Axie Inifity é o game play-to-earn com NFTs mais popular do mundo, mas vários outros têm crescido neste mercado (Axie Infinity/Divulgação)
Coindesk
Publicado em 2 de agosto de 2021 às 12h59.
Última atualização em 2 de agosto de 2021 às 13h55.
As contas bancárias podem ser aclamadas como o marco da inclusão financeira, mas representam muito pouco para aqueles que não têm uma ainda. Mesmo para os mais privilegiados que têm acesso, uma conta por si só não necessariamente qualifica seu dono para acessar uma conta poupança com juros competitivos, um empréstimo ou seguro — ou seja, todos os tipos de produtos e serviços que poderiam realmente ajudar alguém a melhorar sua posição financeira e seu status econômico neste mundo.
Eu sou nascida e criada nas Filipinas, e por aqui apenas 23% dos adultos têm uma conta bancária. De acordo com um estudo de 2017 sobre inclusão financeira realizado pelo nosso banco central, a principal razão mencionada pelos respondentes foi que eles simplesmente não tinham dinheiro suficiente para precisar de uma. Para a vasta maioria de pessoas aqui, que ganha pouco mais de 300 dólares por mês, uma conta bancária é vista como algo que possui taxas muito altas e irá descontá-las do seu dinheiro sem nenhuma razão específica.
Eu sempre acreditei que deveriam existir oportunidades para que as pessoas investissem e criassem riqueza por contribuir com outros recursos de valor econômico como tempo e habilidades, mesmo que eles não tenham nenhum dinheiro para começar. Pensar puramente em termos monetários é um meio um pouco arcaico de olhar para o valor que as pessoas podem trazer para uma economia, especialmente conforme a infraestrutura digital está diminuindo as barreiras de acessibilidade e tornando os objetivos de inclusão atingíveis como nunca foram antes.
Nos primeiros passos da Coins.ph, corretora de criptomoedas e carteiras digitais fundada em 2014 nas Filipinas que fornece seus serviços a 10 milhões de pessoas hoje em dia, nós trabalhamos muito para estabelecer os trilhos de pagamento necessários que iriam permitir que os filipinos comprassem e vendessem criptomoedas. Por exemplo, uma pessoa desbancarizada — sem conta bancária — poderia depositar pesos em sua carteira online na loja de conveniência mais próxima, e a partir daí este usuário poderia comprar dados móveis ou pagar suas contas eletronicamente.
Nesse caso, a pessoa ainda foi favorecida com uma maior eficiência para realizar transferências locais e internacionais, já que elas custam muito menos tempo e dinheiro quando são titularizadas por criptoativos do que opções mais tradicionais. Naquele momento isso foi revolucionário, e a métrica de impacto que disponibilizamos em nosso site foi o número de horas que as pessoas economizaram em filas de banco.
É claro que os usuários também podiam comprar e vender criptomoedas pelo nosso app de celular, e ainda hoje muitos dizem que sua primeira experiência com investimentos foi graças ao Coins.ph. Enquanto isso permitiu que os filipinos avançassem passos significativos quanto à sua liberdade financeira, ainda existe muito a se fazer. Porque muitas das oportunidades mencionadas acima, que são apresentadas por economias baseadas em criptomoedas, necessitam que o usuário tenha um capital inicial para participar. E isso seria um obstáculo intransponível para muitos em um lugar onde um quinto da população vive abaixo da linha da pobreza.
É por isso que o fenômeno do play-to-earn (ou "jogue para lucrar") dos jogos de NFTs é tão poderoso, porque os usuários não precisam colocar dinheiro nisso — eles podem ganhá-lo através de participação ativa em um jogo de videogame. Isso está promovendo oportunidades de acesso à criação de riquezas sem precedentes, especialmente em países em desenvolvimento onde estivemos observando um grande fluxo de pessoas querendo entrar na moda. Mas a demanda em crescimento também aumentou o custo dos NFTs necessários para jogar, o que nos coloca de volta na posição em que começamos, com taxas de admissão caras tornando os jogos do estilo play-to-earn inalcançáveis para aqueles que mais poderiam se beneficiar deles.
