(Reprodução/Reprodução)
Sócio da Spiralem Innovation Consulting
Publicado em 2 de março de 2024 às 10h00.
Ultimamente, o lançamento do Apple Vision Pro tomou conta de vários veículos de mídia no Brasil e no exterior, revelando tanto o mar de possibilidades viabilizado pelo aparelho quanto a estranheza com o qual ele tem sido recebido por parte das pessoas – muitas vezes enfatizando como a imersão no mundo da realidade aumentada pode fazer com que o usuário pareça totalmente desconectado do “mundo real” aos olhos de quem não os utiliza (ainda).
A verdade é que todo o barulho em torno do Vision Pro é o último grande reflexo de uma onda que já vinha se formando anos antes, quando diferentes empresas já estavam pensando e desenvolvendo a próxima interface tecnológica que seria adotada pela sociedade em uma realidade pós-smartphone – sendo a evolução deste dispositivo e de todas as experiências atreladas ao seu uso.
Curiosamente, a patente inicial do Vision Pro foi registrada em 2007 (ano de lançamento do primeiro Iphone), mostrando que o próprio Steve Jobs, que estava vivo à época, já pensava em como seria a próxima forma de interação computacional que teríamos após o fim de ciclo do seu mais bem-sucedido e revolucionário produto.
É importante lembrar que empresas como a Google já haviam incursionado nesse mercado com o Google Glass, aparelho que foi oficialmente apresentando ao grande público em 2012 e que acabou se tornando um produto destinado exclusivamente para empresas em 2017 (após fraca recepção do consumidor “pessoa física”), até ser descontinuado em março de 2023.
A Microsoft também entrou nessa arena anunciando o HoloLens em 2015, também reorientando-o para o mercado corporativo poucos anos depois. Olhando para a frente, o futuro do projeto ficou nebuloso após a empresa demitir uma boa parte da sua equipe de desenvolvimento em janeiro de 2023.
No caso das duas bigtechs citadas, os headsets não encontraram o “timing” correto para conquistar o mercado mainstream com soluções baseadas em realidade virtual e realidade aumentada. Desde o alto custo até dificuldades técnicas e a falta de um ecossistema robusto de soluções e parcerias estabelecidas com desenvolvedores foram elementos que não permitiram esses produtos decolarem mais cedo – o que fez com que saíssem da fila de prioridades ou fossem descontinuados.
Há ainda o caso da startup norte-americana Magic Leap, que levantou cerca de US$ 4 bilhões desde sua fundação em 2010 e desenvolveu um produto bastante compacto e robusto, porém sofreu por anos para competir com seus gigantes rivais no espaço B2B corporativo.
Contudo, a sorte da companhia pode estar prestes a mudar, graças a um grande investimento realizado pelo fundo soberano da Arábia Saudita e pelo “hype” criado em torno do novo lançamento da Apple.
Outra empresa que segue apostando nessa tese – e que tornou a realidade aumentada, a realidade virtual e o metaverso temas prioritários por alguns anos, mesmo contrariando investidores – foi a Meta.
Mark Zuckerberg já declarou recentemente que os óculos serão os dispositivos móveis do futuro, não substituindo completamente as alternativas anteriores (assim como o celular não matou o computador de mesa ou o notebook), mas trazendo uma série de possibilidades e soluções que nos farão usá-lo com maior frequência no dia a dia.
Além disso, Zuckerberg ainda completou dizendo que, nessa nova corrida, sua empresa quer se posicionar como uma plataforma aberta e orientada a parcerias (assim como foi o PC nos primórdios do computador pessoal e o Android na era dos smartphones), em oposição ao modelo fechado e todo integrado (sobretudo entre hardware e software) da Apple.
Em meio a todo esse momento de empolgação em torno dessa tecnologia, o surgimento (ou reavivamento) de alternativas no mercado, a realização de altos investimentos por parte dos maiores players de tecnologia do mundo, o desenvolvimento e fortalecimento de seus respectivos ecossistemas de soluções e a gradual adoção dos consumidores (que aos poucos vão enxergando esses headsets como objetos de desejo), um elemento tem tudo para ser combinado no meio desse caldo, promovendo uma revolução na forma como consumimos os mais diferentes serviços e conduzimos o nosso dia a dia.
Estou falando da inteligência artificial generativa, que segue conquistando espaço de forma assustadora e que pode ser a peça que faltava para habilitar a experiência definitiva nessa nova guerra dos dispositivos móveis.
