Future of Money

O bitcoin realmente pode ser um ativo de proteção contra a inflação?

Nos últimos anos, uma série de grandes investidores incluíram a criptomoeda na lista de opções para proteção contra impactos inflacionários, mas essa estratégia realmente dá certo?

Histórico dos últimos anos tem demonstrado que tese tem ganhado cada vez mais força (Thomas Trutschel/Getty Images)

Histórico dos últimos anos tem demonstrado que tese tem ganhado cada vez mais força (Thomas Trutschel/Getty Images)

Lançado alguns meses após a eclosão da crise do subprime, o bitcoin nasceu pautado em uma série de pilares, que tinham como objetivo principal a construção de um sistema monetário digital e alternativo ao já existente, priorizando a descentralização e a ruptura total com governos e grandes instituições financeiras, cuja emissão não compete a nenhum banco central, sendo regida apenas pelo código construído por Satoshi Nakamoto.

Por ser um ativo digital e escasso, cuja rede permite que seus usuários transfiram e armazenem valores de forma totalmente descentralizada, ao longo dos anos, o bitcoin começou a dar seus primeiros passos como um ativo que pode representar uma espécie de reserva de valor, imune à políticas monetárias expansionistas e, consequentemente, à inflação.

Mas como essa tese surgiu? E como o bitcoin pode ser uma ferramenta de proteção aos impactos de uma alta na inflação?

Criado em uma crise e testado em outra

Como mencionado anteriormente, o bitcoin foi desenvolvido em meio à grande crise de 2008, a crise do subprime, ou melhor, a crise da bolha imobiliária americana, que foi o resultado de uma concessão desenfreada de créditos imobiliários e de uma série de falhas na regulação do sistema financeiro no período, que permitia a transferência de créditos hipotecários de forma linear e direta, possibilitando também a transferência de todo o seu risco.

A série de falhas na legislação, fiscalização e emissão desenfreada desse tipo de produto foi responsável pela criação do mercado das hipotecas subprime, os deriavitivos de hipotecas, que desmoronou após milhares destes financiamentos imobiliários não terem sido honrados.

De imediato, uma grande crise financeira assolou o mundo inteiro, sendo responsável pela falência de uma série de grandes bancos e empresas, elevando drasticamente o nível de desemprego em vários países ao redor do mundo.

Com o caos instaurado, governos destes países deram início a um programa de resgate aos bancos, responsável por evitar a falência de outras instituições através da compra de ativos “ruins” e por conter todo o pânico que assolava os principais mercados globais. Esse programa foi chamado nos EUA de TARP (Troubled Asset Relief Program), que por sua vez, contava com 700 bilhões de dólares para auxiliar a recuperação dos bancos.

Entretanto, o dito programa não foi necessário para controlar totalmente a situação (ou tirá-la ainda mais dos eixos) e, no ano seguinte, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma série de estímulos fiscais, injetando mais de 800 bilhões de dólares na economia americana.

Bom, no curto prazo, esse conjunto de políticas pode auxiliar a recuperação econômica de grandes empresas e instituições financeiras, mas quando observamos a situação em um prazo mais longo, o impacto dessas políticas monetárias expansionistas, que aumentam a oferta de moeda em circulação e reduzem a taxas de juro visando a melhoria do desempenho da economia através do incentivo ao consumo acaba sendo um só: um grande aumento na inflação.

Praticamente 12 anos após a crise do subprime, as políticas adotadas para conter os impactos causados pela pandemia de covid-19 foram os mesmos, com trilhões de dólares sendo injetados na economia a nível global — a maior onda de impressão de dinheiro em toda a história do Fed — e, níveis de inflação crescendo desenfreadamente.

Nesse cenário, investidores iniciaram uma busca por novas opções de investimento que poderiam oferecer uma rentabilidade que superasse os altos níveis de inflação e, que fosse capaz de proteger seu capital de intervenções políticas, além de assegurar o seu poder de compra ao longo do tempo.

Entretanto, além dos produtos de investimento e ativos que já eram utilizados como uma ferramenta de proteção de capital, dessa vez os investidores também contavam com o bitcoin. Uma criptomoeda escassa e descentralizada, com sua emissão cravada em pedra, ou melhor, em código, que por sua vez, não pode ser alterada por nenhum usuário, governo ou banco central.

Inicialmente, assim como em outras grandes crises, com o impacto inicial da pandemia, investidores iniciaram uma busca por ativos fortes, isto é, que trouxessem um alto nível de estabilidade aliada a uma alta liquidez. Nesse sentido, há um destaque muito grande para produtos de renda fixa com liquidação imediata e moedas fortes, como o dólar. Entretanto, como já foi mencionado neste texto, para resolver todo o caos que se instaura com a chegada de uma crise, governos ao redor do mundo iniciaram a implementação de uma série de ações, com ênfase para as famosas políticas monetárias expansionistas.

