Popularidade de inteligências artificias cria desafios e oportunidades em negócios (Reprodução/Reprodução)
Repórter do Future of Money
Publicado em 9 de maio de 2023 às 16h29.
Última atualização em 9 de maio de 2023 às 17h56.
Conforme os projetos de inteligência articial se tornam cada vez mais parte do dia a dia das pessoas, crescem também os esforços para tornar as interações com eles mais naturais, realistas e semelhantes a conversas cotidianas. O ChatGPT, desenvolvido pela OpenAI, surgiu exatamente para isso, e o Brasil ganhou recentemente uma iniciativa voltada especificamente para o português, ou mais especificamente ao "brasileirês": a Fintalk.
A startup brasileira desenvolveu uma inteligência artificial própria voltada para "fluxos conversacionais", com aplicações focadas nos canais de atendimento entre empresas e clientes. Em entrevista à EXAME, Luiz Lobo, fundador da Fintalk, explica que o projeto busca "falar uma língua que as empresas não entendiam", o português do cotidiano, em oposição à versão formal da língua tão encontrada em produções escritas.
"A ideia era ter uma solução brasileira de inteligência artificial para entender as pessoas do Brasil. A impressão que tenho é que empresas e pessoas falam línguas diferentes. As empresas usam termos complicados, têm menus complicados, várias etapas e processos diferentes", comenta Lobo.
Nesse sentido, ele explica que a Fintalk surgiu para "arredondar conversas quadradas" por meio da tecnologia e equilibrar duas demandas: de um lado, os clientes que buscam soluções simples para seus problemas e acabam frustrados nos canais de atendimento atuais. Do outro, as empresas que buscam cada vez mais terem atendimentos baratos mas eficientes, capazes de reter seus clientes.
Para Lobo, a melhor interface para atender esses objetivos é a conversa verbal. Por isso, a inteligência artificial de atendimento foi pensada com foco em canais como telefone e áudios no WhatsApp, Instagram ou Telegram, mas ela também consegue interpretar e responder a mensagens em texto, imagem ou voz, com a fala sendo "a parte mais poderosa" da ferramenta.
Ele destaca que o grande desafio no treinamento da inteligência artificial foi fazer com que ela entendesse as "voltas" que os brasileiros geralmente dão em conversas para evitar fazer um pedido diretamente, geralmente contando histórias e anedotas para só então explicar o problema. Por isso, a empresa reuniu diferentes bases de dados abertas com os próprios resultados das interações das empresas.
"Tem um trabalho de curadoria para entender quais são os significados e intenções daquela pessoa, e aí consegue agrupar intenções e definir as possíveis soluções para essas intenções, avaliando a probabilidade de ser esse assunto", explica Lobo. A primeira IA desenvolvida pela Fintalk não é do tipo generativa, como o ChatGPT, que consegue criar novos conteúdos partindo de uma base de dados.
A ferramenta segue modelos de inteligência artificial anteriores, que possuem "roteiros" que são treinados para seguir a partir da interpretação das mensagens recebidas, os chamados inputs. Mesmo assim, o fundador da Fintalk observa que a tecnologia conseguiu resultados positivos para os seus clientes. Uma das principais métricas de avaliação de satisfação de clientes, o NPS, viu saltos em empresas, partindo de 40 ou 50 pontos e ultrapassando os 80.
Houve, ainda, uma redução no tempo de atendimento, que caiu de 19 minutos e chegou a resultados em até 47 segundos. "Quando tem essa diferença, não é só a empresa que contratou o serviço que fica feliz, o próprio cliente também fica feliz", comenta Lobo. Essa eficiência ajudou, na sua visão, à boa receptividade por parte das pessoas à ideia de interagir com uma inteligência artificial ao invés e um humano. Em alguns casos, ele acredita que a interação é melhor porque as pessoas veem que a máquina "não tem julgamento" de seus problemas.