Peter Diamandis, futurista e co-fundador da Singularity University, declarou que o nosso futuro deve incluir a presença de assistentes que fazem parte da nossa vida 24 horas por dia, nos ajudando, orientando e facilitando nossas decisões.
Ele é ainda mais objetivo na exemplificação e compara esse assistente ao Jarvis, inteligência artificial que acompanha e alavanca o potencial do Tony Stark, o famigerado Homem de Ferro da Marvel. Trata-se de uma espécie de copiloto para as mais diversas tarefas que, de certa forma, já existe nos dias de hoje como assistentes baseados em voz (como Alexa, Siri, Google Assistant, etc), mas que devem ganhar uma capacidade muito maior quando mesclados à realidade aumentada e alimentados com IA generativa.
As possibilidades e impactos em (quase) todos os momentos da nossa vida são claros – e a transformação certamente virá para vários mercados – mas concentrarei o exercício futurista a seguir no ambiente de produtos e serviços financeiros (que acaba sendo transversal em relação aos mais diferentes setores e presente em várias das nossas jornadas cotidianas).
Você está caminhando em uma grande cidade, vê um prédio e pergunta seu assistente se existem unidades disponíveis para compra e venda, ele diz que sim, no terceiro e oitavo andar, destaca visualmente as unidades e seus preços, te traz a opção de fazer um tour virtual pelo apartamento (que talvez o faça, mais tarde) e, caso você queira, ainda compara as condições dos financiamentos já aprovados que você teria disponível para a aquisição – inclusive pesando suas vantagens e desvantagens de cada um e os impactos no seu orçamento, de maneira didática e consultiva.
Outros elementos como a taxa de criminalidade no bairro, vídeos que moradores tenham feito sobre como é viver por ali e as principais atrações locais podem ser trazidas quando quiser e debatidas com seu assistente – ajudando na tomada de decisão.
Talvez você resolva entrar em um supermercado e receba orientações sobre descontos e promoções dos itens que você mais gosta e, enquanto enche o carrinho, seja avisado à medida que o valor do seu planejamento mensal para compras de mantimentos seja ultrapassado.
É como ter um educador financeiro a todo momento te guiando, caso queira. Esses exemplos nos trazem uma pequena amostra das inúmeras soluções que podem ser criadas a partir daí.
Vemos então um novo momento da evolução fintech, que chamo de “Finanças Assistidas”, no qual desmaterializamos muitos passos e cliques em uma interface visual e auditiva, capaz também de debater possibilidades e explicar não só os caminhos para diferentes e complexas transações, mas também pontuar seus prós e contras.
Tudo isso com uma experiência embarcada em nosso dia a dia, sem fricção, contextual e absolutamente fácil de usar – por se valer da conversa e do destaque visual, as formas mais básicas com as quais o ser humano sempre utilizou para compreender os outros e o mundo à sua volta.
Hoje, já é possível ver no mercado soluções que se apresentam em estágios anteriores a essa realidade explorada nos exemplos acima, ou seja, assistentes poderosos, mas que ainda irão percorrer uma jornada até estarem totalmente integrados aos headsets de realidade aumentada. Deste modo, é possível dizer que já foi dada a largada nessa corrida rumo à uma nova experiência assistida – sendo essa a próxima fronteira na qual diferentes empresas irão se enfrentar.
Em meu último livro, A Era da Criptoeconomia, eu trago uma linha evolutiva criada pelo Silicon Valley Bank referente às inovações que foram incorporadas ao sistema financeiro, divididas em 3 momentos (ou estágios) principais, que por vezes se sobrepõem e acontecem simultaneamente. São eles:
Com a explosão da IA generativa a partir do final de 2022, eu antevi uma próxima fase, ou Fintech 4.0, marcada pela automação extrema, baseada em IA, que deve gerar uma série de assistentes pessoais avançados para resolver, de maneira autônoma, consultiva e efetiva, as nossas demandas financeiras.
Hoje, com os elementos que temos (que foram explicados anteriormente), é possível ver um caminho mais claro para o desenvolvimento dessa fase, que é a fase das Finanças Assistidas.
Cada nova fase se vale dos avanços anteriores (de maneira cumulativa) e incorpora outras tecnologias disponíveis e maduras em seu tempo para promover o próximo salto.
Nesse caso não é diferente, sendo que é possível que aconteça um grande salto, sobretudo do ponto de vista de interface e experiência de consumo de soluções financeiras, quando migramos para uma realidade na qual temos um agente que possui profundo conhecimento sobre você (e suas preferências), compreende o contexto do local e do momento em que você se encontra, e o “conhecimento coletivo” de uma base imensa de dados que alimenta sua IA.