Após sua implementação, essas políticas foram responsáveis por uma grande redução nas taxas de juros, afetando diretamente a rentabilidade de produtos de renda fixa, que se tornaram ainda menos atrativos por ficarem muito abaixo da inflação e de sua expectativa para o futuro. Por conta disso, uma grande parcela dos investidores do mundo inteiro, incluindo os institucionais, começaram a definir estratégias de exposição ao bitcoin para se proteger deste aumento na taxa de inflação, reforçando a tese de que o bitcoin poderia se consolidar como uma reserva de valor.

Neste âmbito, ganham destaque os investidores institucionais, como Tesla e MicroStrategy, que somadas possuem mais de 156.000 unidades de bitcoin, totalizando mais de 6,75 bilhões de dólares na cotação atual. De acordo com os comunicados de ambas as companhias sobre suas compras de bitcoin ao longo dos últimos meses, além de ressaltarem o seu posicionamento positivo em relação a esta nova classe de ativos, as duas empresas revelaram que as compras da criptomoeda representavam uma nova estratégia de tesouraria, alocando parte de suas reservas no bitcoin como uma forma de se proteger dos impactos inflacionários.  

Mas essa estratégia realmente dá certo?

(Future of Money/Divulgação)

Na tabela acima, temos um comparativo entre a performance do bitcoin, a inflação histórica dos EUA e o S&P500, índice composto pelos 500 maiores ativos negociados na bolsa de valores de Nova York, a Nyse, que é utilizado como benchmark a ser batido pelos principais fundos de investimento americanos.

Com isso em mente, é notável que o bitcoin supera com uma larga vantagem os dois índices em todos os anos, mesmo em 2019, quando o S&P500 teve a sua maior performance anual entre os três últimos anos. Nesse sentido, é possível vislumbrar com mais clareza o potencial do bitcoin em ser uma nova ferramenta para proteção durante períodos de inflação mais elevada, além de oferecer a possibilidade de auferir lucros com a alocação de uma parte do portfólio na criptomoeda.

E no Brasil?

(Future of Money/Divulgação)

No Brasil, a performance anual do bitcoin atinge valores ainda maiores, principalmente por conta da variação do dólar frente ao real durante os anos, sendo colocado por muitos investidores também como uma ferramenta de hedge cambial, isto é, uma forma de se proteger da desvalorização do real no cenário internacional através da alocação de parte do portfólio na criptomoeda.

Como podemos ver, os impactos da crise causada pela pandemia de covid-19 foram ainda mais profundos, fazendo com que a taxa média de inflação no país superasse a marca dos 7% durante os três primeiros trimestres do ano, com a possibilidade de terminar 2021 acima dos dois dígitos, sendo projetada acima dos 12% por uma série de economistas.

De modo geral, o bitcoin e o ecossistema de criptomoedas possuem uma grande assimetria de mercado, isto é, são uma classe de ativos que possuem um nível elevado de risco, mas que por serem uma tecnologia em um estágio inicial de amadurecimento e adoção, também podem ter um potencial de retorno muito alto nos próximos anos, principalmente se atingirem popularidade à nível mainstream.

Por conta disso, talvez ainda seja cedo demais para afirmar que o bitcoin pode sim se tornar uma ferramenta de proteção contra impactos inflacionários no longo prazo, mas o histórico dos últimos anos tem demonstrado que com o passar do tempo, essa tese tem ganhado cada vez mais força, inclusive, a alocação de 1% do portfólio em bitcoin já foi sugerida pelo próprio banco J.P. Morgan, que salientou que a criptomoeda pode ser uma forma de diversificação e proteção da carteira de investimentos de investidores ao redor do mundo.

Siga o Future of Money nas redes sociais: Instagram | Twitter | YouTube

Acompanhe tudo sobre:BitcoinCriptomoedasCrise econômicaEstados Unidos (EUA)Fed – Federal Reserve SystemInflaçãoJPMorganS&P 500Tesla

Mais de Future of Money

Iniciante em cripto? 5 passos para começar com o pé direito

Banco Central anuncia 2ª fase de consulta pública para regulamentação de criptomoedas no Brasil

Começa em SP o maior evento brasileiro de bitcoin: conheça a Satsconf

ETF de bitcoin da BlackRock ultrapassa o de ouro em ativos sob gestão meses após lançamento