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CVM aponta 'indícios de crimes' da Binance, que se defende; entenda o caso

Maior corretora de criptomoedas do mundo está sendo investigada por órgão regulador desde 2020, com possíveis punições

Binance enfrenta processos nos EUA e no Brasil por reguladores (Binance/Divulgação)

Binance enfrenta processos nos EUA e no Brasil por reguladores (Binance/Divulgação)

João Pedro Malar
João Pedro Malar

Repórter do Future of Money

Publicado em 18 de abril de 2023 às 17h49.

Última atualização em 19 de abril de 2023 às 14h44.

A Binance é, atualmente, a maior corretora de criptomoedas do mundo, sendo um dos principais pontos de negociação de ativos digitais no mercado. Entretanto, a empresa tem enfrentado alguns problemas com reguladores nos últimos meses. Apesar do caso mais famoso ter sido um processo pela Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC) instaurado neste ano, a exchange é investigada desde 2020 pela CVM no Brasil.

A investigação pelo regulador brasileiro foi marcada por um vai e vem, mas se concentrou na aparente oferta de negociação de derivativos de criptomoedas - ou seja, contratos em torno do comportamento futuro dos preços desses ativos. É o que mostram documentos sobre o processo que foram obtidos pela EXAME após solicitação junto ao órgão.

A EXAME analisou todos os documentos disponibilizados pela CVM e entrou em contato tanto com o órgão quanto com a exchange para entender melhor como o processo ocorreu, seu ponto atual e os possíveis desdobramentos. Confira o passo a passo da investigação que mira a corretora:

O começo - 2020

A investigação da CVM começou graças à publicação de uma reportagem no site do Valor Econômico que anunciava, em junho de 2020, que a Binance passaria a oferecer no Brasil a negociação de contratos futuros trimestrais do bitcoin. Os contratos poderiam ser comprados e negociados pelos clientes da exchange a partir da Binance Futures, plataforma exclusiva para esse tipo de produto.

Após tomar conhecimento da publicação, a CVM decidiu instaurar um processo de investigação para apurar essa oferta. Em um despacho publicado no mesmo mês, o órgão observou que "apesar da Binance ser empresa cujo foco é a atuação como intermediária na compra e venda de criptomoedas (1036781), atividade fora da competência legal da CVM, a apuração conduzida comprovou que a empresa citada vem fazendo oferta pública de derivativos".

O principal problema dessa oferta, como a CVM explica no despacho, é que ela acabaria infringindo o Parecer de Orientação 33 do órgão, publicado em 2005. Ele estabelece quais agentes podem oferecer determinados produtos para investidores. No caso dos derivativos de qualquer tipo de investimento, é preciso ter autorização prévia do órgão.

Mas essa autorização não foi solicitada ou concedida para a Binance. O regulador destacou ainda que o site da corretora tinha "vasto conteúdo em português, com informações sobre futuros de criptomoedas que poderiam ser operados com até 125x de alavancagem após a abertura de conta 'em menos de 30 segundos'. A página também traz links para vídeos e informa da existência de aplicativos da empresa. Não é mencionada qualquer restrição a investidores residentes no Brasil".

As informações foram baseadas em um parecer técnico emitido pela CVM, que por sua vez foi usado para estabelecer a chamada "stop order", uma ordem do regulador para o fim do oferecimento de determinado produto ou operação, nesse caso os derivativos de bitcoin. A Binance foi notificada sobre o caso e a ordem, emitida em julho de 2020, e concordou em cessar a operação.

No mesmo mês, a CVM enviou uma notificação para o Ministério Público do Estado de São Paulo notificando sobre "existência de indícios da prática de crime de ação penal pública" em torno da oferta da Binance, abrindo a possibilidade de investigação própria pelo MP.

Nova apuração - 2021 e 2022

Já em fevereiro de 2021, a CVM receberia um pedido de esclarecimento por parte da Polícia Federal em torno da oferta de derivativos de criptomoedas pela Binance. Em resposta, o órgão explicou que o processo teve caráter investigativo e não sancionador, com a determinação de fim da atividade.

Na época, porém, o órgão explica que "apesar de verificarmos indícios de que a alertada continue ofertando derivativos a investidores residentes no Brasil, não foi possível a instauração do processo administrativo de natureza sancionadora por se tratar de instituição estrangeira".

Essa posição acabaria mudando em menos de dois anos. Em janeiro de 2022, a CVM divulgou um parecer técnico em que abordou uma reclamação de um investidor feita em 2021 e uma denúncia da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto). Ambos acusavam a Binance de continuar oferecendo aos investidores brasileiros a opção de negociar derivativos.

O parecer cita ainda uma notícia que também informava da continuidade dessa oferta. Os analistas do regulador destacaram que, após a ordem de fim de operações, a página da Binance em seu site no Brasil para derivativos foi excluída, e o site passou a oferecer apenas compra e venda à vista.

Entretanto, a CVM constatou que era possível que investidores mudassem o idioma do site do português do Brasil para o português de Portugal. Ao fazer isso, o usuário brasileiro "recebe uma mensagem recomendando a troca para a versão brasileira", mas ainda podia continuar nessa versão e, aí, ter acesso aos derivativos oferecidos pela empresa.

