Repórter do Future of Money
Publicado em 17 de dezembro de 2024 às 17h31.
Alguns investidores e analistas acreditam que identificaram um novo "bug de dinheiro infinito" no mercado financeiro, ligado diretamente ao bitcoin. Os grandes responsáveis, na verdade, seriam um grupo de empresas que têm acumulado bilhões em emissões de dívida como forma de reunir os fundos necessários para comprar a criptomoeda, mas a prática levanta agora preocupações sobre sua sustentabilidade.
O grande exemplo dessa estratégia é a MicroStrategy. A empresa de software surgiu nos anos 1990 e cresceu durante a formação da chamada bolha da internet. Ela acabou sendo uma das prejudicas pelo estouro da bolha nos anos 2000, mas se manteve no mercado, mesmo que distante dos seus tempos de glória.
A partir de 2020, porém, o seu então CEO, Michael Saylor, tomou uma decisão ousada: apostando no potencial do bitcoin de se tornar um "ouro digital" com ampla adoção no mercado, a sua empresa passou a comprar unidades do ativo. Em pouco tempo, ela se tornou a maior detentora institucional da criptomoeda.
Atualmente, a MicroStrategy conta com cerca de US$ 46 bilhões de unidades. A lucratividade com a estratégia é alta - na casa dos US$ 20 bilhões -, e as ações da companhia dispararam pela visão de investidores de que os papéis se tornaram uma exposição indireta à criptomoeda. Apenas em 2024, a alta é de mais de 500%.
Mas a operação também tem seus custos. No momento, a empresa soma US$ 27 bilhões investidos. A maior parte desse valor é proveniente de emissões secundárias de emissões e, principalmente, títulos de dívida, mais especificamente notas conversíveis.
A MicroStrategy chegou a realizar uma inédita emissão de cinco tipos de notas diferentes em um ano. No total, são seis em circulação no mercado, com vencimentos entre 2027 e 2032. Duas não têm juros, outras duas têm uma taxa de 0,625%, outra de 0,875% e uma última de 2,25%.
E é exatamente essa parte do plano da empresa que tem preocupado parte do mercado.
A estratégia da MicroStrategy tem sido tão eficiente para a empresa que outras companhias passaram a copiar o modelo, em especial durante 2024. Foi o caso da mineradora Bitdeer, que em novembro reuniu US$ 360 milhões a partir da emissão de notas conversíveis.
As mineradoras, inclusive, são um dos segmentos que mais apostam na estratégia. Entre junho e dezembro, reuniram US$ 5,2 bilhões em dívidas, com uma parte sendo usada para adquirir unidades de bitcoin. Há, também, a MetaPlanet, empresa japonesa que já soma US$ 122 milhões em bitcoins.
Mas, novamente, a MicroStrategy é o principal exemplo para explicar as vantagens e riscos desse tipo de operação, até por hoje acumular cerca de 2% de toda a oferta da criptomoeda. Sozinha, ela tem cerca de US$ 4 bilhões em dívidas, segundo seu último balanço trimestral.
Analistas apontam que as notas conversíveis da companhia explodiram em popularidade no mercado de negociação desse tipo de título, já que o preço de ação da empresa definido nas notas é consideravelmente inferior ao preço atual das ações. O problema é que isso tem estimulado um movimento especulativo intenso nos papéis.
A volatilidade das ações da MicroStrategy superaram os 100%, acima inclusive do próprio bitcoin, com 60%. E aí surge o risco de um círculo vicioso: quanto maior a volatilidade, maior a demanda pelas notas conversíveis, maior a facilidade para vendê-las e maior é o incentivo para a MicroStrategy emiti-las e usar os valores para comprar mais bitcoin, que por sua vez valoriza mais pela nova demanda e torna investimentos nele mais atraentes.
É daí, portanto, que surgiu a brincadeira sobre um "bug de dinheiro infinito" no mercado.
O risco, apontam especialistas, é que as ações da MicroStrategy podem ter uma forte desvalorização antes do vencimento das notas, fazendo com que os donos das notas exijam a conversão para dinheiro, não ações da empresa. E, se a companhia não tiver liquidez suficiente, ela pode vender exatamente parte dos bitcoin que adquiriu para evitar a falência.
O impacto no preço do bitcoin pode ser significativo dependendo do tamanho das vendas pelo aumento repentino de oferta. Não seria o fim da criptomoeda, mas analistas indicam que o cenário poderia ser, cada vez mais, um possível fator de parada no atual ciclo de alta ou até início de um ciclo de queda no preço do ativo.
Ao mesmo tempo, especialistas que ainda elogiam a estratégia da MicroStrategy pontuam que as notas têm datas de vencimento diferentes, ou seja, a chance de uma demanda muito elevada de pagamentos é menor. Já empresas menores, e que iniciaram essa operação há menos tempo, podem ser as mais vulneráveis a esses riscos.
Da sua parte, a MicroStrategy não apenas segue defendendo a estratégia - que apesar de arriscada não é nova no mercado, mesmo com uma aplicação inédita - como também dobrou a aposta: a companhia já anunciou que pretende fazer novas emissões de notas conversíveis em um futuro próximo.