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Bruno Diniz: As fintechs na economia prateada

Com o aumento da expectativa de vida da população, o público idoso deverá, cada vez mais, ser endereçado pelos provedores de soluções financeiras digitais.

 (metamorworks/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 17 de setembro de 2022 às 09h16.

Por Bruno Diniz*

O termo “Silver Economy” – ou “Economia Prateada”, em português – se refere ao mercado que tem se formado ao redor da população que possui mais de 50 anos de idade, compreendendo uma série de atividades econômicas, serviços e produtos projetados para atender às demandas de um público cada vez mais representativo na sociedade. Uma das primeiras ocorrências do termo aconteceu no Japão e datam da década de 70, onde o “prateado” é uma clara alusão aos cabelos grisalhos desse grupo.

Segundo dados do Instituto Locomotiva publicados em 2019 no estudo “Dossiê Longeratividade - O raio X dos brasileiros com mais de 50 anos”, o público prateado é formado por cerca de 54 milhões de pessoas no Brasil, algo que representa mais de um quarto da população. Com os avanços na expectativa de vida e a redução no ritmo do crescimento populacional, é esperado que em 2050 esse grupo cresça para 98 milhões – algo em torno de 43% dos brasileiros (considerando as projeções até essa data).

(Mynt/Divulgação)

Sobre os aspectos econômicos, o mesmo estudo acima mostra que esse é um público com forte potencial de consumo, responsável por movimentar R$ 1,8 trilhão ao ano (sendo que metade desse montante vem do trabalho).

Contudo, dois terços desse grupo (o que representaria 34 milhões dentre os 54 milhões que o compõe) se dizem insatisfeitos com sua própria vida financeira. Mais da metade dos entrevistados afirmaram que possuem dificuldades em pagar suas contas e só 35% dizem possuir algum dinheiro guardado – sendo que 69% sentem que possuem hoje uma condição financeira pior do que imaginavam ter quando atingissem essa faixa etária.

Todo esse contexto apresentado deixa claro que há muito a ser feito para atender aos anseios e aprimorar a qualidade de vida dos prateados de um modo geral, seja endereçando as necessidades atuais com soluções e ferramentas que simplifiquem os desafios enfrentados nesse momento da vida ou que ajudem na preparação para sua chegada. A seguir, exploraremos o que tem sido feito de inovador no ponto de vista financeiro por fintechs e demais startups no Brasil e no mundo para servir a economia prateada.

As iniciativas internacionais

Nos Estados Unidos, de acordo com dados do censo publicado em 2019, existem 117 milhões de pessoas acima de 50 anos – o que representa impressionantes 35% da população – sendo que 56 centavos de cada dólar gasto no país em 2018 vieram desse grupo etário. Além disso, estima-se que, atualmente, 70% da riqueza do país esteja na mão dos prateados.

No Reino Unido o cenário de envelhecimento da população é um pouco mais intenso, já que 37,7% dos seus 66,8 milhões de habitantes se encontram nessa faixa, com a previsão de que representem 41,7% até 2039.

Diante desses números, alguns empreendedores já se deram conta do tamanho da oportunidade, percebendo que essa realidade abre espaço para o surgimento de novas abordagens para temas como previdência, gerenciamento financeiro pessoal, renda complementar, planejamento sucessório, antifraude, seguros e estilo de vida (assunto no qual longevidade, saúde, viagens e demais experiências ligadas ao bem-estar ganham maior prioridade do que em outros momentos da vida).

Nesse contexto de oportunidades, sugiram fintechs como a Silverbills e a Eversafe, focadas em ajudar esse grupo na administração (e segurança) de suas finanças. Enquanto a EverSafe monitora transações bancárias e cartões de crédito com o intuito de evitar que seus usuários sofram golpes, a SilverBills, por sua vez, ajuda no gerenciamento e pagamento de contas em dia, verificando fraudes ou erros.

Em ambos os casos há a possibilidade de algum membro da família ter visibilidade das transações e serem notificados sobre potenciais fraudes ou comportamentos suspeitos que estejam acontecendo – algo que facilita muito a vida de cuidadores de pessoas em idade mais avançada que estejam apresentando algum tipo de dificuldade cognitiva.

Outra interessante solução norte-americana é a Cake, que facilita planejamento sucessório e demais decisões que precisam ser feitas antes que se chegue ao fim da vida. Assim, essa fintech ajuda tanto do ponto de vista jurídico quanto financeiro, disponibilizando ferramentas digitais que garantam que os últimos desejos dos seus usuários sejam atendidos.

Seguindo uma linha parecida, mas com foco em quem enfrenta a dor do luto, surgiu a israelense Empathy. Essa fintech ajuda as famílias nos desafios financeiros, legais, emocionais e logísticos de perder um ente querido. Seu aplicativo inclui uma lista de tarefas personalizada para ajudar a organizar as atividades decorrentes de um falecimento, um lugar para salvar documentos importantes com segurança, automatização no cancelamento de serviços recorrentes que eram pagos pelo falecido e bate-papo em tempo real com psicólogos especialistas em perdas e luto.

O aplicativo também automatiza os processos relacionados à gestão do patrimônio. A companhia vende seus serviços tanto para pessoas físicas quanto para empresas e seguradoras que, por sua vez, podem ofertá-los como benefícios para seus colaboradores e clientes, respectivamente.

