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'Não se faz inovação sem povo', diz CEO de evento tech para 90 mil no Recife

Pierre Lucena é presidente do Porto Digital e, também, organizador do Rec'n'Play, festival que reuniu executivos de multinacionais e estudantes de escolas públicas na capital pernambucana nesta semana

Pierre Lucena: tecnologia não apenas pelo olhar dos empresários, mas pelos estudantes, professores, cidadãos, todo mundo (Itawan Silva/Porto Digital/Divulgação)

Pierre Lucena: tecnologia não apenas pelo olhar dos empresários, mas pelos estudantes, professores, cidadãos, todo mundo (Itawan Silva/Porto Digital/Divulgação)

Leo Branco
Leo Branco

Editor de Negócios e Carreira

Publicado em 18 de outubro de 2025 às 10h09.

Última atualização em 18 de outubro de 2025 às 14h20.

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Entre workshops de inteligência artificial, oficinas de cibersegurança e atividades de economia criativa, 90.000 pessoas se encontraram nesta semana nas ruas do Recife para o festival de inovação Rec’n’Play, um dos principais do país.

Feito pelo Porto Digital, uma organização social dedicada à atração de investimentos para o Centro Antigo da capital pernambucana, o Rec’n’Play é a expressão de um trabalho feito ao longo do ano, nas palavras de Pierre Lucena, presidente do Porto Digital.

Formado em Administração e dono de uma carreira extensa na gestão de algumas das principais empresas do Nordeste, bem como de professor universitário, Lucena está à frente do Porto Digital desde 2018.

A gestão dele foi a responsável pela criação do festival, que coloca Recife ao lado de capitais com eventos de inovação para chamar de seu, como Rio de Janeiro (Web Summit), Porto Alegre (South Summit) e Florianópolis (Startup Summit).

Em Recife, o festival revela um propósito maior: mobilizar toda a sociedade para a inovação. Empresários, estudantes de escola pública, professores e cidadãos comuns circulam lado a lado. Um estudante que enfrenta vulnerabilidades sociais pode ouvir um executivo de uma grande empresa compartilhando suas experiências.

“Não se faz inovação sem povo. Você pode montar um hub bonito e organizado, mas se não tiver gente, não acontece nada”, afirma Lucena.

O festival quer ir além do falatório. Para 2026, o plano é reduzir o número de palestras e aumentar o de workshops, a chamada “nova educação”. Oficinas práticas ocuparão espaços públicos com atividades que vão de IA e cibersegurança a arquitetura e economia criativa.

O impacto do ecossistema vai muito além do festival. Em seis anos, Recife passou de 9.500 para 21.500 profissionais no Porto Digital. Nos últimos 12 meses, a cidade foi a que mais cresceu em empregos de TI no Brasil – 11,9%. Empresas nacionais e internacionais, como Deloitte, Capgemini, Bradesco e Solar Coca-Cola, chegam atraídas por uma base sólida de profissionais.

Na entrevista a seguir, Lucena comemora as conquistas, mas lembra que os desafios mudaram. Os problemas que deram origem às primeiras startups, como bancos digitais e entregas rápidas, já foram ou estão sendo resolvidos.

O que vem pela frente exige um empreendedorismo mais complexo, com profissionais altamente qualificados e projetos de grande escala. A inteligência artificial (IA) surge como ferramenta estratégica, mas o sucesso depende de políticas públicas duradouras.

Para Lucena, o Brasil precisa escolher suas batalhas na era da IA. “China e Estados Unidos estão na frente, e o resto do mundo acompanha. Mas pelo tamanho, criatividade e resiliência do brasileiro, temos oportunidade de aproveitar nossa posição”, diz.

Qual é o saldo do Rec’n’Play 2025?

Pierre Lucena: Ah, foi muito positivo. Muito mesmo. O Rec’n’Play é a “expressão do ano” do que fazemos no Porto Digital. Ele não é só um festival, é um motor de mobilização. O balanço deste ano foi extremamente positivo, mais gente nas ruas do que no ano passado. Tivemos cerca de 90 mil inscritos — dos quais uns 4 a 5 mil no último dia com atividades infantis.

Isso mostra que conseguimos alcançar uma escala massiva, que é intencional. Tem aquela coisa de energia, sabe? O objetivo da gente sempre foi mostrar o sistema de inovação não apenas pelo olhar dos empresários, mas pelos estudantes, professores, cidadãos, todo mundo. Quando você mobiliza todo mundo, o efeito é transformador.

Qual é o papel da mobilização popular nesse contexto?

Colocar um empresário feito Rodolfo Eschenbach, presidente da Accenture Brasil, ao lado de um estudante de escola pública, alguém que enfrenta vulnerabilidades sociais, mostra que há espaço para todos. Eu sempre digo: não se faz inovação sem povo. Você pode montar um hub bonito, organizado, mas se não tiver gente, não acontece nada.

O Rec’n’Play é a materialização disso. Mobilizamos dezenas de milhares de pessoas — e isso dá alma ao projeto. Todo mundo interage, aprende, conhece conteúdos e sente que pode fazer parte. Para mim, isso é tão importante quanto a criação de empresas ou a tecnologia em si.

Há espaço para mudanças no Rec’n’Play? Quais?

O evento é um laboratório. A arena de negócios vai crescer ainda mais, inclusive teremos um prédio próprio dedicado à área de negócios no próximo ano. Queremos reduzir um pouco as palestras (talks) e aumentar a área de oficinas e workshops, a chamada nova educação.

