Repórter do Future of Money
Publicado em 27 de janeiro de 2025 às 09h30.
Última atualização em 27 de janeiro de 2025 às 13h08.
O Banco Central lançou em outubro de 2024 uma consulta pública com propostas de novas regras para um segmento que cresce em ritmo acelerado no Brasil: o banking as a service. O movimento foi visto com bons olhos pelas startups que atuam na área, mas também levantou preocupações com algumas regras específicas presentes na consulta.
Em entrevista exclusiva à EXAME, Marcelo Schucman, diretor-executivo da ABBaaS (Associação Brasileira de Banking as a Serice) e cofundador da Swap, destacou que, do jeito como está, o conjunto de regras pode acabar "asfixiando" o segmento, reduzindo o poder de escolha dos clientes e encarecendo os serviços.
Ao justificar a proposta, o Banco Central explicou que busca "mitigar os riscos dos clientes dos serviços financeiros contratados, dado que será conferida adequada transparência na prestação de tais serviços, assim como a segurança de que estes ocorrerão em ambiente regulado" e "contribuir para a estabilidade e eficiência do sistema financeiro, ao definir claramente as responsabilidades das empresas envolvidas e a compatibilidade dos modelos de negócio ao arcabouço normativo aplicável".
Mas, na visão de Schucman e das empresas que formam a associação, é possível atingir esses objetivos sem algumas das regras propostas.
O diretor-executivo da ABBaaS pontua que um primeiro desafio do segmento é entender exatamente o que é o banking as a service, já que não há uma definição consensual. A própria consulta do BC apresenta uma proposta de definição, bem-vista pelo segmento.
Segundo Schucman, definir o banking as a service exige "entender o contexto do mercado". Mas, para ele, o segmento "nada mais é que ter uma plataforma bancária como serviço, em que qualquer função que um banco pode fazer, custódia, dinheiro, crédito, pagamento, investimento, pode ser disponibilizado para empresas, incluindo financeiras, como plataforma para ser distribuída ao mercado".
Ele ressalta que a história dessa atividade no Brasil antiga: "O Brasil é um país de economia historicamente criativa, e o BaaS é feito desde os anos 1960 pelo menos. O crediário da Casas Bahia é primeiro case, e tem nos anos 1980 e 1990 os cartões cobranded, cartões de varejistas, em conjunto com bancos".
"Nos últimos anos, empresas entraram nesse universo e, graças à tecnologia, tem mais acesso. Você não precisa mais ter a marca de uma empresa de serviços financeiros, agora tem players de tecnologia que entram como plataformas de acesso, com APIs,app ou portal white label para distribuir o serviço financeiro sem lidar com a complexidade disso", explica.
E o resultado tem sido positivo. Na verdade, tão positivo que Schucman afirma que "o mercado está crescendo tanto e atende tantos segmentos diferentes que precisamos de estudos para chegar em um consenso de qual seu o efetivo tamanho. Hoje temos opiniões em cada empresa, mas sem consenso".
Há empresas que atendem nichos específicos, como serviços de cartão, benefícios e despesas corporativas e créditos. Nesse sentido, ele comenta que "todo o mercado financeiro é endereçável para o setor. O volume dos players hoje já está na casa dos trilhões de reais. Isso já é transacionado anualmente, não necessariamente custodiado. Então está análogo aos maiores mercados".
Exatamente por esse crescimento, o segmento concorda que a regulação veio em boa hora. "A proposta da regulação foi super bem-vista pelo mercado, porque acaba transformando o mercado em um ativo de fato, não deixa mais dúvidas sobre ele".
"O BC está seguindo uma toada que seguiu nos últimos anos, de desconcentrar a grande concentração bancária que a gente tem historicamente e atuando em prol da atuação e da inovação. Ele primeiro permite que o segmento surja e aí então regula, e o momento de regular chegou", diz.
Por outro lado, Schucman acredita que a proposta precisa de mudanças. A visão, na verdade, é compartilhada pelo segmento, resultando na criação da ABBaaS após o lançamento da consulta pública.
Segundo o executivo, "a preocupação é com a operacionalização da regulação, porque pode caminhar para um lado em que não constrói as estruturas para o mercado continuar crescendo ou se manter com esse tamanho". Ao mesmo tempo, o segmento "concorda com as preocupações de risco sistêmico, compliance, competição e inovação" que o BC busca endereçar com a proposta.
O primeiro "grande problema", diz Schucman, é a visão do BC de que as empresas poderão ter apenas 1 prestador de serviço de banking as a service, independente do número de serviços bancários que implementar. Hoje, o mais comum é que as empresas tenham prestadores específicos para cada serviço.
O resultado, avalia o executivo, é uma potencial "concentração de mercado, já que deixa a empresa na mão de um único prestador, e isso pode prejudicar a competição e qualidade do segmento. Todos os prestadores vão precisar ter todos os serviços para atender o mercado. E normalmente quem faz tudo não faz bem, e é mais custoso".
Já o segundo "grande problema" é um esforço da consulta pública para incluir no guarda-chuva do banking as a service regras para um conjunto amplo de serviços, como contas, crédito, subadquirente, Open Finance e transações internacionais. "Já existem diversas regulações falando desses temas no mercado", pontua o diretor da associação.
"Se você traz todos esses temas para banking as a service, o risco é que a nova regulação seja ou muito complexa e se confunda com a antiga ou muito rasa e não ajude, só trazendo confusão", diz. A visão é que a adequação a todas as regras propostas na prática aumentaria os custos das operações e retiraria os incentivos para as empresas que atuam no segmento.
Nesses casos, a tendência é de "concentração", com aumento das taxas de serviço cobradas para as empresas. "A regulação traz uma série de custos e escrutínios que estão corretos, mas já tem mutia regulação sobre. Por isso, pode asfixiar o mercado por ter muito custo regulatório e pouco incentivo. E aí o mercado perde a capacidade de investimento".
Apesar das preocupações, o segmento está otimista sobre possíveis mudanças. Schucman acredita que a primeira questão tende a ser acolhida sem muitas dificuldades pelo Banco Central. Já a segunda pode exigir mais conversas com o regulador.
"A gente vê o Banco Central como parceiro. Ele quer abstrair a complexidade e tornar a entrada no mercado financeiro mais fácil. E isso é bom porque o BC tem uma capacidade de recursos limitada. Se a gente é um filtro, porta de entrada, ajuda nisso, mas sem capacidade de investimento não conseguimos manter essa porta aberta".
"A razão de ser da regulação é perfeita, todo muito se preocupa", pondera. Segundo Schucman, a ABBaaS deve entrar com um pedido de extensão do prazo da consulta, que termina em fevereiro, para ter mais tempo para estudar o impacto das propostas para o setor e embasar discussões.
Ele afirma que o segmento "está otimista. O BC nunca é autoritário, sempre está disposto a conversar e entender as práticas. Ele está 100% aberto a discutir, e ao criar a associação ganhamos mais força também. Existem várias formas de mudar isso, e pode só tirar esses pontos, e esse é o nosso posicionamento".