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Crypto Insights: o inverno do nosso descontentamento

Em 2022, o mundo inteiro descobriu o que é o "inverno cripto". Essa fase ruim irá acabar em 2023? Que aprendizados o investidor pode tirar disso?

Em 2022, "inverno cripto" acometeu o setor (Andriy Onufriyenko/Getty Images)

Em 2022, "inverno cripto" acometeu o setor (Andriy Onufriyenko/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 2 de janeiro de 2023 às 12h51.

Última atualização em 2 de janeiro de 2023 às 13h18.

Por André Portilho*

@anportilho

“Esse é o inverno do nosso descontentamento”.

Com essa frase, Shakespeare começa a peça Ricardo III. E parece ser essa a sensação da maioria das pessoas que hoje investem ou trabalham com cripto. Um inverno frio, escuro e doloroso. Mas logo depois a narrativa muda, tomando um tom bem mais otimista: “convertido agora em glorioso verão por este sol de York”.

Independentemente do desfecho da peça shakespeariana, que não vem ao caso aqui para nossa analogia, 2022 foi um ano frio, escuro e doloroso para cripto. Mas que também, como veremos aqui, foi um ano de grandes avanços na tecnologia e em criar as bases para um desenvolvimento sustentado nos próximos anos.

Fazer uma retrospectiva sucinta do ano de cripto é um desafio. Dois mil e vinte e dois foi um ano em que aconteceu praticamente de tudo. Queda nos mercados, regulação no Brasil, fraude e quebra de empresas, evoluções importantes na tecnologia, enfim... Nesses momentos é fundamental saber separar o que é exagero, histeria e manchetes fáceis de jornal, do que é concreto e tem fundamento. Separar o sinal do ruído.

Para cobrir melhor os assuntos, vamos dividir essa retrospectiva em três partes que na sequência do próximo Crypto Insights serão seguidas pelas perspectivas para cripto em 2023. Na Parte 1 falaremos de tecnologia, na Parte 2 de mercado e na Parte 3 de regulação/adoção.

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Parte 1 – Tecnologia: o ano dos NFTs e da grande virada da Ethereum

O ano de 2022 foi de importantes avanços na tecnologia cripto. Começando com o grande hype dos NFTs. Eleita a palavra do ano de 2021, logo no início de 2022 vivemos seu boom, com notícias de coleções novas, aumento no volume das operações e, em consequência, dos preços.

Essa movimentação toda foi importante pois, ainda que com grande pegada especulativa, serviu para divulgar e atrair muita gente para o mundo cripto em um uso que não o financeiro e com um alcance mais abrangente, abrindo as portas para uma discussão aprofundada das possibilidades da Web 3.

Redes sociais como Instagram, Facebook e Twitter ajudaram a popularizar o assunto ao incorporar funcionalidades de NFTs em suas plataformas. Grandes marcas e empresas também aderiram à tecnologia, emitindo tokens não fungíveis e explorando como incorporá-los em suas estratégias de monetização, marketing e engajamento.

Nike, Adidas, Starbucks e a brasileira Reserva são alguns nomes que lançaram produtos e coleções criadas exclusivamente dentro do ecossistema dos blockchains.

Essas ações de grandes marcas e plataformas são só o início de uma grande revolução. É uma pequena amostra do universo de possiblidades de inovação que a Web 3 vai trazer. Se tudo isso aconteceu em apenas um ano, podemos esperar que 2023 traga muitas outras novidades.

(Mynt/Divulgação)

Junto dos NFTs e da maior visibilidade da Web 3, tivemos uma mudança importantíssima no Ethereum. Ao fazer, com sucesso, a transição do mecanismo de consenso de Proof of Work (PoW) para Proof of Stake (PoS), movimento que ficou conhecido como “The Merge”, a rede Ethereum deu um importante passo para sua consolidação como principal plataforma para desenvolvimento de aplicações (falarei mais sobre essa mudança em futuros Crypto Insights).