Mão na massa, prática, rápida. Já planejamos usar uma rua do centro antigo de Recife para montar múltiplas arenas: IA, cibersegurança, economia criativa, arquitetura. Também vamos engajar comunidades estratégicas, como estudantes e professores — na última edição, 5.000 professores estavam inscritos.

E como isso reflete no ecossistema do Porto Digital?

Recife cresceu muito. Em seis anos, passamos de 9.500 para 21.500 pessoas no parque tecnológico. Nos últimos 12 meses, a cidade foi a que mais cresceu em empregos de TI no Brasil, 11,9% — prova de que onde há ambiente de inovação, há crescimento.

Esse sucesso atrai grandes empresas: Deloitte, Capgemini, Bradesco, NTT Data, Solar Coca-Cola. Elas vêm porque sabem que aqui existe uma base de 20.000 pessoas produzindo, desenvolvendo tecnologia, resolvendo problemas reais.

Quais são os maiores desafios do bairro do Porto Digital hoje?

Crescemos rápido: já estamos em 21.500 pessoas no bairro hoje e a expectativa é de chegar a 40 mil em 15 anos. Isso traz desafios urbanos: trânsito, segurança, acessibilidade, calçadas, fiação. Queremos transformar o bairro em uma ilha de experiência bem-sucedida, segura e agradável para trabalhar. Não é só tecnologia, é cidade.

A reforma tributária pode afetar incentivos fiscais que temos. Precisamos escolher onde concentrar esforços, para não dispersar recursos. Por outro lado, temos fortalezas: formação de talentos, universidades, setor privado engajado, políticas públicas estruturadas.

Quais são as oportunidades de trabalho e de empreendedorismo para eles?

Olha, os problemas mais simples que geraram as primeiras startups já foram ou estão sendo resolvidos. Agora é hora do empreendedorismo mais complexo. Exige profissionais mais qualificados, mestrados, doutorados, muito dinheiro e projetos grandes.

A inteligência artificial vai resolver parte dos problemas simples, mas precisamos focar nos latentes: mobilidade urbana, saúde, educação. Por isso o Rec’n’Play está priorizando workshops de IA e cibersegurança — estamos formando gente para aplicações reais de alto impacto e escala, como a academia SAP, com objetivo de formar 2.000 pessoas.

Falando em inovação estratégica, qual o papel do Porto Digital na era da inteligência artificial?

O nosso papel é muito parecido com o do Brasil como um todo: mobilizar e conectar. A gente tem que juntar empresários, universidades e governo em torno de políticas públicas duradouras. Estamos construindo aplicações de IA, softwares de alto impacto, formando talentos, criando projetos que geram emprego.

Por exemplo, temos programas com o governo do Estado para formar 2 mil pessoas em áreas de tecnologia e aplicações práticas. É trabalho de campo, concreto, para que as oportunidades se materializem. Porto Digital é mobilização, é ecossistema, é unir atores para criar escala.

Ainda no tema políticas públicas e formação, qual sua opinião sobre o Plano Brasileiro de IA?

Participo do Conselho de Ações Estratégicas do Governo Federal, e vejo que esse plano é a primeira política pública nas últimas décadas que realmente dá um trilho. Um dos problemas históricos do Brasil sempre foi o fracionamento de recursos.

A gente tem mania de achar que pode ser muito bom em tudo. Olha as universidades, temos dezenas delas, mas precisamos organizar as bases de acordo com vocações e prioridades. Esse plano de IA, incluindo supercomputador e encomendas estratégicas, dá direção clara. A FINEP já fez encomendas para a Embraer, relacionadas à IA. O objetivo é tirar do papel e ter projetos de tamanho e relevância.

E quais oportunidades vê para o Brasil nessa área?

Primeiro, precisamos escolher as batalhas. A China e os Estados Unidos estão na frente, e o resto do mundo está atrás. Mas pelo tamanho, criatividade e resiliência do brasileiro, temos chance de aproveitar oportunidades únicas.

Não é sobre criar um ChatGPT brasileiro necessariamente; 95% dos problemas do país na indústria, educação, saúde e agro podem ser resolvidos com modelos menores e focados. Mas isso exige projetos estratégicos, investimentos, formação de pessoas e políticas públicas duradouras. A IA vai mudar tudo, e o Brasil precisa de planejamento e foco.

E o Nordeste nesse cenário?

O Nordeste tem potencial enorme para crescer na economia do conhecimento, e o Porto Digital trabalha para aproveitar isso. Proporcionalmente, temos mais alunos em universidades federais que em São Paulo.

Com a possível concentração da indústria em São Paulo ou Manaus por causa da reforma tributária, o Nordeste tem papel crucial nos serviços avançados, que geram consumo local. Empresas de tecnologia aqui pagam salários e impostos, o dinheiro circula, e isso multiplica a economia. É um efeito multiplicador real.

Como o modelo do Porto Digital é expandido para outras cidades?

Abrimos espaços em Caruaru e Petrolina, com a ideia de criar âncoras que irradiem inovação. Em Caruaru, montamos um prédio central que serve de referência para toda a cidade. A mesma lógica será aplicada em Petrolina e Goiás, sempre mantendo a mobilização popular, cultura digital e formação de talentos.

É um modelo replicável, mas precisa de adaptação local e engajamento comunitário. Em seis anos, passamos de 9.500 para 21.500 pessoas envolvidas em programas de formação. Mostra que quando mercado, universidade e governo se unem, o impacto é rápido e real.

Agora estamos nos preparando para desafios mais complexos, com foco em IA, tecnologias avançadas e empreendedorismo estratégico. O ecossistema está mais maduro, mas ainda precisa de investimento e políticas duradouras para crescer de forma sustentável.

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