À época, o parecer defendeu que "essa medida é suficiente para distinguir, entre os serviços e produtos disponíveis na página, aqueles que estão efetivamente sendo oferecidos aos investidores residentes no Brasil. A versão da página voltada a Portugal traz entre as opções disponíveis os "derivados", incluindo futuros. A versão brasileira, no entanto, não faz qualquer menção a derivativos".

Houve ainda uma outra investigação em 2021 em torno dos chamados "stock tokens", que seriam versões tokenizadas de ações. Apesar da CVM ter considerado que esses ativos poderiam ser enquadrados como valores mobiliários, eles não estavam mais disponíveis para negociação.

O parecer concluiu que "a Binance "atuou de forma irregular, ao ofertar valores mobiliários publicamente no Brasil sem ser integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários previsto no art. 15 da Lei 6.385. No entanto, tal conduta teria ocorrido apenas em determinado período e teria cessado após a edição da stop order". Por isso, não houve mudança de um processo investigativo para um sancionador, que poderia levar a punições.

Processo sancionador - 2022

Mas essa posição acabaria mudando ainda em 2022. Em maio, uma matéria do site Portal do Bitcoin acusou a Binance e seu serviço de suporte a clientes de incentivar e orientar investidores brasileiros sobre como burlar as mudanças na versão brasileira do site para ter acesso à negociação de derivativos ao trocar o idioma do site. A denúncia foi semelhante à feita pela SEC ao processar a Binance neste ano por ofertar derivativos para investidores norte-americanos.

Isso fez com que, em junho, a CVM solicitasse uma manifestação da Binance sobre as acusações, "visto que ela parece indicar a continuidade da conduta irregular objeto do Ofício de Alerta". Nesse comunicado, o órgão relembrou que a corretora não tem permissão para negociar derivativos, e que a notícia traria "indícios claros de inadequação".

O regulador solicitou registros do atendimento citado na notícia e mais informações sobre os canais de atendimento da exchange e medidas para evitar a negociação de derivativos. A corretora de criptomoedas não atendeu a solicitação no prazo dado, que chegou a ser estendido.

Entretanto, a falta de resposta fez com que a CVM decidisse abrir um processo sancionador contra a Binance. As informações sobre esse processo faziam parte dos documentos solicitados pela EXAME, mas a exchange pediu que eles fossem mantidos em sigilo junto com outros documentos. O órgão entendeu que os documentos realmente estavam sob sigilo legal, e portanto não poderia compartilhá-los.

Outros documentos, porém, apontam que o processo sancionador teria sido iniciado em julho de 2022. Já em agosto, a Binance chegou a pedir junto ao órgão um novo prazo para fornecer todas as informações solicitadas pelo regulador, ainda na etapa de processo investigativo. O pedido foi negado.

Assim como em 2020, a CVM enviou para o Ministério Público do Estado de São Paulo um aviso de que haveria a "existência de indícios da prática de crimes de ação penal pública" por parte da corretora de criptomoedas, abrindo margem para outra investigação pelo órgão.

A EXAME entrou em contato com o MP de São Paulo para esclarecer se há alguma investigação em andamento por parte do órgão. Em nota, o órgão informou que "há um inquérito contra a Binance tramitando no MP do Rio de Janeiro. A Promotoria do Consumidor da Capital, do MPSP, instaurou um inquérito e aguarda informações que foram pedidas ao MPRJ sobre o caso".

Qual a situação atual da Binance?

Uma das últimas atualizações disponíveis sobre o caso foi em 28 de fevereiro deste ano. Um ofício interno da Comissão de Valores Mobiliários revela que a Binance enviou um Termo de Compromisso para ser analisado pelos reguladores.

Isac Costa, professor do Ibmec e sócio do Warde Advogados, explica que o termo "é um instrumento consensual que não implica a assunção de culpa e envolve o pagamento de certo valor negociado com o regulador e, eventualmente, uma obrigação de fazer ou não fazer" determinada ação. O termo será analisado e aprovado, ou não, pelo colegiado da comissão, o que pode dar um fim ao processo sancionador.

Caso o termo seja assinado, a Binance precisará pagar um determinado valor para a CVM e poderá precisar mudar novamente a forma como os investidores brasileiros acessam produtos de derivativos. Atualmente, ao mudar a língua do site, o usuário se depara com o aviso citado na reportagem de 2022, mas ainda tem acesso à pagina de negociação de derivativos.

Binance derivativos

Captura de tela mostra oferta de derivativos em outras versões do site da Binance (Reprodução/Reprodução)

Ao ser questionada pela EXAME sobre o caso, a exchange enviou a seguinte nota: "A Binance não comenta investigações em andamento, reitera que não oferece derivativos no Brasil, que atua em conformidade com o cenário regulatório local e mantém permanente diálogo com as autoridades para desenvolvimento do segmento de cripto e blockchain no Brasil e no mundo".

Já a CVM declarou que o processo inicialmente aberto em 2020 "recebeu novos fatos após as tratativas iniciais", levando aos desdobramentos nos anos anteriores. As novas investigações levaram à abertura de um Processo Administrativo Sancionador, que ainda está em curso. Entretanto, o órgão não comenta processos específicos.

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