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Se os investimentos já são digitais, porque ainda não tokenizamos tudo?

Por mais que para todos que já ouviram a palavra do blockchain, a tokenização seja o caminho óbvio a ser seguido, enquanto sociedade, ainda existe uma série de preparações para que seja possível chegarmos lá

 (Reprodução/Reprodução)

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Publicado em 29 de junho de 2024 às 11h00.

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Hoje em dia, o acesso ao mercado de capitais já é majoritariamente de forma 100% digital. Contudo, muitas vezes a experiência do usuário não demonstra toda a complexidade que está nos bastidores da realização de um investimento.

Obstáculos regulatórios, sistêmicos, e até mesmo a aceitação dos investidores, impactam na implementação deste tipo de tecnologia. Ainda, a adaptação de estruturas que são resultados de décadas de experiências e aprendizados não é uma tarefa simples.

Ou seja, por mais que para todos que já ouviram a palavra do blockchain, a tokenização seja o caminho óbvio a ser seguido, enquanto sociedade, ainda existe uma série de preparações para que seja possível chegarmos lá.

Um dos possíveis casos de uso de tokenização envolve a conversão de ativos do mercado de capitais tradicionais em tokens digitais baseados em blockchain. No entanto, ainda que essa tecnologia tenha o potencial de revolucionar o mercado, enfrentamos uma série de desafios complexos.

Neste artigo, busco explorar as dificuldades associadas à tokenização e os motivos pelos quais essa transformação não é tão simples quanto pode parecer.

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Regulação e sua evolução no tempo

Primeira na lista sempre que se fala sobre esse tema, a regulação sempre é vista como uma das maiores barreiras para a tokenização. Contudo, é importante destacar que as regras legais são resultado de décadas de experiência, que combinadas formatam o mercado de capitais de modo a lhe dar segurança e previsibilidade.

Ou seja, ainda que seja importante estar em constante evolução, existe um motivo pelo qual cada um dos dispositivos regulatórios e legais foi colocado lá, por vezes, como resultado de diversos aperfeiçoamentos (e problemas) que ocorreram ao longo dos anos.

Desde 1808, onde tivemos a primeira empresa emitindo papéis (literalmente) no mercado de capitais, passando pelas Praças de Comércio onde eram negociados até a formatação atual do mercado brasileiro com a B3, diversos acontecimentos foram sendo incorporados na regulamentação de mercado de capitais.

Alguns não tão positivos, como a bolha de 1971 no mercado brasileiro de ações, causou uma enorme crise financeira e gerou uma relevante perda de confiança dos investidores no mercado.

Procurou-se então reconquistar a confiança dos investidores, a partir da criação de um conjunto de regras mais sofisticado: a lei 6.385 de 7 de dezembro de 1976 (Lei do Mercado de Valores Mobiliários) e a Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976 (Lei das S.A.), ambas estão vigentes até hoje.

Surpreendentemente a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foi criada pela Lei do Mercado de Valores Mobiliários, ou seja, apesar de constantemente mencionada quando fala-se do tema, sua criação é relativamente recente na história do mercado de capitais, com seus quase 50 anos de existência.

Lei e regulação: qual a diferença?

A criação da CVM enquanto autarquia reguladora representou um marco importante para a celeridade de criação de regras a acompanhamento mais próximo ao dia-a-dia daqueles que atuam nesse mercado.

Isso porque para aprovação de uma lei, temos que passar por todo o processo legislativo, entre câmara e senado, o que por vezes pode demorar muito tempo. Já a CVM enquanto regulador, possui como norte a proteção dos investidores e a garantia do mercado justo, com maior rapidez e especificidade. Assim, a regulamentação foi e continua sendo importante para forma de estimular o desenvolvimento do mercado a partir da eficiência e confiança que os investidores.

Assim, vendo sendo estabelecida um dinâmica na qual a lei, que possui um processo de criação e aprovação mais complexo e moroso, estabelece determinados parâmetros mais gerais e a regulamentação feita pela CVM, aspectos mais próximos do funcionamento cotidiano - como foi com a Lei 14.478 que regulamentou diretrizes gerais para os prestadores de serviços de ativos virtuais e agora aguarda os itens mais específicos da regulação.

