Banking as a service envolve serviços bancários como cartões, seguros e contas (alengo/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 19 de fevereiro de 2023 às 10h00.
O termo "banking as a service" se refere a uma modalidade que tem crescido cada vez mais entre empresas. Nela, companhias de qualquer área, do varejo à tecnologia, conseguem oferecer produtos tradicionais de bancos, como cartões de crédito ou abertura de contas. E essa prática tem crescido cada vez mais, em parte graças aos avanços das tecnologias que a possibilitam.
Recentemente, os clubes de futebol São Paulo e Flamengo - dois dos maiores do Brasil - anunciaram que pretendem lançar em breve serviços bancários, incluindo a abertura de contas. Ao mesmo tempo, crescem os rumores de que o bilionário Elon Musk pretende incluir a oferta de serviços bancários no Twitter, a rede social comprada por ele, ainda neste ano.
Isso não significa, porém, que a inclusão desses serviços a um negócio ocorre de forma tranquila e sem desafios. À EXAME, especialistas destacam que a transição para o banking as a service demanda muito planejamento e um bom entendimento de como os serviços bancários serão usados, e quais. Além disso, é importante também saber se essa modalidade é vantajosa, o que varia de empresa em empresa.
Daniel Rojtenberg é diretor de desenvolvimento de negócios na Pomelo, uma empresa especializada em ajudar companhias a lançar seus próprios cartões de crédito e contas. Para ele, o avanço do banking as a service está ligado ao aumento da facilidade na integração desses serviços às operações das empresas de setores não-bancários.
"Antigamente, para criar operações e serviços financeiros, literalmente precisava criar um banco, e isso demorava no mínimo um, dois anos, tendo toda a parte de geração de cartão, conta digital, interoperabilidade de bandeiras. Hoje em dia, qualquer empresa, com uma tecnologia de base, consegue ter uma operação bancária em poucas semanas, foi um grande acelerador tecnológico que permitiu que as empresas oferecessem esses serviços", explica.
Ele ressalta que a modalidade começou a ganhar força principalmente com as empresas de varejo, mas que outros setores também já veem a opção como uma nova fonte de receita, em que é possível aproveitar uma base já existente de usuários para oferecer esses serviços. "Conforme as primeiras empresas começaram a fazer isso, perceberam que era mais fácil e lucrativo do que imaginavam. Foi um bom gatilho", comenta.
Rojtenberg avalia que a área de varejo se aproximou primeiro do banking as a service devido às grandes bases de clientes, mas o processo de adoção acabou sendo "relativamente lento, principalmente considerando a natureza desse segmento". A tendência, na visão dele, é a adoção em outros segmentos ocorra de forma mais rápida, mas a bancarização dependerá da "velocidade de implementação dessas ferramentas e a facilidade de operação de um serviço financeiro".
"Se você pensa em fintechs, empresas de tecnologia, elas conseguem ter uma curva de adoção muito mais rápida. Mas hoje, com a facilidade das ferramentas que existem e a possibilidade operacional, qualquer empresa pode se bancarizar rapidamente", pondera. E isso inclui desde uma rede social como o Twitter até os grandes clubes de futebol.
No caso da rede social, o executivo da Pomelo explica que a hipótese trabalhada por Musk é de que a rede serve como uma "ferramenta centralizadora", em que seria possível criar e oferecer outros serviços além da interação entre usuários. Esse já é o cenário nas redes sociais da China, por exemplo, e o Brasil recentemente avançou na área com o lançamento do WhatsApp Pay.
"A chave para descobrir se isso vai emplacar é entender o hábito do consumidor final, se ele consegue ter confiabilidade em um aplicativo de chat para que ele vire um meio de pagamentos, banco. É mais sobre confiança do que usabilidade", avalia. Já no caso dos clubes, ele vê a adoção como uma tendência, tanto devido à facilidade de implementação como pelas vantagens que podem ser oferecidas aos torcedores, como descontos e acesso facilitado aos estádios.
Outra empresa brasileira que está ligada ao movimento de bancarização é a Jazz. Seu CEO, José Roberto Kracochansky, afirma que a grande motivação por trás do crescimento do banking as a service é que "banco dá dinheiro", com uma "atividade muito rentável, então isso sempre vem à cabeça [das empresas], é algo interessante".
"No caso de marcas, como um time de futebol, tem clientes cativos, então o movimento de oferecer serviços financeiros dentro da sua base de clientes, sempre faz bastante sentido. O serviço bancário é quase uma commodity, são padronizados, mas uma marca é algo muito individual, ninguém torce pra dois times, só torce pra um time. Conceitualmente, é uma tese que faz sentido pensando em fidelização do consumidor", diz o CEO.
"O banking as a service é um movimento global, não é exclusivo do mercado brasileiro. De fato teve uma evolução da tecnologia, uma facilidade maior de consumo. Antes, tinha um ambiente bastante controlado por poucos players, e a partir do moimento que essa infraestrutura de pagamentos passou a ser compartilhada, permitiu a entrada de outros players no setor", destaca.
Entretanto, a implementação prática desses serviços bancários pode transformar um cenário ideal tranquilo em uma realidade bastante complicada. Kracochansky observa que, mesmo toda a inovação existente no mercado, ser um banco completo, oferecendo todos os serviços bancários atuais, ainda é "um desafio muito grande", em especial na operacionalização.
Tomando os times de futebol como exemplo, ele cita que a bancarização dos clubes pode ajudar a atingir brasileiros tradicionalmente sem acesso a crédito, mas há problemas como a própria condição dessas pessoas poderem tomar o crédito ou então o momento posterior, da cobrança: "receber todo mês uma cobrança do clube pode acabar deixando ele associado a algo ruim, uma tristeza".
Para ele, a transformação completa para um banco é uma "jornada longa, de médio e longo prazo, para ir adicionando mais serviços, como seguros, poupança. Mas no modelo de banking as a service, eles não costumam ser rentáveis. Sem crédito, é difícil atingir o objetivo principal, de rentabilizar a base dele".
O CEO da Jazz comenta que, em teoria, qualquer empresa com uma base grande de usuários tem uma oportunidade de explorá-la, mas "não dá para todo mundo querer virar banco, e nem precisa querer virar banco". "Tem serviços que você pode explorar financeiramente dentro da sua carteira de clientes, mas nem todos precisam de carteira digital, cartão. Todo mundo está testando a oferta completa, e o que vão descobrindo é que não precisa ser um banco para explorar esse serviço financeiro, é esse refinamento que vai acontecer".
Já Rotjenberg, da Pomelo, acredita que a maior parte das dificuldades no processo de bancarização já são solucionáveis pelas tecnologias e fluxos operacionais existentes, em especial a partir da contratação de empresas para isso. Ele acredita que, atualmente, dois dos principais problemas da modalidade são o envio de cartões, que demanda uma boa gestão devido à complexidade logística no Brasil, e a questão das fraudes.
"O brasileiro é muito criativo para criar golpes, e temos um índice de fraude muito grande. Uma empresa que está se bancarizando precisa ter ferramentas robustas de detecção de fraude, pensando em prevenção e gestão", destaca o executivo.
Além disso, ele não acredita que o banking as a service torne essas empresas de outros setores concorrentes diretos dos bancos tradicionais. "Muitos desses clientes não têm uma oferta de serviços financeiros adequada ao nicho em que atuam, então pode ser concorrência ou uma oportunidade de bancarização de determinado segmento que hoje nem está no radar dos bancos tradicionais. São coisas como oferta de crédito, envio de cartão, serviços financeiros para um público que hoje é mal atendido".
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