno não está restrito a um ou outro país. Nos EUA e na língua inglesa, um exemplo claro dessa mudança é o uso crescente da palavra “delve” (investigar/aprofundar), comum nos chatbots. Segundo o Washington Post, isso se deve provavelmente ao fato de que o treinamento da IA foi terceirizado para trabalhadores no Quênia ou na Nigéria, onde o termo é mais utilizado.
No entanto, com o uso crescente da tecnologia, essa palavra passou a aparecer também com mais frequência em textos acadêmicos. Nos anos de 2023 e 2024, os dois logo após o lançamento do ChatGPT, o uso de delve em pesquisas acadêmicas aumentou dez vezes, indicando que muitos cientistas começaram a usar a IA para auxiliar ou escrever seus textos.
O impacto da IA na linguagem não para por aí: um estudo publicado pela Scientific American e citado pelo Washington Post revelou que a palavra delve também tem sido utilizada com mais frequência em conversas espontâneas. Isso sugere que os padrões com os quais as IAs foram treinadas estão sendo absorvidos pelas pessoas, criando um ciclo vicioso de retroalimentação entre a tecnologia e o uso no dia a dia.
Embora ainda não se saiba quais os impactos offline do crescente uso de IA em voz ou na geração de imagens e vídeos, o impacto no uso da linguagem escrita reforça uma realidade importante: a tecnologia não é neutra. Seus efeitos vão muito além do ambiente de trabalho, moldando e remodelando a cultura global.