Isso possibilitará um aconselhamento que (certamente) vai levar em conta um número muito maior de variáveis do que aquelas que poderiam ser consideradas por uma contraparte humana, levando a uma orientação mais profunda, efetiva, em tempo real e com um baixo custo.
Pouco antes de tudo isso se tornar realidade nesse nível – conforme exemplo da pessoa caminhando em uma grande cidade dado no começo do texto, com grande integração entre diferentes soluções e baixíssima fricção na entrega via realidade aumentada – ainda teremos uma série de assistentes pontuais capazes de simplificar jornadas e entregar mais produtividade e eficiência no nosso dia a dia.
Talvez um exemplo de próximo passo mais viável e que já existe na realidade de hoje (para além do mercado financeiro, de forma mais ampla) é o que está sendo feito pela Microsoft com os sua iniciativa “Copilot”.
Desenvolvido pela OpenAI (empresa que recebeu investimentos da Microsoft), o Copilot é um assistente de IA avançado, integrado ao GPT-4, destinado a aprimorar as funcionalidades do Microsoft 365, incluindo aplicações como Word, PowerPoint, Excel, Teams, entre outras. Inspirado no icônico Clippy, o clipe de papel animado do Microsoft Word, o Copilot visa oferecer assistência em um nível muito mais sofisticado, adaptando-se a diferentes produtos da bigtech para realizar tarefas variadas.
No Word, por exemplo, ele pode sugerir edições de texto e gerar conteúdo sob demanda, enquanto no PowerPoint, transforma comandos escritos ou falados em elementos visuais para apresentações. Além disso, o Copilot pode transcrever reuniões, redigir e-mails e realizar muitas outras funções, representando uma evolução significativa para as soluções da Microsoft e o uso de IA no ambiente de trabalho.
Trazendo para o mundo dos bancos, fintechs e demais instituições que habitam o mercado financeiro, já é possível ver movimentos no sentido de acomodar essas capacidades, inicialmente substituindo os chatbots atuais e, eventualmente, criando uma interface para oferta, interação e contratação de seus produtos junto aos seus clientes – sendo uma alternativa à navegação via internet banking ou aplicativo mobile hoje.
Nos Estados Unidos, players como o banco Wells Fargo e o neobank Dave anunciaram ações nesse sentido – ambos com o auxílio de parceiros, como o Google e a startup Aisera, respectivamente. Já outras instituições, como o Goldman Sachs, têm focado no desenvolvimento em modelos proprietários, sobretudo de Large Language Models (LLM), rede neural capaz de acumular conhecimento a partir de bases de dados, aprender ao longo do tempo e transformá-los em respostas.
Geoge Lee, Co-diretor de inovação aplicada do Goldman Sachs, declarou que a instituição está trabalhando com uma dúzia de projetos diferentes utilizando inteligência artificial generativa. Contudo, ressaltou que nenhum dos projetos possui interface direta com o cliente – como em situações de aconselhamento financeiro, por exemplo – devido à natureza regulada desses serviços e a atual indefinição quanto à regulação da utilização de IA nesses casos.
Para vermos todo o potencial das Finanças Assistidas nos próximos anos, certamente, será necessário progredir no campo regulatório. Como frequentemente tem ocorrido em toda história do mercado financeiro (e de outros setores onde há pesadas regras e normativas, como o farmacêutico) a tecnologia e a inovação sempre avançam mais rapidamente que a regulação.
Considerando o cenário atual de assessoria e aconselhamento financeiro, existe uma série de atividades, categorias profissionais, códigos de autorregulação e certificações exigidas para que sejam prestados serviços nesse segmento.
Um dos principais pontos a serem observados é o dever fiduciário do assessor para com seu cliente, o que gera responsabilidades e deveres, incluindo o compromisso de agir no melhor interesse do cliente (considerando objetivos, necessidades e tolerância a risco), atuar de maneira ética e evitar conflitos de interesse.
Nesse contexto, a tecnologia é bastante usada para facilitar a entrega dos serviços, mas em primeiro lugar existe a responsabilidade do profissional e da instituição – assim como uma série de proteções e salvaguardas legais para os investidores que são bem definidas e objetivas – norteando essa relação.
Nos últimos anos, o mercado acompanhou também o surgimento e a popularização dos Robo-advisors, que são plataformas de investimento automatizadas e de baixo custo que usam algoritmos para gerar portfólios personalizados com pouca intervenção humana.
Contando com um certo nível de aconselhamento e serviços como rebalanceamento de portfólio, algumas fintechs como a norte-americana Betterment e a Wealthfront ganharam popularidade e vários clientes ao longo dos anos.
