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Opinião: rebranding do Facebook é mais uma cópia do mundo cripto

A visão de Mark Zuckerberg para o metaverso tem pouco a ver com a visão aberta e interoperável articulada pela indústria blockchain

Para David Z. Morris, o metaverso do Facebook é um desvirtuamento do conceito original e descentralizado (Facebook/Reprodução)

Para David Z. Morris, o metaverso do Facebook é um desvirtuamento do conceito original e descentralizado (Facebook/Reprodução)

Coindesk

Coindesk

Publicado em 5 de novembro de 2021 às 19h08.

por David Z. Morris*

Existe muita coisa a ser dita sobre o anúncio do Facebook na última semana, que posicionou sua mudança de nome para “Meta” como uma parte de seu novo enfoque no que seria, essencialmente, realidade virtual online. A maior parte do que tenho para dizer não é bom para o Facebook.

Esse é um movimento de desespero frente à um pesadelo das relações públicas que tem pouca chance de se tornar uma proposta válida para o mercado, e basicamente nenhuma chance de mudar os prospectos desfavoráveis da companhia para o mercado e a política europeia e norte-americana.

Então, dado a infinidade de pontos fracos para atacar, vamos começar perto de casa: “Metaverso” é o segundo conceito popular que o Facebook copiou da indústria blockchain. E provavelmente será tão mal executado quanto a primeira vez, a tentativa de stablecoin chamada Libra, agora renomeada para Diem (o Facebook estragou tanto aquele lançamento que precisou renomear o produto: isso te lembra alguma coisa?).

Libra, Diem, Novi, Calibra ou o que quer que seja, foi uma tentativa de roubar um pouco do holofote do mundo cripto enquanto criavam uma fonte poderosa de novos dados para o Facebook, indo na contramão de todos os princípios por trás do modelo de que se apropriavam.

De forma similar, o verdadeiro “metaverso” é um conceito da tecnologia blockchain, mas você já pode imaginar que o metaverso do Facebook será um desvirtuamento disso, assim como a Libra foi para o bitcoin. A ideia principal do metaverso do blockchain é uma ampla interoperabilidade dos ativos digitais armazenados em um livro-razão neutro e verificável.

A mesma tecnologia blockchain que torna os tokens não-fungíveis usáveis em, digamos, galerias virtuais e em breve no Twitter seria utilizada para criar tokens que representam ativos da realidade virtual que seriam utilizados em uma grande diversidade de experiências imersivas, desde o Decentraland até (em teoria) SecondLife, até Minecraft.

Embora a realidade virtual do Facebook tenha alguma forma de integração aos NFTs, a visão mais ampla não é o que Zuck está lançando. Grande parte da apresentação de semana passada foi focada em sua frustração com a App Store da Apple e o plano do Facebook de construir um jardim paralelo fechado e focado em experiências de realidade virtual (não vou chamá-lo de "metaverso").

Eles vão cobrar taxas dos criadores que, digamos, projetem um suéter virtual. Zuck no próprio evento mesmo avisou que as taxas na plataforma seriam altas por um tempo (o que, vamos lá equipe de comunicação do Facebook, sabemos que vocês estão passando por um estado de paralisia moral, mas pelo menos finja um pouco mais).

"Então basicamente é o Facebook vs Ethereum na corrida para criar o metaverso.

Aberto versus fechado

Transparente vs. opaco

Sem necessidade de permissões vs. com necessidade de permissões

Pertence à comunidade vs. pertence à Zuck

Minhas apostas estão feitas. Vamos construir o futuro juntos", disse "Brendan_Dharma", no Twitter

Zuck justificou essas altas taxas explicando que o Facebook (não, também não vou chamá-lo de "Meta”) vai construir seu negócio de realidade virtual no prejuízo por um tempo, inclusive subsidiando dispositivos. Isso conversa com um dos outros grandes sinais de alerta para o pivô do Facebook. Já está bastante claro que poucas pessoas realmente querem usar a realidade virtual, especialmente do tipo de maneira persistente que faria dela um bom negócio de armazenamento de conteúdo.

Os dispositivos Oculus VR estão no centro dos planos do Facebook e têm sido uma tecnologia muito boa por pelo menos três ou quatro anos, mas as vendas têm sido inexpressivas. Outras empresas de VR e AR, como a Magic Leap, gastaram dinheiro sem encontrar o ajuste do produto ao mercado. Gastar rios de dinheiro para impulsionar a adoção é a única esperança que o Facebook parece ter de fazer a VR funcionar para o mercado de massas.