Hoje, a Ethereum já é o principal blockchain para projetos de DeFi e Web 3. O problema é que com cada vez mais gente usando a rede e, ao mesmo tempo, com a baixa escalabilidade dos mecanismos de PoW, as taxas de uso estavam ficando proibitivas. Com isso, outros projetos apelidados de “assassinos da Ethereum”, mais escaláveis e baratos, foram sendo desenvolvidos e ameaçavam, ainda que timidamente, a supremacia de rede criada por Vitalik Buterin. Com o “The Merge”, o Ethereum avança mais um estágio na sua evolução e passa a ser cada vez mais dominante.

Não posso terminar este texto sem a menção honrosa à Polygon, uma blockchain que está mais para uma “sidechain”, ou seja, usada como plataforma de colaboração para outras. Ao se apoiar e se aproximar de empresas e projetos práticos em NFTs e Web 3, como fez com a Nike e o Starbucks, a rede se posicionou como uma opção complementar ao Ethereum, se alavancando na base instalada e possivelmente ocupando um nicho importante para o futuro.

Parte 2 – Mercado: 100 anos em um

Agitado, surreal, nervoso, desafiador. Não importa qual o adjetivo que se use para descrever o mercado cripto em 2022, o fato é: foi um ano particularmente difícil.

As quedas das máximas históricas já tinham começado em novembro de 2021 e aceleraram ao longo de 2022. Diferentemente de outros movimentos passados, esse teve sua origem quase que totalmente vinda de fatores externos ao mundo cripto.

A inflação alta no mundo inteiro e a consequente atuação do Fed (banco central americano) subindo o juro de zero para perto de 5% a.a., causou uma fuga em massa dos ativos de risco pelo mundo. Cripto não saiu ileso e teve quedas acentuadas ao longo do ano, além de ter apresentado uma alta correlação com os ativos tradicionais. Um ponto importante em relação a isso é que essas quedas não foram desproporcionais aos outros ativos de risco, como ações de tecnologia por exemplo.

Embora os principais criptoativos tenham caído mais que o Nasdaq, índice que concentra as principais ações de tecnologia do mercado, quando olhamos as ações menos maduras de tecnologia, as quedas são bem semelhantes. Netflix, Zoom, PayPal, Peloton etc.

E para surpresa da turma mais antiga de cripto, tivemos de passar o ano analisando essas coisas mundanas como taxa de juro, inflação, PIB, e atuação de banqueiros centrais. Bem-vindos ao mercado!

Mas os grandes acontecimentos no mercado cripto em 2022 não vieram da parte macro, embora tenham sido disparados por ela. Vieram da parte micro. E não é injusto dizer que a turma se superou. Parte da indústria de cripto (e aqui friso “parte da indústria”, pois é de fato, apenas uma parte) conseguiu repetir em um ano praticamente todos os problemas que a indústria financeira tradicional demorou 100 anos pra fazer.

Alavancagem excessiva, pouca transparência, conflitos de interesse entre empresas, falhas de governança, má gestão de risco, erros operacionais, falhas de cibersegurança e para terminar com chave de ouro, fraude. Uma das maiores de todos os tempos. Parabéns aos envolvidos!

O colapso de Terra Luna em maio desencadeou um efeito dominó que quebrou uma série de empresas (Three Arrows Capital, Voyager Digital, Celsius, Blockfi etc.), expôs interdependência e conflitos entre empresas e culminou com a quebra da FTX e Alameda Research, dois dos agentes mais respeitados de cripto até então.

O caso específico da FTX e Alameda é muito importante e deve ser analisado mais de perto para não se correr o risco de jogar o bebê fora junto com a água suja do banho. A quebra da FTX foi uma consequência direta de alavancagem excessiva, má gestão de risco e ambição desmedida seguidas de fraude. Simples assim.

Essa série de más condutas não podem ser confundidas com a tecnologia e com os avanços trazidos pela plataforma como muitos detratores têm feito. E do outro lado, deixou claro que uma regulação para os intermediadores centralizados de cripto é fundamental. A indústria financeira aprendeu isso ao longo de 100 anos e com cripto não deve ser diferente.

O ponto aqui é se ter uma regulação que não pese a mão e coíba a inovação e o desenvolvimento da tecnologia.

