Repórter do Future of Money
Publicado em 1 de novembro de 2024 às 09h30.
Uma migração total do sistema financeiro para o blockchain. Essa é a visão de Hong Fang, atual presidente da OKX, para o futuro tanto do mundo cripto quanto das finanças. Em uma entrevista exclusiva à EXAME durante sua passagem pelo Brasil, a executiva deu mais detalhes sobre o futuro do setor, os planos da OKX e o lugar do Brasil nessa estratégia.
Fang, que começou a carreira no mundo das finanças tradicionais, explica que, para ela, "a verdadeira atratividade do bitcoin e de cripto é realmente a capacidade de colocar o poder em xeque através da matemática, através da tecnologia. Vemos hoje muitas coisas que não gostamos em nosso sistema, seja financeiro ou social".
"Vemos por exemplo com a internet, em que com o tempo você começa a ver um acúmulo de poder em uma ou duas plataformas principais. A mesma coisa acontece para as instituições financeiras. Mas muitas dessas centralizações trazem um risco enorme", destaca.
Para a executivo, "o que o bitcoin realmente oferece, o que a Web3 e as criptomoedas realmente oferecem, é a capacidade de usar tecnologia, matemática, criptografia, para oferecer uma forma de colocar esse poder em xeque, de ter um sistema mais descentralizado e mais transparente, uma governança melhor".
Fang avalia que a indústria de criptomoedas tem passado por várias mudanças. Ou melhor, evoluções. "Evoluímos de uma indústria de tecnologia pura para uma indústria mais de fintech. E acho que isso é bom porque permite realmente conectar a governança mais descentralizada em blockchain com um sistema financeiro centralizado".
A tendência, para a presidente da OKX, é que o ecossistema cripto tenha um "ambiente mais fluído": "Acho que você continuará vendo, por um lado, empresas como nós continuando a inovar. Nós nos consideramos criptonativos e desempenhamos um papel muito importante na conexão do novo com o antigo".
O objetivo, diz, é oferecer um caminho para que os clientes possam "transitar entre o sistema existente e o novo", focando na "construção de fontes" e em garantir que elas terão a "melhor experiência possível" de uso, combinando as finanças tradicionais centralizadas com a chamada Web3 e a tecnologia blockchain.
Nesse cenário, Fang vê uma "grande oportunidade para competirmos com o setor financeiro tradicional, incluindo os bancos, bolsas e empresas fintech". Mas, ao mesmo tempo, "também fazer parceria com eles".
"Não é uma competição pura, há muita parceria acontecendo também. Recentemente, anunciamos a nossa parceria estratégica com a Standard Chartered e teremos mais parcerias em breve. Trabalhamos muito nessas parcerias porque acreditamos que há uma oportunidade para nós, para nossa plataforma, e trazemos muitos recursos nativos de cripto para a mesa", diz.
A visão da presidente da OKX é que as parcerias permitem combinar o melhor dos dois setores. No lado das empresas financeiras tradicionais, ela acredita que o movimento é, inclusive, essencial para garantir a própria sobrevivência dos negócios.
"As instituições financeiras serão transformadas e, gradualmente, todas as instituições financeiras avançarão para o blockchain, todo o sistema financeiro estará em blockchain. E as instituições que têm a mente mais aberta em relação a isso e que estão realmente investindo tempo e recursos e investindo nessas estratégias, vão ser aquelas que terão sucesso ao longo do tempo", defende.
Já sobre o futuro da OKX, Fang avalia que será importante continuar investindo em áreas de tecnologia, produtos e inovação, além de conformidade regulatória, para que a empresa se fortalece em um papel de ponte entre o mundo das criptomoedas e o tradicional.
A tendência, projeta, é de um cenário "fluído, com diversos atores diferentes competindo e cooperando, e acho que isso é saudável para os clientes".
Uma tendência que ganhou força no mercado cripto nos últimos anos foi o lançamento por empresas de stablecoins próprias pareadas ao dólar, como as anunciadas pela Ripple, PayPal e Mercado Livre. Mas, no momento, a presidente da OKX descarta a criação de uma stablecoin própria pela empresa.
"Nossa filosofia faz com que nós, como plataforma, não queiramos criar tokens ou stablecoins. Não estamos com essa visão. Queremos ser agnósticos com nossos clientes, assim como acontece com a custódia. Trabalhamos com diferentes custodiantes terceirizados para oferecer essas opções, especialmente para clientes institucionais", comenta.
A ideia é manter a mesma estratégia para as stablecoins, oferecendo diferentes criptomoedas para atender à demanda dos clientes. Ela destaca que "no fim, o cliente não fica pensando muito sobre qual stablecoin vai usar, o foco dele está na utilidade do ativo".
"Não temos nenhum plano de emitir nossa própria stablecoin para competir com as atuais, porque já existem muitas opções por aí. Acho que o foco para nós é mais trabalhar com isso, e vemos cada vez mais pessoas entrando nesse espaço. Muitas empresas de tecnologia, fintechs e instituições financeiras vão acabar fazendo isso [emitindo stablecoins] e acho que essa é a tendência certa. Mas nosso foco é ser uma plataforma", afirma.
Mesmo assim, Fang elogia as stablecoins como um "caso de uso muito interessante" para as criptomoedas que têm ganhado cada vez mais espaço, em especial no mercado da América Latina. "É difícil imaginar isso acontecendo nos EUA ou na Europa, mas acho que essa região tem esse potencial, principalmente nas transações transfronteiriças".
"Acho que as stablecoins vão ser realmente úteis para trazer liquidações mais rápidas ou menos custosas, reduzindo o custo das transações internacionais para provavelmente até um décimo da alternativa atual. Então elas são uma grande oportunidade", diz.
No mercado brasileiro há quase um ano, Fang ressalta que o país é um "mercado estratégico" para a OKX por uma série de fatores. Por um lado, o Brasil "é um centro muito importante para a América Latina. Quando olhamos para a nossa estratégia global e onde deveríamos ter os nossos recursos locais, realmente olhamos para as regiões onde vemos um bom potencial para a adoção de cripto ou uma adoção já existente".
"Nós vemos isso no Brasil, que tem uma população muito sofisticada em relação a cripto e que confia nas criptomoedas e entende o valor delas. Por isso, estamos muito interessados e contribuindo para construir esse ecossistema e fornecer esse valor para os clientes", diz.
Há, ainda, um "papel muito estratégico na América Latina" desempenhado pelo Brasil. "É uma grande economia, com boa influência e que desempenha um papel de liderança na região. E também tem um bom conjunto de talentos com exposição a instituições financeiras, com exposição a empresas de tecnologia mais avançada, inovações".
"À medida que pensamos em construir mercados locais e mercados estratégicos, queremos realmente ter líderes locais que compartilhem nossa paixão pelo setor, mas também compartilhando seu compromisso com o país, com a região e com a comunidade local. Então vemos muitos desses fatores alinhados no Brasil", afirma.
Por fim, Fang também elogia o mercado brasileiro no âmbito regulatório: "Há uma relativa clareza quando se trata do que deveríamos fazer como plataforma de cripto. Há requisitos muito claros e gostamos muito disso. Essa também é uma condição importante para estarmos aqui, porque senão fica muito difícil. Queremos continuar participando das conversas e tentar explorar inovações mais responsáveis dentro das regulações. É um processo contínuo e pelo menos vemos um bom ponto de partida para nós aqui".