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Tivemos uma "Davos paralela" só de criptoativos, diz André Portilho

Para André Portilho, head de Digital Assets do BTG Pactual (BPAC11), as criptomoedas se tornaram protagonistas do Fórum Econômico Mundial

Andre Portilho, head da Exame Academy (Leandro Fonseca/Exame)

Andre Portilho, head da Exame Academy (Leandro Fonseca/Exame)

A edição 2022 do Fórum Econômico Mundial de Davos vai provavelmente ser lembrada como a "mais cripto” da história.

Nessa edição, os criptoativos conquistaram o mesmo espaço de temas tradicionais do Fórum de Davos, como sustentabilidade ou regulamentação de mercados financeiros.

Para André Portilho, head de Digital Assets do BTG Pactual (BPAC11), este ano assistimos a uma “Davos paralela de cripto”.

Em entrevista exclusiva à EXAME, o executivo salientou como o Fórum começou a abordar de vez questões que mostram como os criptoativos entrarão na vida das pessoas nos próximos cinco, dez anos.

Além disso, o nível do debate está extremamente qualificado. O que demonstraria um interesse real por parte dos stakeholders pelo universo cripto.

Confira o principais trechos da entrevista com André Portilho.

Nunca se viu tanto interesse no Fórum de Davos pelas criptomoedas e pelo blockchain em geral.

Na edição de Davos 2020 já tinha um cenário bem bacana. Essa questão começou a ser discutida há cerca de três fóruns. Se criou um verdadeiro Fórum de Davos de cripto "paralelo".

Muita gente de cripto veio para Davos, muitas empresas, muitos especialistas do setor vieram para Davos nessa semana não para participar dos trabalhos e sim para conversar entre si.

Tem exchanges, tem startups de cripto, tem muita empresa que está usando essa solução para se aprimorar nessa Davos paralela, de Coinbase até a Filecoin, passando pela Copper, que talvez seja o segundo maior custodiante de criptoativos do mundo e provedor de tecnologia para cripto.

Entretanto, esse Davos mais “cripto” ocorreu bem no meio de uma queda do preço dos ativos por causa da alta dos juros no mundo inteiro. Essa correlação vai continuar no futuro?

No futuro próximo sim. Mas no médio-longo prazo não. Enquanto tiver alta de juros e de inflação, as pessoas meio que saem de tudo. Vendem toda a carteira e compram títulos do Tesouro.

Mas não faz tanto sentido assim ativos de blockchain ou outras criptos serem impactadas dessa forma com as taxas de juro. Elas têm por contaminação. Quando sobre taxa de juro isso impacta todos os ativos que têm fluxo de caixa, pois você traz a valor presente e cai.

Ativos como ouro não deveriam ter esse impacto, mas têm uma contaminação. É o caso do bitcoin. A pergunta é: essa correlação vai se quebrar no futuro? Essa é uma expectativa que o pessoal de cripto tem. Vamos ver o que vai acontecer.

A questão sustentabilidade das cripto ficou nos holofotes em Davos este ano.

Exato. Tem a questão do consumo de energia, mas tem também a questão de como usar o bitcoin para você melhorar os processos e controles sustentáveis. Então, desde você fazer token de carbono, para compensar emissões de carbono, até melhorar a transparência e a verificabilidade das cadeias produtivas no blockchain. E como o blockchain é transparente e imutável, isso permite uma verificação do produto

Davos antecipa o mundo em dez anos, em média. Você acha que estamos prestes a ver uma mudança significativa no mundo com maior presença de criptomoedas e de blockchain na vida das pessoas?

Poderia ser uma antecipação não intencional. As pessoas estão discutindo temas que têm demandas para serem discutidas. Comecei a ver isso há pouco tempo e está crescendo. E acho que faz sentido sim esperar uma mudança no futuro próximo.

E a abordagem da discussões são as mesmas que temos no Brasil? Ou em Davos a visão foi outra?

Em Davos tivemos uma abordagem mais ampla da discussão que vemos hoje no Brasil. No Brasil você tem muita discussão de exchange boas e ruins, de cripto como investimento e de cripto como infraestrutura. No Fórum foi mais amplo. Você tem muito mais questão de blockchain em outras indústrias além da indústria financeira. A parte de cadeia de produção, de sustentabilidade, e, óbvio, a parte financeira também. Mas a discussão no Brasil é mais restrita.

E as questões problemáticas que temos no Brasil ligadas ao universo cripto, passando de pirâmide financeira até fraudes com falsos blockchain.

São problemas específicos do Brasil. Muito mais característica do mercado brasileiro do que de cripto. Pirâmides financeiras infelizmente fazem parte de nossa história. A gente teve boi gordo, teve avestruz, teve vários ativos “na moda” que são escolhidos para pirâmides financeiras. E isso é bem brasileiro até pela própria “volatilidade” do brasileiro, que adora um bilhete de loteria e se tiver tecnologia envolvida melhor ainda. Fora do Brasil acontece muito pouco. O pessoal não cai mais nessa.

Estamos vendo cada vez mais mineradores migrando de lugares onde a energia é mais barata e tem menos compliance, menos controles. Essa tendência não é negativa para o mercado cripto como um todo?

Mais ou menos, pois em maio do ano passado a China baniu a mineração. Teve muita migração de gente para o Cazaquistão e países vizinhos, mas a maior mineração foi para os Estados Unidos. Esse é o país onde mais cresce a mineração no mundo. Pelo fato de ter muito gás, tem uma energia relativamente mais limpa do que as que se encontram na Ásia, é uma energia barata, e você tem um ambiente regulatório estável. Só que é um negócio que tem de rodar dentro das quatro linhas. A migração foi muito rápida. Os mineradores que tinham um negócio mais estruturado conseguiram ir para os EUA. Os que não conseguiram foram para os países periférico da Ásia central.

