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Preços malucos dos NFTs os tornam arte? Colecionador famoso diz que não

O "carimbo" cultural que torna obras de arte um bom investimento vai demorar anos para chegar ao mundo dos NFTs, diz especialista

Os tokens não-fungíveis ainda precisam provar a que vieram para poder competir com obras de arte tradicionais, diz colecionador (Henry Nicholls/Reuters)

Os tokens não-fungíveis ainda precisam provar a que vieram para poder competir com obras de arte tradicionais, diz colecionador (Henry Nicholls/Reuters)

Coindesk

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Publicado em 14 de setembro de 2021 às 11h23.

As últimas grandes vendas de tokens não-fungíveis - os chamados NFTs - em casas de leilões famosas como Christie’s e Sotheby’s podem dar a impressão de que o mundo das obras de arte acolheu a nova tendência de “criptoarte” de braços abertos, mas a realidade não é exatamente essa. De acordo com um dos maiores players do mercado de arte, as casas de leilão não são grandes formadores de opinião e os NFTs ainda não se consolidaram o suficiente na mais ampla indústria de arte.

“Os primeiros sinais que vemos no mundo das obras de arte giram em torno do que as galerias, colecionadores e curadores fazem”, disse Scott Lynn, CEO da Masterworks, que atua com serviços de investimentos em arte e fraciona trabalhos artísticos “blue chips” - termo usado na bolsa de valores para determinar as ações mais valiosas - para tornar o investimento mais acessível. “Até o momento, tudo foi muito limitado [em relação aos NFTs]. Na venda do Beeple [por 69,3 milhões de dólares], as pessoas que se registraram para o leilão foram pessoas do mundo das criptomoedas, e não da arte. O diagrama de Venn para ambos ainda está muito separado”.

Mesmo com o frenesi por NFTs que ocorreu nos últimos meses, a distância entre os tokens não-fungíveis e as obras de arte tradicionais pode ser preocupante para os investidores, criadores e plataformas em blockchain. A arte blue chip foi uma das categorias de investimento mais fortes nas últimas décadas, provendo retorno médio de 14% ao ano desde 1995. Até agora, entretanto, não há razão sólida para acreditar que os NFTs se beneficiarão das mesmas forças sociais e de mercado que mantém os preços de obras de arte sempre subindo.

Os tokens não-fungíveis estão em seu auge de popularidade, mas o mercado de NFTs de luxo em particular está apenas começando a ir além dos simpatizantes de criptoativos. O número de pessoas que pode ou quer pagar milhões de dólares por itens colecionáveis digitais é finito, e no momento as obras de arte físicas são seus maiores rivais. Em 2018, arte era o melhor investimento não-convencional para indivíduos de alta renda, superando o vinho, diamantes e selos. Caso consiga se ancorar na indústria de obras de arte, então os NFTs podem tornar seu movimento de alta no mercado mais sustentável.

“Nós vemos os NFTs mais como uma extensão do mundo cripto do que um entusiasmo do público pela arte”, disse Lynn. Scott Lynn é colecionador de arte desde os anos 90 e sua coleção é atualmente uma das maiores do mundo. A própria Masterworks, atuando em nome de clientes, é a maior compradora do mercado de obras de arte, de acordo com a empresa.

As obras de arte constituem de fato uma indústria – e uma das grandes. As vendas geram aproximadamente 60 bilhões de dólares em volume de transações por ano. De acordo com a Deloitte, o valor total de obras de arte blue chip – seu valor de mercado como ativo – é de 1,7 trilhão de dólares. Em escala, não é muito menor que os 2,3 trilhões de dólares do valor de mercado de todas as criptomoedas juntas.

Os retornos de investimentos em obras de arte também foram enormes. A arte blue chip – pinturas de grandes nomes, geralmente mortos, como Van Gogh – superou o S&P 500 em 180% de 2000 a 2018, de acordo com a Artprice. São retornos anuais modestos para o padrão NFT, mas assim como qualquer investidor minimamente decente irá te avisar, é o longo prazo que geralmente conta. Sem esse tipo de histórico, os NFTs ainda são muito especulativos do ponto de vista econômico e de investimentos.

A valorização dos NFTs seria reforçada por uma integração melhor com o aparato complexo que modela as preferências do mundo das obras de arte. Os grandes números da indústria de arte são apoiados por uma teia composta de muitas camadas de galerias comerciais, museus sem fins lucrativos, curadores, críticos, revendedores, manipuladores de arte e estagiários esperançosos. E assim como a adoção e a popularidade no mundo do blockchain dependem muito do que as pessoas estão falando no Twitter e no Telegram, o valor de trabalhos artísticos é determinado também em partes por conta do burburinho e debate dentro desse ambiente.

O burburinho é especialmente importante porque a arte e a sua qualidade são muito subjetivas, de acordo com um estudo estatístico de 2018 sobre a valorização da arte.