Com a evolução dessa prática e do entendimento da relação fiduciária da instituição provedora de serviços nesses casos – considerando as limitações das atividades de aconselhamento ofertadas por esses players – os Robo-advisors conquistaram seu espaço no mercado.
Apesar da natureza parecida, assistentes utilizando IA generativa no mercado financeiro têm o potencial de realizar atividades muito mais complexas que os Robo-advisors. Sendo municiados de uma grande quantidade de dados do usuário e tendo a capacidade de agir em seu nome – para efetivamente realizar transações e concluir tarefas de forma autônoma – tais assistentes poderiam ter elevado grau de responsabilidade, entrando em atividades que, hoje, ainda são realizadas apenas por humanos.
Fora o aspecto regulatório, o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o MIT (Massachusetts Institute of Technology) publicaram relatórios nos quais apontam alguns riscos para o uso dessa tecnologia no mercado financeiro, incluindo pouca clareza em relação a como foram construídos os modelos de IA (com consequente dificuldade de explicação de sua mecânica aos reguladores e deles supervisarem tais soluções), respostas com potenciais vieses, alucinações de IA (com a geração de conteúdo incorreto ou impreciso), riscos relativos à privacidade de dados, dentre outros.
Dando mais alguns passos à frente, e pensando no cenário em que as Finanças Assistidas estão integradas a todo o ecossistema dos agentes (similares ao Jarvis) que estarão presentes nos headsets de realidade aumentada, existem outros elementos que precisarão ser considerados.
Um deles diz respeito a como as instituições navegarão uma realidade na qual a interface principal é feita via uma bigtech (detentora do ecossistema e criadora do agente), significando que toda a experiência seria embarcada e fluida, um paradigma bem diferente dos ambientes fechados do internet banking e dos aplicativos usados hoje.
Deste modo, essa nova camada de interface traz um jogo totalmente novo e exigirá (mais uma) reinvenção do mercado e de seus players, podendo colocar em xeque os esforços feitos em relação à principalidade das instituições. Vale lembrar que no contexto de hoje, com a ideia de superapp financeiro que está sendo pensada pelo Banco Central, com integração de todos os aspectos das finanças de uma pessoa ou empresa em uma só tela, já é possível termos uma prévia de como será o “princípio do fim” do modelo fechado praticado hoje.
Outro desafio diz respeito aos impactos no mercado de trabalho, uma discussão que já vem se intensificando nos últimos anos, à medida em que a sociedade incorpora, de maneira cada vez mais rápida, todas essas novas tecnologias. O enxugamento de várias posições do mercado financeiro – que pareciam protegidas dos avanços tecnológicos até então – se torna praticamente inevitável nesse cenário.
Em uma recente postagem nas redes sociais, atribuída ao empreendedor e investidor indiano Naval Ravikant, foi discutida a provável reação das gerações futuras ao lerem textos ou ouvirem músicas e vídeos do passado e exclamarem “Nossa! Eles conseguiam fazer isso sem assistentes?”. Esse pensamento pode trazer, em alguma medida, uma visão pessimista sobre o futuro para algumas pessoas – mas talvez seja apenas o curso natural da evolução das coisas.
Assim como a realização de cálculos de maneira desassistida é algo pouco comum desde a popularização das calculadoras, logo veremos a escrita, o ato de dirigir veículos e muitas outras atividades tomando esse rumo – e isso não é algo para um futuro distante, mas um acelerado processo que já está em curso.
Certamente, o mercado financeiro é apenas um dos vários setores que serão impactados e, conforme disse Bill Gates, esse é avanço mais importante na tecnologia desde a interface gráfica do usuário. Na linha evolutiva rumo às Finanças Assistidas, devemos ver um primeiro momento, sem os headsets, se materializando rapidamente – seguido de um estágio mais avançado, no qual assistentes completos integrados aos óculos serão uma realidade.
Até lá, muitos avanços relativos à infraestrutura de dados móveis precisam acontecer em grande escala, bem como toda uma evolução do design dos aparelhos e avanço da regulamentação da IA generativa devem se fazer presentes.
Diante desse futuro praticamente inevitável, nos cabe encarar toda essa revolução como um impulsionador do potencial humano, nos permitindo abraçá-la e aplicá-la de modo a superar alguns dos grandes desafios da sociedade – tornando-a algo bem maior do que um simplificador do nosso cotidiano. Já fizemos isso antes com grandes inovações ao longo do curso da história e acredito que dessa vez não será diferente.
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