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(alengo/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 20 de julho de 2025 às 10h06.
O dinheiro está deixando de ser uma ferramenta para se tornar um sistema. Durante séculos, tratamos o dinheiro como um meio de troca, um indicador de valor ou, mais recentemente, como uma interface digital para transações. Estamos migrando para um cenário onde o dinheiro não apenas circula: ele decide, antecipa, aloca, ajusta e até evita.
A era da economia algorítmica não é uma hipótese futurista. É o que está se consolidando nos bastidores das APIs, blockchains e inteligências artificiais que hoje fazem a intermediação de grande parte das nossas interações econômicas.
Essa transição não é trivial. Ela representa o fim da centralidade humana nas decisões financeiras. Por mais que ainda exista a ilusão da escolha, já há uma delegação massiva da tomada de decisão: de investimentos a crédito, de consumo a precificação, para sistemas que operam com uma lógica diferente da nossa: estatística, probabilística, iterativa e fria.
A afirmação de que "com a IA generativa e os modelos fundacionais, essa realidade será exponencial" já deixou o campo da teoria e se tornou o centro da estratégia dos maiores conglomerados financeiros do Brasil. O que antes era ficção, hoje é "arquitetura em beta", disputada em uma verdadeira guerra fria tecnológica entre os líderes de mercado.
A ofensiva é liderada por duas filosofias distintas. De um lado, alguns bancos apostam em uma estratégia "liderada por produto", com foco direto no cliente final. A principal iniciativa é a "Inteligência de Investimentos", um agente de investimentos baseado em IA Generativa projetado para "democratizar" o acesso a uma assessoria financeira historicamente restrita à alta renda.
Esses bancos também já implementam a IA em canais como o WhatsApp para simplificar transferências via Pix e a gestão de benefícios, reforçando a busca por uma experiência hiperpersonalizada.
Do outro lado, outros bancos adotam uma abordagem "liderada por plataforma". Constroem um hub de IA proprietário que funciona como uma camada de inteligência centralizada para capacitar toda a organização.
Essas duas estratégias, embora diferentes, convergem para o mesmo ponto: a construção de infraestruturas cognitivas onde o valor já nasce parametrizado por regras matemáticas, exatamente como previsto.
A "delegação massiva da tomada de decisão" de investimentos para algoritmos já tem nome, mercado e uma taxa de crescimento impressionante. O setor de robôs-assessores, plataformas de gestão de investimentos automatizada, está em uma trajetória de expansão exponencial no Brasil.
Partindo de uma base de US$ 158,4 milhões em 2022, as projeções indicam que o setor atingirá uma receita de US$ 1,4 bilhão até 2030, crescendo a uma taxa anual composta de 32,1%. Essa velocidade não apenas posiciona o Brasil como um dos mercados de mais rápido crescimento no mundo, mas também como o futuro líder em receita na América Latina.
Essas plataformas são a personificação do "agente assistido" ou "substituído". Utilizando algoritmos, IA e machine learning, elas oferecem recomendações de investimento personalizadas com base no perfil de risco e nos objetivos do indivíduo, a uma fração do custo de um assessor tradicional.
O modelo de robôs-assessores puros, totalmente automatizado, é o que cresce mais rápido, quebrando as barreiras de custo e complexidade que historicamente afastaram o pequeno investidor do mercado de capitais. A competição neste campo não é apenas pela gestão de ativos, mas pela aquisição e fidelização da próxima geração de clientes, delegando desde cedo suas decisões financeiras a um sistema otimizado.
A previsão de que "o verdadeiro salto é a moeda como API, em que o dinheiro não é mais apenas transferido, ele é programado" está sendo construída ativamente pelo Banco Central do Brasil. Essa é a promessa do Drex, a Moeda Digital de Banco Central (CBDC) brasileira.
É crucial entender que o Drex não é um "novo Pix". Enquanto o Pix é um sistema que movimenta o dinheiro existente de forma instantânea, o Drex é uma nova forma de dinheiro, um ativo digital nativo. Sua grande revolução está na tecnologia subjacente, que permite embutir regras e lógica no próprio dinheiro através de smart contracts (contratos inteligentes).
Com o Drex, o dinheiro deixará de ser neutro e passará a atuar com "intenção programada". Será possível, por exemplo, criar um crédito que se autoliquida conforme metas são cumpridas, um voucher que só pode ser gasto em categorias pré-definidas ou um investimento que ajusta sua exposição com base em indicadores em tempo real.
A plataforma, que tem lançamento previsto para o público a partir de 2025, funcionará como um novo sistema operacional para a economia, permitindo que o dinheiro "se comporte, responda e execute".
Diante desse novo campo de forças, o papel da estratégia empresarial não pode ser apenas o de adoção de tecnologias. É preciso reposicionar a inteligência das decisões. Empresas que operam no setor financeiro ou que possuem ativos digitais precisam pensar além da eficiência transacional.
O desafio agora é arquitetar sistemas de decisão financeira com transparência, rastreabilidade e ética embutida. É entender que os algoritmos são, também, formas de poder. E que a delegação de decisões a eles precisa ser acompanhada por novos pactos de responsabilidade: regulatória, tecnológica e social.
O futuro do dinheiro é menos sobre a moeda em si, e mais sobre quem (ou o quê) decide sobre ela. Em um contexto onde dados, previsibilidade e automação se tornam a base das relações econômicas, a pergunta essencial não será mais “quanto custa?” ou “quanto vale?”, mas sim: “quem decidiu por mim? Com base em quais critérios invisíveis?”
*Marcelo Oliveira é Diretor de Estratégia da Verity.
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