E como está o processo regulatório de criptoativos no Brasil?

Está progredindo. Inclusive, só para citar um exemplo de progresso, o projeto de lei de ativos digitais que tem na Câmara hoje, e que logo irá para a sanção presidencial, tem um dos artigos que preveem a isenção de impostos na importação de instrumentos para a mineração feita com energias limpas e renováveis. Está tudo indo nessa linha. E esse é um sinal importante, e pouca gente está dando atenção para isso, que poderia ser muito importante para o Brasil, pois poderia atrair boa parte da indústria mundial de criptoativos para o país. Gerando emprego, impostos, e contribuindo para o desenvolvimento do Brasil.

Qual a sua previsão para a aplicação dessa mudança legislativa?

Acredito que até o final do ano seja vigente. É necessário passar pela Casa Civil e provavelmente pelo Banco Central, mas as coisas estão se encaminhando para uma resolução rápida.

No último Fórum de Davos tinha a Greta. Este ano não convidaram a Greta. Por causa da guerra na Ucrânia e do aumento dos preços da energia, muita gente na Europa não está mais na onda de sustentabilidade. Como está isso no universo das criptomoedas?

A discussão amadureceu. No ano passado houve muita crítica em relação à sustentabilidade da mineração. No ano passado houve muita crítica em relação ao consumo de energia do bitcoin. O Elon Musk tinha passado a aceitar bitcoin e depois voltou atrás. A discussão foi muito intensa. Neste ano a discussão amadureceu. Segundo os relatórios, mais de 60% da produção de criptomoedas, e em especial bitcoin, é feita com energia limpa. Até porque energia limpa e renovável é mais barata, como a energia hidrelétrica. E o pessoal está vendo isso. E, além desse ponto de sustentabilidade, muitas vezes essa mineração é feita com energia excedente. Então é energia por definição mais barata, pois se você não usar se perde. E isso mudou a discussão. Pois está mostrando o benefício para o funcionamento de todo o sistema.

Na Europa, essa energia “limpa e renovável” é energia nuclear também. Ou, nos EUA, é o gás. De fato estamos falando de energia renovável ou é só para inglês ver?

Essa é outra questão. Você tocou em um ponto importante. A sensibilidade do mundo está mudando. Há cinco anos a energia nuclear não era considerada limpa. Agora é. O gás vai ser o próximo. Então tudo depende do momento. E isso faz sentido. É preciso ter bom senso. As pessoas estão entendendo que não é possível rodar o mundo na base de sol e energia eólica. É necessário ter um grid mais completo e mais complementar. A mineração de bitcoin entra exatamente nessa discussão. Vai usar um grid mais complementar. E muitas vezes a mineração de bitcoin pode até tornar o grid mais eficiente. Pois é o grande arbitrador de energia. Vai onde está a energia barata e limpa. E por isso acaba viabilizando a energia em determinados lugares onde não tem. Além disso, é interessante notar como se eu produzo energia limpa e barata na Islândia, não consigo mandar para São Paulo. Mas se eu realizar mineração de bitcoin na Islândia, consigo transferir o valor para São Paulo. Então a mineração se torna um grande arbitrador energético mundial.

Nas últimas semanas, autoridades monetárias americanas e europeias criticaram duramente as criptomoedas, dizendo abertamente que é necessária uma regulamentação rígida, pois a próxima crise poderia vir desse setor. Outros governos também estão apresentando essas críticas. Qual sua percepção sobre esse assunto?

A Janet Yellen teve de enfrentar há poucas semanas o problema grande da Terra (UST) – Luna, essa stablecoin que pulverizou seu valor. E isso provocou obviamente uma volta discussão sobre a regulamentação. Mas neste caso estão falando sobre algo específico para as stablecoin. A Yellen, todavia, disse que as stablecoin não representam hoje um risco sistêmico pois, embora tenham crescido muito, não representam um risco sistêmico. Pois não são tão grandes assim. A questão das stablecoin, lastreadas em dólares ou euros, mesmo se rodando em blockchain, provavelmente precisa sim de uma regulamentação. Não se sabe como. Não está claro. O que é certeza é que precisa ainda de muita discussão sobre isso. Stablecoin é uma coisa, cripto, como Bitcoin, é outra coisa. E o discurso varia. E também se a Yellen faz comentários mais duros, as discussões no Congresso dos EUA são muito diferentes. Os congressistas querem regular, mas não querem matar a indústria. Não querem coibir o setor. União Europeia é outro bicho. Eles estão com uma visão mais pesada do que os EUA, mas com o setor de tecnologia como um todo.

Então, qual é a visão do futuro que há em Davos sobre o universo dos criptoativos?

Há dois fenômenos que estão acontecendo agora. Primeiro a discussão muito da tecnologia, DeFi, finanças decentralizadas, Web 3.0, que nada mais é que cripto permitindo que a internet seja mais aberta, individualizada e impessoal. E, do outro lado, o que está acontecendo no mercado com um todo: inflação alta, aumento da taxa de juro, e provavelmente um ambiente pior para todas as empresas e fintechs de cripto como um todo, pois o capital vai secar um pouco. Então, de um lado uma discussão muito avançada no âmbito da tecnologia, sobre o que pode acontecer e mudar, e do outro eventualmente sobre a “secada” do capital abundante.

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