Foi exatamente isso que inspirou a mim e meus cofundadores para criarmos a Yield Guild Games (YGG). Com o objetivo de embarcar milhões de jogadores no metaverso, nós começamos a investir em NFTs de rendimento nos jogos do estilo play-to-earn mais promissores, com o propósito de realizar empréstimos desses ativos aos nossos membros. Os jogadores recebem 70% do que ganham no jogo, enquanto 20% vai para o Gerente da Comunidade, a pessoa responsável por recrutar e tornar os jogadores competitivos. Os 10% restantes voltam para o YGG para cobrir custos do projeto.
“No fim das contas, os jogos play-to-earn representam uma chance para que as pessoas se tornem mais do que a situação financeira em que nasceram permite”
O modelo não é apenas popular, mas também bem-sucedido. Até o momento, embarcamos 3.300 novos jogadores e lucramos coletivamente mais de 27 milhões de SLP (o token de recompensas do jogo Axie Infinity, um dos mais populares do gênero no mundo). Nos preços de hoje, esses tokens valem por volta de 7,29 milhões de dólares. Nesse ponto, é importante notar que essa não é uma média de crescimento de startups. Esses números representam milhares de vidas que melhoraram significativamente por conta dos esforços da YGG em países como Filipinas, Indonésia, Índia, Venezuela e Brasil.
Isso está redefinindo o significado de “gastar tempo” em um jogo. No passado, uma conta para jogos era algo que gastava horas do seu tempo para pouco ou nenhum retorno. Mas agora com os jogos de NFTs, o tempo e a habilidade de um jogador tem retorno financeiro no mundo real, gerando renda e contribuindo para a criação de riqueza, quebrando o ciclo de pobreza e dívida. Assim, se torna um veículo que promove outros serviços financeiros relevantes como a educação financeira. No fim das contas, os jogos play-to-earn representam uma chance para que as pessoas se tornem maiores do que a situação financeira em que nasceram.
A Yield Guild já está tornando as NFTs de rendimento acessíveis para seus membros. Os próximos passos consistiriam em melhorar a acessibilidade de empréstimos em criptomoedas, especialmente para indivíduos e negócios em países com economia em desenvolvimento a fim de prover um capital que não está sendo fornecido nesses mercados. Dados de sua atividade em carteira, como as horas gastas jogando e as premiações recebidas, poderiam ser utilizados para formar modelos alternativos de pontuação (score) de crédito, tornando os jogadores elegíveis para outras formas de empréstimo.
Essa nova intersecção entre jogos e finanças subverte completamente a forma que pensamos sobre participação financeira e criação de riqueza. Mais que bancarizar os desbancarizados, o play-to-earn é um sistema que recompensa e impulsiona tempo e habilidade em oposição ao privilégio. Através da experiência, as comunidades (dos jogos) pode gerar renda, reinvestir seus lucros e elevar seus status econômicos. Ainda mais, esses jogos de NFTs podem ser a porta de entrada para acessar serviços financeiros alternativos e também melhorar a alfabetização financeira. Além disso, eles tornam o aprendizado, lucro e investimento divertidos. Isso é mais do que qualquer pessoa jamais disse sobre uma conta bancária.
*Beryl Li é cofundadora da Yield Guild Games (YGG), comunidade para jogadores de games "play-to-earn". Foi cofundadora e CEO da CapchainX empreendedora residente na exchange Coins.ph. Como consultora de instituições financeiras, Beryl começou sua carreira no mercado de capital de risco em Xangai, em 2012. É mestre em finanças pela Universidade de Cambridge e presidente da Cryptocurrency Society da Universidade de Cambridge.