(Blackdovfx/Getty Images)
Com o intuito de promover a inovação nos meios de pagamentos, alinhado com o grande aumento dos debates em todo o mundo sobre o tema, o Banco Central do Brasil têm discutido as diretrizes para o desenvolvimento e emissão de uma CBDC brasileira, que possa acompanhar a evolução tecnológica da economia, além de aumentar a eficiência dos pagamentos, seja no varejo ou em transações transfronteiriças.
Nesta segunda-feira, 24, o BC divulgou as diretrizes gerais para o desenvolvimento da moeda digital emitida pela autarquia, que são fruto de uma série de discussões internas e, com outras entidades internacionais. Sob essa perspectiva, além de promover uma evolução dentro do sistema de pagamentos nacional, o Banco Central também espera que uma CBDC também possa contribuir para o surgimento de novos modelos de negócio e de outras inovações que estejam baseadas no avanço tecnológico dentro do setor, como por exemplo, o desenvolvimento de projetos ligados à contratos inteligentes, internet das coisas (IoT) e o próprio dinheiro programável.
Por possuir algumas similaridades com as criptomoedas, como a utilização da tecnologia blockchain em alguns casos, as CBDCs levantaram um grande debate sobre a possibilidade das moedas digitais emitidas por bancos centrais representarem de fato uma ameaça ao ecossistema dos criptoativos, que têm sido desmistificado por alguns especialistas do setor.
Para José Arthur Ribeiro, economista e CEO da Coinext, uma das principais corretoras de criptomoedas do país, nenhuma moeda governamental emitida via blockchain representa um tipo de competição para o bitcoin, que “continuará sendo uma classe de ativos única, descentralizada, cada vez mais resiliente e escassa”, salientando que o desenvolvimento de CBDC’s é muito positivo para o ecossistema das criptomoedas.
“Todas as iniciativas de bancos centrais de digitalizar suas moedas são excelentes notícias para o nosso mercado, pois validam e endossam a tecnologia por trás dos criptativos. A blockchain já é realidade e fará cada vez mais parte do nosso dia a dia nos próximos anos. E claro, a adoção desta tecnologia por parte dos governos impacta positivamente para o preço futuro do bitcoin, que esta semana, começou novamente a subir após a forte correção”, pontuou José.
Sobre o tema, Pedro Eroles, sócio da área de Bancos e Serviços Financeiros do Mattos Filho, um dos maiores escritórios de advocacia do país, pontua que, primordialmente, é necessário compreender que CBDCs e criptoativos são ativos distintos, sendo que um já nasce regulado, sendo gerenciado por governos e bancos centrais, enquanto o outro oferece os benefícios da descentralização, sem nenhum tipo de interferência governamental.
“É importante notar que as CBDCs e os criptoativos são fenômenos distintos. Os criptoativos (e, mais especificamente, as criptomoedas) surgem como uma proposta de meio de pagamento descentralizado (ou seja, dispensando a participação de um intermediário, como uma instituição financeira ou de pagamento) e sem um governo soberano como emissor, como acontece com as moedas fiduciárias e com a sua forma digital, as CBDCs”, disse Pedro
Em relação aos possíveis impactos de uma CBDC para a privacidade financeira da população brasileira, Eroles pontua que apesar dos ganhos no âmbito fiscal e em questões que envolvam operações ilegais, os usuários da nova extensão do real, eventualmente, irão perder sua privacidade nas transações como acontece com operações feitas com moeda em espécie e, certamente, esse será um dos principais desafios para o Banco Central.
“Considerando que, atualmente, as transações feitas com moeda em espécie são, em regra, anônimas, podemos vislumbrar que as transações feitas com CBDCs (ou seja, moeda em espécie no formato digital) passarão a ser precedidas de uma identificação apropriada das partes envolvidas. Nesse sentido, é possível vislumbrar potenciais ganhos, como questões relacionadas à prevenção à lavagem de dinheiro, em contrapartida a uma eventual perda da privacidade nessas transações. Portanto, o sigilo e a segurança dos dados das transações envolvendo CBDCs serão desafios práticos para que o Banco Central proceda com a emissão de CBDCs”, acrescentou
Ainda sobre os benefícios para os governos e bancos centrais, Pedro citou a identificação das partes envolvidas na transação como chave para aumentar no controle de evasão fiscal e sonegação de impostos, que não é possível em transações financeiras que utilizam o papel moeda.
Por último, tendo em vista um aumento na inclusão financeira de cidadãos desbancarizados com a implementação de uma CBDC, quando questionado sobre o impacto da moeda digital para os bancos comerciais, apesar de ainda ser um tópico muito incipiente, Eroles destacou os desafios em relação a desintermediação bancária e um potencial aumento no custo de crédito.
“No caso dos bancos comerciais, um dos riscos apontados em estudos do Banco de Compensações Internacionais é o possível aumento da desintermediação, com consequente aumento do custo de captação de recursos pelos bancos), com maior suscetibilidade em cenários de estresse financeiro, por conta da facilidade da retirada por meio digital dos recursos pelos depositantes e, um potencial aumento no custo do crédito, como consequência do aumento dos custos de captação”, completou Pedro Eroles.
Por mais que as possíveis diretrizes iniciais para o desenvolvimento do real digital já tenham sido apresentadas, explicitando uma postura positiva da autarquia à respeito desta nova tecnologia, o Banco Central ressaltou que elas representam apenas o início de um direcionamento sobre o tema em um âmbito nacional, deixando claro que as discussões sobre o desenvolvimento de uma CBDC brasileira e do avanço dos métodos de pagamentos digitais ainda estão muito longe do fim.