"O cliente escolhe o canal mais conveniente para ele. Se você oferece robôs burros, chatos, o cliente não vai gostar. Mas se fala e a inteligência artificial começa a resolver bem, o cliente fica feliz. Não vejo preconceito não. O ambiente assíncrono tem tido uma aceitação grande. Quando a pessoa se sente entendida, ela fica mais à vontade. As empresas percebem a diferença, mesmo quando tem ideias pré-concebidas sobre IA", diz Lobo.
Hoje, a Fintalk já tem entre seus clientes empresas como C&A, Stone, Sky, Avenue, Cimed, Brinks e Bluefit Academia. Ao mesmo tempo, ela segue investindo em desenvolvimento na área de inteligência artificial, e precisa lidar com desafios comuns aos diversos empreendimentos em um setor em franca expansão.
Um deles é a de segurança e privacidade de dados. Como o treinamento das IAs demanda o uso de grandes bancos de dados, projetos são muitas vezes acusados de plágio ou até violações de privacidade. No Brasil, há, ainda, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que especifica como os dados das pessoas podem ser usados e como devem ser protegidos.
Lobo explica que a Fintalk surgiu tendo como foco inicial os canais de atendimento de bancos, "então a ideia era ter um ambiente para grandes bancos e garantir essa segurança de dados bancários. No limite, o cliente pode usar o Fintalk dentro das máquinas da própria empresa, se quiser. Tem também um conjunto grande para garantir segurança de dados. É preciso ter essa segurança, pensando na LGPD".
Há, ainda, um outro ponto que Lobo considera ser muito importante no uso de dados por inteligências artificiais atualmente: a origem deles. Vários dos projetos mais famosos atualmente, incluindo o ChatGPT, acabam usando bancos de dados limitados a determinados países ou línguas, o que reduz a precisão e qualidade do trabalho da tecnologia quando interage com outros públicos. É por isso que o ChatGPT é mais preciso ao receber comandos em inglês do que em português, por exemplo.
Pensando nessas duas questões, a Fintalk decidiu desenvolver uma inteligência artificial generativa própria, que já começou a ser oferecida para atendimentos nas empresas. A ideia é evitar três problemas principais: "pegar dados e não saber a origem deles, com possíveis vieses e erros, evitar a violação de propriedade intelectual e evitar que os dados fiquem públicos, garantindo mais privacidade.
"O nosso GPT pode ser menos poderoso, mas para perguntas e informações simples não precisa de muita coisa, é esse balanço entre proteção e aproveitar essa funcionalidade que vai precisar ser feito. O nosso GPT, por exemplo, só trabalha dentro dos próprios documentos que são fornecidos pelos clientes, ele não busca nada de fora nem deixa nada público", comenta o executivo.
A tendência, acredita ele, é de um uso híbrido das novas e antigas inteligências artificias. Mesmo assim, ele prevê uma "mudança monstruosa": "agora, você consegue pegar um documento e atender o cliente sem fazer nenhuma programação. Consegue chamar APIs externas, funcionalidades e sistemas da companhia e cria um documento só para fazer acesso aos dados dentro da companhia. Muda toda a dinâmica e consegue fazer essa conversação, é uma mudança bastante grande, e o maior benefício é unir o mundo generativo e o mundo guiado, conversacional, porque em alguns momentos precisa desse guia, seja pela legislação, demandas da companhia, precisa de passos sequenciais".
No caso do Brasil, Lobo vê uma rápida adoção a essa nova tecnologia, o que levará a uma série de "aplicações e bons serviços para os clientes nessa área mais social". Entretanto, ele defende um investimento em "soluções tropicalizadas, até pela questão de bases de dados. Tem muita coisa em inglês e espanhol, mas português não. Essa popularização das bases ajudaria bastante, mas demanda colaboração entre as empresas'.
O fundador da Fintalk acredita que a inteligência artificial vai ser uma "nova Revolução Industrial, e vai ser bem forte. As pessoas vão ter de mudar a maneira de trabalhar. Vai ser igual à chegada do celular, da videoconferência, é um ferramental novo que podemos usar para nos alavancarmos se aprendermos como usar".
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