Apenas 10% a 20% dos estudantes demonstram motivação suficiente para aprendizado autodirigido (Getty Images)
Chief Artificial Intelligence Officer da Exame
Publicado em 18 de novembro de 2025 às 20h01.
Enquanto o debate sobre inteligência artificial na educação divide educadores entre entusiasmo e temor, Sal Khan, fundador da Khan Academy, apresenta números que desafiam céticos: estudantes que dedicam apenas 60 minutos semanais à plataforma apresentam desempenho de 20% a 40% superior aos colegas, segundo compilação de mais de 50 estudos de eficácia realizados globalmente pela organização sem fins lucrativos.
Em entrevista exclusiva sobre seu novo livro “Ensinar tudo a todos”, Khan revelou que o Brasil se tornou o segundo maior mercado da Khan Academy fora dos Estados Unidos, com o estado do Paraná liderando a implementação da ferramenta de IA educacional Khanmigo, uma implementação do ChatGPT voltada para educação básica.

"Temos cerca de 1,5 milhão de estudantes usando formalmente a plataforma nos EUA", afirmou Khan. "Fora dos Estados Unidos, o Paraná é nossa maior implementação. Eles têm uma liderança muito visionária que abraçou a tecnologia desde o primeiro dia."
A aposta de Khan na democratização via IA parte de uma análise econômica simples: nos Estados Unidos, um tutor particular competente cobra entre US$ 30 e US$ 50 por hora, valor que se multiplica ao longo de um ano letivo. No Brasil, onde a desigualdade educacional é ainda mais acentuada, o acesso a tutoria particular permanece privilégio de poucos.
"Se voltarmos 50 anos, famílias de classe média alta conseguiam contratar tutores. Isso criava uma vantagem permanente", explicou Khan. "Hoje, o custo de acesso é uma conexão de internet e um computador básico, provavelmente menos de US$ 50 por ano. Reduzimos dramaticamente essa barreira."
A estratégia encontra respaldo em dados: apenas 10% a 20% dos estudantes demonstram motivação suficiente para aprendizado autodirigido, enquanto os outros 80% dependem de accountability externa, segundo pesquisas citadas pela Khan Academy. É nesse gap que a IA pretende atuar.
Khan anunciou que a organização está desenvolvendo a segunda geração de sua ferramenta de IA, com foco em engajamento proativo. "Um grande tutor não apenas espera por perguntas. Ele é proativo, cobra resultados, liga para os pais, fala com o professor", disse. "Essa será nossa próxima onda de investimento em IA."
A mudança reflete preocupação com um cenário distópico que o próprio Khan reconhece: professores usando IA para criar tarefas, alunos usando IA para resolvê-las e professores usando IA para corrigi-las, um ciclo onde "não está claro o que alguém está fazendo".
Questionado sobre proteção de dados em mercados como Brasil e Índia, onde legislações são consideradas menos rigorosas que na Europa, Khan destacou o modelo sem fins lucrativos como diferencial. "Somos auditados por padrões internacionais. Todos os dados com IA são despersonalizados e nossos contratos proíbem as empresas de IA de usarem informações para treinar modelos futuros", garantiu.
O educador revelou ainda que a organização teve que remover funcionalidades de suporte à saúde mental por questões legais, apesar de considerar o recurso benéfico. "Se um estudante está pensando em se machucar, é melhor ter algo que ofereça um número de apoio do que nada", argumentou.
Sobre o temor de substituição profissional, Khan foi categórico: "Não conheço um único caso globalmente onde IA tenha feito um professor perder o emprego. Zero." Ele classificou o ensino como uma das profissões mais seguras na era da IA, ao lado de ocupações que combinam elemento humano com amplificação tecnológica.
"Os cinco ou seis professores que mudaram minha vida não o fizeram por dar ótimas aulas, mas porque me viram como pessoa", disse Khan, recordando sua própria trajetória de analista financeiro a educador, transição que começou quando passou a dar aulas remotas para primos com dificuldades em matemática.
A visão encontra exemplo prático em sua própria família: sua filha de 14 anos melhorou dramaticamente o relacionamento com o irmão de 11 após sessões de "journaling" com ChatGPT, que a aconselhou sobre a brevidade da convivência familiar antes da faculdade.
Para os próximos dez anos, Khan prevê ferramentas "muito mais imersivas" mas que paradoxalmente aumentarão, e não diminuirão, o valor da conexão humana. "E se minha IA me dissesse: 'Ligue para sua mãe' ou 'Você deveria pedir desculpas'? Isso me tornaria um ser humano melhor."
A organização continua em conversas com outros grandes estados brasileiros para expandir além do Paraná, enquanto desenvolve conteúdo localizado em português brasileiro que vai além de traduções, adaptando-se a currículos e contextos culturais locais através de especialistas regionais.
Sobre a questão do tempo de tela, preocupação crescente entre pais, Khan defende moderação e propósito: "Minha irmã era viciada em livros. Acordava e lia até dormir. No extremo, isso também não é bom. A questão não é eliminar telas, mas garantir equilíbrio com exercícios, amigos e família."
Assista a entrevista completa aqui:
https://youtu.be/NzAwJuXAZpQ?si=SRYKHG180wuWeoA_
Miguel Fernandes é Chief AI Officer e apresentador do podcast "Inventor Miguel"