Bitcoin valorizou mais de 150% em 2023 (Namthip Muanthongthae/Getty Images)
Repórter do Future of Money
Publicado em 31 de dezembro de 2023 às 13h00.
No final de 2022, a maioria dos investidores de cripto provavelmente não acreditariam em quem dissesse que o bitcoin terminaria o próximo ano com uma alta de mais de 150%, as criptomoedas como um todo se recuperariam e tanto os ativos quanto a tecnologia blockchain teria uma intensa adoção institucional. Entretanto, foi exatamente isso que aconteceu.
Em um ano marcado por altos, baixos e períodos de grande lateralidade, o mercado de criptoativos teve uma forte recuperação em 2023, encabeçada pelo seu indisputável líder - o bitcoin. Além disso, vários outros projetos, inclusive a Ethereum, tiveram novidades e mostraram uma resiliência considerável.
Com isso, o setor chega ao fim de 2023 em uma situação significativamente melhor e com mais maturidade que ao final de 2022, quando o mercado foi abalado por um forte ciclo de queda, falências de diversas empresas - incluindo a FTX - e uma aparente resistência entre empresas tradicionais e investidores institucionais em relação a um segmento e tecnologia novos. O cenário, agora, é outro.
A principal palavra do mercado cripto em 2023 foi recuperação. E ela começou já no início de janeiro deste ano. À época, a alta do bitcoin e outras criptomoedas começou principalmente pelo alívio nas projeções para o ciclo de alta de juros nos Estados Unidos. Com a visão de que o Federal Reserve adotaria uma postura mais branda e com altas menores, o que se confirmou, havia espaço para um retorno de investimentos em ativos mais arriscados.
Pouco tempo depois, porém, houve uma surpresa: diversos bancos regionais declararam falência nos EUA, prejudicados pelos juros altos. Entre eles, instituições como o Silicon Valley Bank. Entretanto, os criptoativos mostraram resiliência e continuaram subindo, com uma exceção: a stablecoin USDC chegou a perder sua paridade com o dólar depois de ser revelado que uma parte das suas reservas estavam no SVB.
No fim, a situação foi resolvida e a paridade, recuperada. Já a alta do bitcoin dividiu opiniões. Alguns a justificavam pela perspectiva de que as falências levariam o Fed a ser ainda mais branco na alta de juros. Outros apontavam que o caso confirmava o bitcoin como reserva de valor e alternativa no mercado, algo indicado pela alta menor de outras criptomoedas.
Porém, essa alta acabou tendo vida curta. A partir de junho, o mercado passou a enfrentar uma forte estabilidade, associada principalmente a uma postura mais rígida da SEC em relação às empresas de criptomoedas, com diversas processadas. Ao mesmo tempo, o Fed reduziu a intensidade das altas de juros, mas não na suavidade esperada.
Esse quadro de lateralidade que atingiu o bitcoin e outros ativos seria quebrado apenas em outubro. A grande novidade, porém, acabou sendo a mais importante do ano. A BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, revelou que havia entrado com um pedido para lançar um ETF de preço à vista de bitcoin nos Estados Unidos. Em pouco tempo, diversas gestoras entraram com pedidos semelhantes.
A sinalização de adoção e validação por instituições tradicionais do mercado, e a perspectiva de uma forte entrada de capital de investidores institucionais com a aprovação, foi o suficiente para fazer o mercado de criptomoedas disparar. O bitcoin, por exemplo, chegou ao maior patamar de preço registrado em 2023, acima dos US$ 40 mil, onde permanece desde então.
Em pouco tempo, a alta também chegaria a diversos projetos, com a euforia e otimismo voltando ao mercado e sinalizando um 2024 com potencial de ser ainda mais positivo em meio à combinação do fim do ciclo de alta de juros nos EUA, o aguardado lançamento de ETFs e o tão esperado halving do bitcoin.
Se o desempenho dos ativos foi o grande ponto positivo do mercado cripto em 2023, foi na seara da regulação e aplicação de leis que o setor teve mais notícias negativas. Entretanto, nem tudo foi ruim. Os maiores destaques foram o avanço de regulações em jurisdições importantes, em especial no Canadá e na União Europeia, que aprovou o MiCA.
Já no Brasil, o Marco Legal das Criptomoedas entrou em vigor e o Banco Central foi definido como entidade reguladora das empresas, com a CVM ficando responsável por ativos digitais classificados como valores mobiliários. A autarquia encerrou 2023 lançando a primeira consulta pública referente à criação de regras específicas para o setor, enquanto a CVM publicou ofícios em torno dos tokens de renda fixa. Houve ainda, a CPI das Pirâmides Financeiras, que criou recomendações para novas leis para o setor.
No lado negativo, a piora da relação entre a SEC e empresas de cripto foi o grande destaque. O regulador abriu diversos processos em 2023: multou a corretora Kraken e a levou a encerrar seu serviço de staking, fez com que a Paxos deixasse de emitir a stablecoin BUSD para evitar um processo e abriu ações contra a Binance e a Coinbase.
Por outro lado, o regulador também teve derrotas neste ano. Seu argumento de que todas as criptomoedas com exceção do bitcoin e do ether são valores mobiliários perdeu força com a vitória da Ripple em um processo sobre o XRP. Além disso, a SEC perdeu sua maior justificativa para negar pedidos de ETFs de bitcoin após a vitória da Grayscale em outra ação.