“A arte atrai sensações individuais, prazeres, sentimentos e emoções”, escreveu o time de pesquisa liderado por Samuel Frailberger, ex-pesquisador de Harvard que agora trabalha no Banco Mundial. “O reconhecimento depende de variáveis externas ao trabalho artístico em si, como seus atributos, o conjunto da obra do artista, a galeria onde está e a relação do trabalho com a história da arte como um todo. Reconhecimento e valor são modelados por uma rede de experts, curadores, colecionadores e historiadores da arte cujas avaliações agem como garantias para museus, galerias e casas de leilão”.

O estudo reuniu uma série de dados de obras de arte e acompanhou seus preços ao longo de grandes intervalos de tempo. A conclusão foi que a associação de um artista a instituições renomadas, em particular, galerias, teve um grande impacto no valor de um trabalho artístico no longo prazo.

“O sucesso duradouro de um artista depende de onde ele consegue que suas obras sejam exibidas”, afirma Marcus Resch, um dos coautores do estudo. “Traduzindo para o mundo dos NFTs, isso significa que apenas as artes em NFT que consigam ser exibidas em galerias ou museus altamente selecionados irão conseguir se aproveitar de um valor duradouro”.

Claro, isso não significa que as mesmas galerias de Paris e Nova York que dominam o mundo das obras de arte teriam o mesmo papel para os NFTs – na verdade, até o momento elas demonstraram pouco interesse. Algumas poucas galerias em Nova Iorque realizaram mostras de NFTs, mas foram arrivistas como a Superchief, galeria que agrada aos jovens mas que ainda está muito longe de tornar artistas famosos como a Gagosian, David Zwirner, Anton Kern ou a White Cube.

Com o envolvimento das galerias de arte, físicas ou não, a natureza subjetiva da arte e da cultura sugere que ecossistemas similares da indústria cultural inevitavelmente irão influenciar quais NFTs valerão mais do que outros. Tal influência irá crescer desaceleradamente, assim como ocorreu na indústria da arte física. Mas com o tempo, isso faria com que os tokens não fungíveis consolidassem seu crescimento no longo prazo.

“De que forma o que definimos como relevância cultural impacta o perfil de investimento de um objeto?, pergunta Lynn. “O que verificamos é que a relevância cultural é importante para a que o valor de um objeto suba ou caia”.

Lynn pensa que esse é um futuro possível para os NFTs, mesmo que não tenha acontecido ainda. Ele tem algumas preocupações sobre a propriedade intelectual e as dimensões jurídicas dos NFTs como um investimento, mas admite que eles têm potencial como obras de arte e cita NFTs que potencializam as tintas dos quadros com funcionalidades tecnológicas exclusivas, como a interatividade e automação.

Outros nomes da indústria de arte estão defitivamente curiosos. Damien Hirst é provavelmente o artista mais famoso a embarcar no mundo dos NFTs, com a sua coleção “The Currency” ou “A Moeda” em português. É notável, no entanto, que Hirst passou sua carreira flertando com escárnio quanto à comercialização da arte, então a coleção não necessariamente significa um apoio à tecnologia. Jerry Saltz, crítico de arte para a New York Magazine também aparenta ser pró-NFTs, escrevendo recentemente que “algum dia, pode haver um Francis Bacon dos NFTs”, se referindo a um dos maiores (e mais valiosos) pintores contemporâneos. Saltz é um dos principais críticos do mundo, e até mesmo vendeu seu próprio NFT para reverter o valor em filantropia.

Saltz também se referiu ao Beeple, um dos artistas mais proeminentes no ramo dos NFTs, como “apenas muito derivativo de todo o lixo da ficção científica como Conan O Bárbaro, Star Wars e até onde a imaginação vai. Independente do material utilizado, são apenas bregas”.

A maior parte dos artistas de NFTs trabalham no mesmo estilo popular, e tem muito pouco para contribuir com a discussão artística que acontece em espaços críticos e instituições influentes (as quais todas são importantes para retornos de investimentos). Se um artista focado em NFTs começar a tentar adentrar o mundo das obras de arte atualmente, provavelmente demoraria anos, senão décadas, para construir uma carreira. A arte fina oferece grandes recompensas, mas apenas ao final de um implacável e nebuloso alvoroço. Não é uma indústria que obteve muito progresso ao se digitalizar, e uma carreira artística séria ainda requer viver em uma porção de capitais artísticos.

Mesmo se artistas consolidados os adotem, e os NFTs se tornem viáveis para artistas mais jovens, Lynn pensa que os tokens não fungíveis ainda precisam provar ao que vieram como investimento antes de poder competir pelos mesmos compradores que as obras de arte blue-chip. “Uma classe de ativos estratégica vence a inflação e não se correlaciona com outros ativos”, afirma Lynn. “Eu simplesmente não vejo nenhuma forma em que os NFTs, com sua volatilidade e pouco histórico, entrem nisso. Não se parece com um investimento pra mim”.

Texto traduzido e republicado com autorização da Coindesk

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