Criptomoedas podem ajudar latinoamericanos a se proteger contra a inflação (Reprodução/Unsplash)
Da Redação
Publicado em 12 de novembro de 2022 às 10h00.
O mercado de criptomoedas na América Latina está em franca expansão. Dados do Geography Report, divulgados pela Chainalysis, indicam que o volume recebido em criptomoedas por países da região cresceu de US$352.8 bilhões em 2021, para US$562 bilhões neste ano - aumento de cerca de 40%. Na região estão cinco dos trinta países que mais utilizam esses ativos: Brasil (7), Argentina (13), Colômbia (15), Equador (18) e México (28).
Entretanto, o uso de criptomoedas é muito diferente em cada um desses mercados. No Brasil, por exemplo, há uso mais intenso dos ativos digitais como forma de investimento especulativo, em detrimento do uso para compras ou transações entre indivíduos.
As diversas aplicações das criptomoedas se moldam conforme as necessidades de uma população. Na América Latina, um dos principais usos está justamente em armazenar fundos e proteger o poder de compra.
Países europeus e os Estados Unidos têm enfrentado altas taxas de inflação em decorrência de diversos fatores econômicos e políticos. Um deles é o escoamento de economias das famílias no pós-pandemia. Com o retorno das atividades e serviços sem medidas de restrição à circulação, aumentou a quantidade de dinheiro em circulação, elevando os preços de forma geral.
Outro importante fator é a crise entre Rússia e Ucrânia, que sustentou esses efeitos inflacionários em todo mundo. O impasse entre os dois países fez com que o preço dos combustíveis e, por conseguinte, dos alimentos disparasse globalmente. Na Europa, o fornecimento de energia elétrica é um agravante com crescente preocupação conforme o inverno se aproxima.
O descontrole inflacionário também atingiu a América Latina. Segundo um levantamento da BBC News, as seis principais economias da região – Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, México, e Peru – registraram em julho a taxa média de inflação de 19,6% ao ano. Entretanto, inflação não é novidade nesses países.
Muitos mercados da região já enfrentaram taxas inflacionárias acima dos 1.000% desde a década de 80, algo inimaginável para o atual cenário econômico dos europeus e norte-americanos. Uma das ferramentas utilizadas hoje por muitos latino-americanos para proteger seus fundos da volatilidade são as criptomoedas, especialmente em países que ainda sofrem com hiperinflação, como Argentina e Venezuela, que acumulam taxas de 83% e 157%, respectivamente, no acumulado de 12 meses.
A Venezuela é um caso com muitas particularidades. A moeda nacional venezuelana, o Bolívar, desvalorizou mais de 100.000% de dezembro de 2014 a setembro de 2022. Esse cenário colaborou para o crescimento de 32% no volume recebido em criptomoedas no país - saindo de US$ 28,3 bilhões em 2021, para US$ 37,4 bilhões neste ano. Segundo a Chainalysis, a maior parte desse total está associado à stablecoins - criptomoedas lastreadas a outros ativos, como o dólar americano. Por sinal, a Venezuela é o maior mercado de stablecoins da América Latina.
Na Argentina, a população enfrentou altas taxas de inflação durante a maior parte do último século. No fim da década de 80, o país registrou o pico inflacionário de 3.046% ao ano. Esse cenário fez com que muitos argentinos migrassem para o dólar. Atualmente, compras de alto valor monetário, como imóveis e veículos, são feitas com a moeda norte-americana, para evitar perdas em decorrência da desvalorização diária do peso argentino.
Esse cenário fica ainda mais complexo com as ações das autoridades para controlar a entrada e circulação de dólares no país, o que levou ao crescimento do mercado negro de câmbio, que oferece taxas mais atrativas do que as oficiais. Além disso, a população mantém os dólares em espécie armazenados em casa, para evitar taxas e confiscos.
Assim como na Venezuela, cada vez mais argentinos têm optado por salvar suas economias em stablecoins. Mais de 31% do volume de pequenas transações utilizando criptomoedas no varejo da Argentina é feita com com esses ativos, em comparação com apenas 26% do Brasil e 18% do México, conforme indica o estudo da Chainalyis. As principais stablecoins comercializadas são USDT, USDC,e USDD - todas lastreadas ao dólar e sem limite de valor por transação.
A fuga às taxações oficiais também expandiram o potencial das criptomoedas no México. Maior exchange do país, a Bitso processou mais de US$ 1 bilhão em criptomoedas enviadas entre Estados Unidos e México entre janeiro e junho deste ano - aumento de 400% na comparação com o mesmo período do último ano. Estima-se que o mercado de remessas entre esses países movimente mais de US$ 51.6 bilhões anualmente, afirma o Geography Report.
No geral, os dados mostram que a América Latina adotou as criptomoedas por diversos motivos, dependendo das necessidades de cada país. Naqueles com economias mais fracas, os ativos digitais têm crescido em meio ao envio de remessas. Já naqueles que sofrem com altas taxas de inflação, as criptomoedas são utilizadas como ferramenta de preservação de poupança. Por fim, mercados mais desenvolvidos tendem a utilizar esses ativos como investimento especulativo.
O crescimento de 40% observado no volume de criptomoedas movimentadas na região entre 2021 e 2022 indica que esse mercado deve continuar crescendo, apesar do inverno que o setor de tecnologia sofreu em meados deste ano. A popularização das criptomoedas será potencializada com a entrada de grandes players no setor.
Recentemente, a rede de supermercados francesa Carrefour, uma das mais populares do Brasil, anunciou que instalará caixas eletrônicos de Bitcoin e outras criptomoedas em nove lojas espalhadas pelo país. Em julho de 2022, cerca de 1,3 milhão de brasileiros declararam ter criptomoedas à Receita Federal - crescimento de aproximadamente 68% ante as 749 mil registradas no mês anterior.
Isso indica o potencial de crescimento da criptoeconomia em um dos principais mercados da região. A América Latina tem potencial para tornar-se um hub de desenvolvimento e aplicação de tecnologias on-chain, conforme o setor cresce e recebe o amparo de medidas regulatórias e de compliance - a exemplo das novas regras para fundos e carteiras administradas que investem em criptoativos divulgadas na última semana pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA).
À medida que as criptomoedas evoluem e as necessidades dos usuários latino-americanos mudam, veremos a reinvenção da forma como lidamos com o dinheiro.
*Brianna Kernan é Líder de Vendas da Chainalysis para a América Latina na Chainalysis.
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