Agência de notícias
Publicado em 24 de novembro de 2024 às 09h41.
Última atualização em 24 de novembro de 2024 às 09h42.
Depois de passar o ano de 2024 à frente do G20, grupo formado pelas 19 maiores economias do mundo, mais União Europeia e União Africana, o Brasil assumirá a presidência do Brics, em janeiro, com a proposta de fortalecimento do Sul Global.
A busca por um equilíbrio de forças entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento, um dos pilares das negociações no âmbito do G20, será marcada por novos desafios e um outro contexto na ordem internacional, com a posse de Donald Trump como presidente dos EUA.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, avaliam integrantes do governo e especialistas, contará com a experiência das negociações que culminaram na cúpula de líderes, no Rio, mas deve encontrar um terreno menos acidentado.
O motivo é que, ao contrário do grupo anterior, o Brics é formado por dez países emergentes, número inferior aos mais de 20 integrantes do G20, o que tornará mais fácil alcançar acordos de interesse do Brasil.
Por último, vale ressaltar que a lógica no Brics é bastante diferente da do G20, pois, além do número menor de membros, há um alinhamento maior entre eles, com foco em comércio e cooperação. Os países do Brics que fazem parte do G20, aliás, costumam atuar em conjunto.
A saída para o Brasil na presidência do bloco econômico, insistem auxiliares de Lula, é novamente “recorrer ao velho e bom pragmatismo”, sem entrar em debates polêmicos, como o fato de parte de seus membros não ter regimes democráticos, por exemplo. Hoje, o grupo é formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Egito.
Para a cientista política Denilde Holzhacker, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), um grande desafio da presidência brasileira será conciliar os seus próprios interesses, em termos de comércio e projeção, com a pressão decorrente da disputa no novo contexto internacional, marcado por uma posição de confrontação ainda maior dos EUA de Trump com a China.
— Um grande desafio é fazer com que a agenda do Brics tenha capacidade de ampliar a posição do Brasil, não só em termos geopolíticos, mas também do ponto de vista econômico, que é o grande interesse do país — afirma.
Outro ponto delicado para Lula, que recebeu o presidente Xi Jinping, na semana passada, em uma visita de Estado, é tentar convencer os chineses a pararem de tentar ampliar o bloco, afirmam integrantes do governo. Roberto Goulart Menezes, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, concorda:
— A principal questão que o Brasil vai enfrentar é a contínua expansão do Brics.
Ainda não há data para a reunião de cúpula de líderes do bloco, mas a expectativa é que aconteça em meados de 2025. O governo Lula já informou aos demais membros que vai concentrar suas atividades na presidência no primeiro semestre. Isto porque, no fim do ano que vem, a prioridade será a conferência mundial sobre o clima, a COP30, em Belém.
Também não foi definido, até o momento, o local onde o encontro acontecerá, mas o Rio de Janeiro — onde ocorreu a cúpula do G20 — é uma possibilidade que está sendo cogitada pelo Palácio do Planalto, diz Menezes.
Lucas Martins, professor de História dos Estados Unidos e Estudos Globais na Temple University, em Filadélfia, avalia que a expertise adquirida no G20 contribuirá para a compreensão de pontos de aproximação e resistência entre distintos atores globais. Ele cita a Argentina, presidida por Javier Milei.
— A resistência da Argentina em temas como a taxação de super-ricos já faz com que Brasília carregue a experiência de navegar em cenários similares. Por mais que certas pautas sejam cruciais para o governo Lula, o país terá que ceder e encontrar consensos com base em temas de ampla aceitação, que é o caso da segurança alimentar — afirma Martins.
O governo brasileiro tem como prioridade a redução da dependência do dólar para pagamentos transfronteiriços. A ideia não agrada a Trump, que durante a campanha chegou a ameaçar países que abandonassem a moeda americana. O Brasil também reafirmará sua proposta, apresentada no G20, de reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas e de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
No caso do comércio em outras moedas entre os integrantes do Brics, alguns deles, como a China, já fazem acordos bilaterais entre seus bancos centrais, para liquidar transações comerciais e financeiras. Para países que estão sob sanções econômicas, como Rússia e Irã, a medida seria uma forma de driblar entraves e fazer negócios. A Venezuela se enquadraria nesse caso, mas foi barrada ao tentar ingressar no bloco na última reunião de cúpula que aconteceu em Kazan, na Rússia.
Na opinião do ex-diretor do FMI Otaviano Canuto, é possível avançar no uso de moedas locais. Mas tudo tem que ser acompanhado de medidas técnicas importantes, como a criação de um novo mecanismo de cooperação interbancária do Brics, e o desenvolvimento de uma estrutura de liquidação e depósito transfronteiriço sem a necessidade de conversões para o dólar — utilizando tecnologia blockchain e tokens digitais lastreados em moedas nacionais.
Um exemplo citado por ele é o Arranjo Contingente de Reservas, criado em 2014 e usado para ajudar países que passam por crises em seus balanços de pagamentos. Agora que o grupo tem um número maior de membros, a questão terá que voltar a ser debatida.
— O objetivo foi incluir moedas alternativas — diz Canuto. — Agora, eles tendem a estender o arranjo para incorporar os novos membros do grupo.