Terminamos o ano com as principais criptos em níveis descontados sob a ótica de várias métricas. Desconto esse fruto do cenário macro como já citado acima e de todas as incertezas presentes no mercado. Além disso as consequências da quebra da FTX tiveram um efeito menor do que se poderia prever. Isso também mostra alguma resiliência dos preços e aumenta a assimetria de alocações nesses níveis.

Recentemente, no último Superbowl, uma empresa de cripto veiculou um anúncio que dizia Fortune favors the brave. Algo como “a sorte favorece os bravos”. Isso foi uma das marcas dos excessos de mercado que vimos nessa última onda de alta. Nas mesas de operação existe um ditado que fala que “o cemitério está cheio de heróis”.

O que esse ditado quer dizer é que em investimentos, a sorte nunca favoreceu os bravos. A sorte favorece quem estuda, analisa, gere bem os riscos, tem paciência e ambição de longo prazo. Só quem faz isso está preparado para tomar boas decisões em momentos como o de agora.

Parte 3 – Regulação/adoção: cripto é inevitável. A regulação também.

2022 foi um ano onde a adoção institucional seguiu aumentando. Lá fora o Bank of New York, maior custodiante do mercado tradicional, lançando serviços de custódia de cripto; Fidelity passando a oferecer cripto em sua plataforma de varejo; BlackRock, maior gestor de recursos do mundo, começando a oferecer cripto para seus clientes institucionais; Goldman, Santander, JPMorgan e outros fazendo pilotos com tokenização; gigantes multinacionais adotando NFTs em sua estratégia etc. Aqui no Brasil observamos várias ações na mesma linha, começando com o lançamento da Mynt pelo BTG Pactual e várias outras ações na mesma linha pelo Nubank, XP, Mercado Pago etc.

Na parte regulatória tivemos a aprovação da Lei de Ativos Virtuais aqui no Brasil que foi o primeiro passo para elaboração de uma regulação mais clara por parte do Banco Central. Regulação essa que vai vir em paralelo com o projeto do Real Digital e vai muito além de uma CBDC, pois pressupõe toda uma nova infraestrutura para a indústria financeira brasileira.

Seguindo as inovações do Pix e Open Finance dos últimos anos, essa nova infra baseada em blockchain é a última fase da transformação do sistema financeiro brasileiro. Um sistema de fato adaptado para um mundo digital como o que vivemos. Além disso na última semana a CVM soltou uma nova norma permitindo os Fundos de Investimento Financeiro (FIFs) a ter cripto em suas carteiras. Isso abre um novo e enorme potencial de alocação em cripto e coloca o Brasil na fronteira regulatória no mundo.

Com isso tudo podemos dizer que o inverno vai passar e um verão de inovações e desenvolvimentos já está em curso. A tecnologia cripto vai trazer transformações profundas que vão muito além da indústria financeira e isso vai trazer enormes oportunidades de negócio e carreira. Se você ainda não entende de cripto não perca tempo em se aprofundar. Summer is coming.

Um grande abraço e até o próximo Cripto Insights!

*André Portilho é responsável pela área de Ativos Digitais do BTG Pactual e head da Mynt, plataforma de investimentos em criptoativos. Com mais de 25 anos de experiência no mercado financeiro, Portilho começou sua carreira como estagiário no Banco Icatu, no Rio de Janeiro, em 1993. Em 1994, mudou para a mesa proprietária para negociar ações e opções de ações. Em 2000, ingressou no BTG Pactual para iniciar a mesa de negociação de derivativos de ações. Três anos depois, criou a mesa de negociação de derivativos de câmbio para atuar como market maker nos mercados de BRL local e offshore. Em 2004, tornou-se responsável pelas mesas de negociação de ações e derivativos de câmbio da América Latina com traders no Rio de Janeiro, São Paulo e Stanford. Foi o responsável pela expansão da mesa de trading de volatilidade para os mercados internacionais em 2012. Em 2017, montou a mesa de Digital Assets do BTG Pactual, pioneira no mercado de crypto entre os bancos brasileiros. Em 2019, liderou o lançamento do ReitBZ, o primeiro security token emitido por um banco no mundo.

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