Esses gastos também mostram como esse movimento é desesperado. Não é que este não fosse claramente um plano de longo prazo – isso pode até ter estado nos planos com a compra da Oculus em 2014. Isso absolutamente não deu certo em seus próprios termos, como Zuck está admitindo quando diz “Esperamos investir muitos bilhões de dólares nos próximos anos, antes que o metaverso alcance escala.” Compare essa linha do tempo com a recompensa muito mais rápida para o Instagram depois que o Facebook o comprou em 2012.

(Também podemos ver mais uma vez o quão pouco o Facebook realmente se importa com qualquer coisa que fala sobre a privacidade do usuário. O Oculus foi desenvolvido e fundado por Palmer Luckey, um autoritário ideológico que fundou a Anduril, que vende hardware de espionagem, como drones de câmera e reconhecimento torres, sem dúvida influenciadas por seu trabalho de engenharia de software no Oculus. Entenda isso como quiser.)

Uma empresa normal, que não enfrenta fortes medidas repressivas pelo abuso de seus próprios usuários e da lei, provavelmente não mudaria seu nome por conta de um negócio que já havia falido. E gastar dinheiro para adquirir clientes é o comportamento de uma startup que assume riscos usando dinheiro de capital de risco privado para aumentar sua chance de capturar uma nova oportunidade de negócios, como o Uber usando subsídios para ganhar caronas. Não é óbvio que a tática faça algum sentido para uma grande empresa de capital aberto tentando dar vida a um negócio que parece ter pouco impulso próprio.

Também não faz sentido porque o preço do hardware como um headset de realidade virtual não é realmente o fator limitante na adoção que Zuck gostaria que você pensasse que é. Em tecnologia, existe uma coisa chamada "curva de adoção", em que os primeiros entusiastas da tecnologia gastam muito dinheiro em coisas estranhas e, em seguida, mais pessoas as compram à medida que ficam mais baratas.

A primeira parte dessa curva de adoção ainda não aconteceu de verdade para a VR, mesmo durante uma pandemia quando todos estavam presos em casa. Tornar os headsets mais baratos não pode resolver essa clara falta de interesse entre o público hiper-engajado que não deveria se importar com o preço.

Mas a abordagem com viés de monopólio, buscando ultrapassar a concorrência vem do manual de outra das pessoas favoritas de Zuck, o autoritário neo-reacionário Peter Thiel (sente um padrão aqui?). Provavelmente dá a Zuck algum conforto voltar a um manual familiar.

E provavelmente ainda há investidores crédulos e traficantes da Web 2.0 o suficiente para que Zuck seja capaz de evitar o colapso total apenas dizendo algo como "você tem que gastar dinheiro para ganhar dinheiro, pessoal" nas ligações com investidores pelos próximos 10 anos, como a nova área voltada para realidade virtual do Facebook, e depois todo o balanço da empresa sangra até a morte.

Porque existe um cenário ainda maior aqui. Deixando de lado as preocupações regulatórias e legais, o Facebook como empresa provavelmente já viveu dias melhores. O número de usuários nos Estados Unidos está diminuindo, principalmente para os jovens, tanto no próprio Facebook quanto, principalmente, no Instagram, que estendeu a relevância da empresa alguns anos a mais. O futuro do Facebook, infelizmente, provavelmente reside nas economias de segundo e terceiro níveis, com governos ainda mais fracos e cidadãos mais pobres.

Isso deixará o Facebook mais livre para seguir seus piores impulsos. No que diz respeito ao  metaverso, ironicamente, pode significar que termina com algo mais próximo das origens mais profundas do termo em "Snow Crash" de Neal Stephenson, uma obra-prima da ficção científica cyberpunk distópica da década de 1980. O metaverso de Stephenson é uma periferia corporativa onde os pobres globais fingem uma versão digital de vidas que eles não podem pagar, enquanto na realidade seus corpos magros e doentes murcham em apartamentos apertados.

O metaverso que o Facebook está construindo, em suma, é uma versão digital do inferno. É difícil pensar em um Caronte mais apropriado para nos levar lá do que Mark Zuckerberg, que já libertou tantos demônios no mundo em que vivemos.

* David Z. Morris escreve para a CoinDesk.

Este é um conteúdo da CoinDesk. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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