E a Binance, maior exchange do mundo, surpreendeu o mercado ao anunciar um acordo com as autoridades dos Estados Unidos em que admitiu ter violado leis de prevenção a lavagem de dinheiro. A corretora adotou medidas para aderir à legislação, mas sofreu uma multa bilionária e perdeu seu CEO, Changpeng Zhao, um dos maiores líderes do mercado cripto.
Zhao não foi o único magnata do segmento que teve um 2023 negativo. Sam Bankman-Fried, ex-CEO da FTX, foi preso e considerando culpado nos Estados Unidos pela sua participação nas atividades ilegais que levaram à quebra da corretora. A empresa, por sua vez, pode retomar suas atividades em breve.
Nicole Dyskant, advogada especialista em criptoativos e conselheira da Fireblocks, avalia que "o ano de 2023 foi de amadurecimento para o mercado cripto no Brasil e no mundo. Tivemos alguns percalços, certamente, mas escândalos foram necessários para trazer luz a onde era necessário, afastar os maus atores, e impulsionar regulações ao redor do mundo. E como avançou. Meu balanço é que o ano de 2023 foi muito positivo para o setor, em especial no Brasil, fechando com chave de ouro".
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Apesar da MicroStrategy ainda ter a fama de ser a maior empresa favorável ao bitcoin no mercado, ela não foi a única que se aproximou do mercado em 2023. Na verdade, a aceitação e adoção por grandes empresas, governos e reguladores foi além, e chegou também à própria tecnologia blockchain.
Em diversos países, grandes bancos obtiveram licenças para negociar e fazer custódia de criptoativos - caso do Deutsche Bank e do Société Générale. Já o JPMorgan avançou em seus projetos envolvendo uma rede blockchain própria e o PayPal anunciou o lançamento da sua própria stablecoin, a PYSD. E a BlackRock, com seus mais de R$ 20 trilhões em ativos, surgiu como uma grande aliada e entusiasta desses ativos.
No Brasil, o Itaú lançou seu serviço próprio de negociação e custódia de criptomoedas, enquanto instituições como o BTG Pactual e o Nubank intensificaram projetos na área. Fora do mundo das finanças, o Magazine Luiza também disponibilizou serviços de cripto para clientes, e os ingressos tokenizados surgiram como tendência. Por outro lado, a XP encerrou sua corretora própria - a Xtage - e a Avenue também encerrou seu serviço de cripto.
Fora do setor privado, o governo federal revelou que está usando a tecnologia blockchain como base do sistema da nova carteira de identidade e estuda outros casos de uso para a tecnologia. E o maior exemplo da aproximação com o mundo cripto foi o avanço do Drex, projeto de criação de uma versão digital do real.
Encabeçada pelo Banco Central, a iniciativa ganhou espaço, recursos e atenção da autarquia e avançou para uma fase de testes com uma versão piloto que reúne as principais empresas do mercado financeiro. Além disso, ganhou um cronograma claro, com o lançamento do Drex sendo projetado para ocorrer até janeiro de 2025.
Apesar do bitcoin ter dominado a atenção dos investidores em 2023, diversos projetos também foram bem-sucedidos no ano. A Solana, por exemplo, surpreendeu e disparou após sobreviver à quebra da FTX. E a XRP também atraiu investidores após a derrota da SEC. Além disso, a Ethereum passou por mais uma atualização bem-sucedida, a Shanghai, incrementando seu sistema de staking.
O ecossistema cripto também ganhou iniciativas novas. Sam Altman - CEO da empresa dona do ChatGPT - lançou a Worldcoin, criptomoeda associada a um projeto de identidiade digital global com um polêmico escaneamento de íris. Já o blockchain do bitcoin foi estremecido pelo Ordinals, que agora permite criar NFTs diretamente na rede.
A Arbitrum lançou uma criptomoeda própria em 2023, e o mercado ganhou redes novas, como a Sei e a Sui. Ao mesmo tempo, as cripto memes voltaram com força: o Pepe dominou o primeiro semestre e o Bonk, o segundo, mas a queridinha dos investidores segue sendo a Dogecoin, que manteve sua polêmica relação com o bilionário Elon Musk e inclusive chegou a ser o símbolo do Twitter por alguns dias, antes da mudança de nome para X.
Se o ano foi positivo para as criptomoedas, não é possível dizer o mesmo para os NFTs. Responsáveis por um dos maiores frenesis do mercado em 2021, os tokens não-fungíveis não seguiram a onda do resto do mercado e tiveram um 2023 negativo, de pouco avanço e recuperação, mostrando que o segmento pode precisar se reinventar para voltar a atrair capital. Já o metaverso também perdeu espaço e atenção para a inteligência artificial, que se mostrou mais desenvolvida, concreta e avançada que a outra tecnologia neste ano.
Para Marcelo Sampaio, CEO da Hashdex, o bitcoin e o ether "brilharam" em 2023 e mostraram "como apenas um ano pode fazer toda a diferença". Se o ano começou com a indústria de criptoativos enfrentando a desconfiança do mercado, ele avalia que o setor chega ao fim mostrando sua resiliência, força e um "retorno à audácia".