Evoluções tecnológicas e adaptabilidade

Essa rapidez de resposta também vem acompanhada de cautela sobre o que deve ser incorporado ou não às regras. Nesse sentido, o universo cripto sempre caminha de forma muito dinâmica, e por vezes esquecemos que o Home Broker (sistema de envio de ordens), foi criado apenas em 1999, com o advento da tecnologia da informática, que permitiu aos investidores acessar o mercado a partir de suas casas e não mais através de uma ligação telefônica ou outras formas analógicas.

Isso teve uma série de consequências regulatórias sobre como as corretoras conduzem suas atividades, procedimentos de adequação do perfil do cliente ao risco, etc.

Já em 2002, um importante passo para a desmaterialização foi o início das atividades do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), um sistema eletrônico de liquidação de negócios, responsável por toda a liquidação das obrigações contraídas no mercado financeiro, eliminando em grande parte o pagamento físico que era até então comum para liquidar obrigações.

Há ainda pessoas que atuam no mercado que se lembram de como os carros-fortes trafegavam na Dutra entre Rio de Janeiro e São Paulo para fazer a liquidação física entre as bolsas localizadas nos respectivos estados.

Mas fato é que a digitalização e a centralização das informações sobre transações financeiras através do SPB permitiram uma melhor supervisão e regulamentação por parte das autoridades competentes, não só da CVM, como também do Banco Central, trazendo transparência e facilitando a adoção de medidas regulatórias mais precisas.

Claro que tais funções também possuem um custo atrelado a elas, estima-se que sejam gastos bilhões de dólares anualmente com custos relacionados à reconciliação de registros e operações manuais no mundo todo.

Descentralização já?

De fato, a tecnologia de registros distribuídos (DLT) aplicada ao mercado de capitais apresenta um novo paradigma para o processamento de transações, registro, e liquidação ao resolver o problema de entrega vs. pagamento (delivery versus payment ou nosso famoso, DvP).

Porém, a descentralização traz como outro lado da moeda da eficiência de custo, os riscos particulares inerentes à atividade de blockchain. Um grande desafio também é relacionado à capacidade operacional e escalabilidade. Ainda que hoje tenhamos um montante muito relevante sendo transacionado em redes de blockchain, estes padecem quando comparados aos montantes e volumes transacionais do mercado tradicional.

Dessa forma, a mudança dos paradigmas consolidados do mercado de capitais para uma nova tecnologia traz consigo um movimento muito cauteloso, dado que sempre o regulador tentará pensar em como trazer a segurança que hoje o mercado já possui, ou seja, avançar na agenda de inovação apenas com ganhos de eficiência e sem trazer riscos adicionais ao mercado – uma função nada fácil, senão paradoxal em si mesma.

Aceitação do mercado

Por fim, um ponto que talvez não seja tão destacado é a resistência à adoção da inovação. Em um mantra de “em time que está ganhando não se mexe”, a aceitação do mercado é crucial para a viabilidade da tokenização do mercado de capitais.

Investidores tradicionais e instituições financeiras que representam uma parcela muito relevante do mercado de capitais podem ser relutantes em adotar novas tecnologias devido ao desconhecimento sobre riscos não mapeados.

A falta de casos de uso bem-sucedidos e comprovados também contribui para a hesitação. Assim, a falta de clareza regulatória em muitas jurisdições pode desencorajar investidores a se aventurarem na tokenização.

Concluindo, a tokenização promete transformar o mercado de capitais. No entanto, a realização dessa promessa enfrenta desafios significativos relacionados à regulação, infraestrutura de negociação, aceitação do mercado, entre outros.

Superar esses obstáculos exigirá uma colaboração estreita entre reguladores, especialistas na tecnologia e participantes do mercado. Mas cada passo deve ser pensado com cautela dado que quando um regulador acerta, não costumamos lhes dar os louros, mas sem dúvidas, quaisquer falhas graves repercutirão e assombrarão o mercado por muitas décadas.

Nesse sentido, estamos em uma posição muito privilegiada enquanto nação, por termos reguladores tão competentes e dispostos a dialogar e a caminhar em conjunto com o mercado e a sociedade para uma evolução perene, fazendo com que a busca por soluções para a tokenização do mercado de capitais seja uma jornada que vale a pena seguir.

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