Olhando para os provedores de contas digitais, destaca-se a True Link, empresa fundada em 2012 com sede em San Francisco. Essa fintech oferece um cartão Visa com controles especiais que evitam tipos comuns de fraudes e abusos financeiros direcionados a idosos.

Além dos algoritmos de detecção de fraudes desenvolvidos pela empresa, o cartão pode ser personalizado para restringir as compras de telemarketing em geral, bloquear transferências a certas organizações de caridade que possam explorar fragilidades emocionais para conseguir doações (e permitir outras), definir limites no uso de caixas eletrônicos e bloquear alguns tipos de estabelecimentos comerciais. Dentre seus investidores, encontramos grandes nomes como a Y Combinator, Khosla Ventures, QED Investors, e Eric Ries, autor do livro “A Startup Enxuta”.

Com uma proposta de utilização mais autônoma por parte do usuário, diferente do exemplo anterior que conta com limitações definidas por algum membro da família do idoso, vemos o Longevity Card. Com o slogan “Health is the new wealth” – ou, “saúde é a nova riqueza”, em português – essa fintech fundada no Reino Unido busca uma abordagem ampla e moderna sobre qualidade de vida, com planos de se tornar um neobank completo no futuro, quando mudaria o seu nome para “Longevity Bank”.

Quando o projeto foi anunciado, em 2021, a ideia era ter não só serviços financeiros, mas um marketplace voltado para a saúde, o bem-estar, viagens e alimentação saudável. Além disso, teria integração com smartwatches para medir hábitos saudáveis, gerando pontos no caso do atingimento de metas – que poderiam ser utilizados no ecossistema da empresa, sendo trocados por diversos benefícios – além de dar dicas sobre longevidade baseados nos dados captados.

Pela proposta inovadora e inédita até então, a fintech ganhou rápida visibilidade e apareceu em vários veículos de mídia à época. Ainda em 2021, abriu uma rodada de captação na plataforma britânica de equity crowdfunding Seeders e, depois disso, desapareceu dos holofotes. Não se sabe ao certo se o projeto foi descontinuado ou se está “fora dos radares”, em processo de desenvolvimento interno.

(Mynt/Divulgação)

As inovações desenvolvidas no Brasil

Por aqui, temos um caso bem-sucedido de neobank que tem voltado sua atenção para esse público. Trata-se do Agi (anteriormente chamado Agibank) uma plataforma “one stop shop” omnichannel orientada ao cliente 50+, com produtos, serviços e proposta de valor aderentes às necessidades vistas nesse mercado.

De forma a complementar o atendimento digital, o Agi conta com mais de 880 pontos físicos distribuídos em todo o Brasil, fator importante e decisivo quando consideramos que uma parte desse público vê esse elemento como um diferencial.

Outras fintechs têm olhado para oportunidades no crédito, especialmente o produto consignado. Esse é o caso da BXBlue, plataforma fundada em Brasília no ano de 2017 e que já recebeu investimentos da Y Combinator, Iporanga Ventures e da Igah Ventures. Com o slogan “crédito para quem não nasceu ontem”, a fintech atua como correspondente bancário e oferece empréstimos consignados para servidores públicos e beneficiários do INSS.

Em sua plataforma, um cliente consegue analisar taxas de múltiplas instituições parceiras, realizar uma simulação e contratar de forma rápida por ali mesmo. Nesse formato, a BX Blue reduz em até 50% os custos operacionais que os bancos teriam para distribuir o produto de outras formas. Assim, a remuneração da empresa vem de um percentual em cima das operações fechadas entre o cliente e o banco parceiro. Outros players como a Creditas e Meu Tudo também competem nesse espaço.

Olhando para novas fronteiras nesse mercado, encontramos a LendMe, fintech que adentrou o sandbox do Banco Central para desenvolver um produto baseado no conceito de hipoteca reversa, solução popular em países como os Estados Unidos e Europa, mas que ainda não é regulamentada por aqui.

Em suma, a hipoteca reversa é uma modalidade de crédito destinada aos aposentados no qual um imóvel é dado como garantia, mas o contratante da operação não paga prestações pelos recursos tomados. O que acontece é que ele pode receber uma mensalidade, como se fosse um complemento à aposentadoria, calculada sobre o valor do seu imóvel e sua expectativa de vida.

O dono do imóvel poderá hipotecar até 50% do valor da moradia e deverá ter três opções de recebimento: montante total à vista; recebimentos mensais de forma vitalícia; ou uma parte à vista e o restante mensalmente. Assim, o bem ficará alienado em nome da fintech e o contratante terá, como condição da operação, a obrigação de continuar morando no imóvel.

Com a morte do cliente (e do seu cônjuge, caso seja casado), o imóvel é leiloado e os herdeiros recebem o saldo final. Há também a opção de a família ficar com o bem e refinanciar a dívida em um período entre 20 e 30 anos. A regulamentação desse produto no Brasil será um importante marco, criando ferramentas para a complementação de renda e para o envelhecimento com dignidade, além de abrir um mar de oportunidades para empreendedores do setor financeiro.

Além de todas as soluções que visam esse mercado, temos também algumas fintechs preocupadas em incluir profissionais 50+ em seus quadros. Esse é o caso da Franq Open Banking, plataforma que permite a atuação no modelo “bancário autônomo”, no qual profissionais com passagens pelo mercado financeiro podem seguir distribuindo produtos de crédito e investimentos de múltiplas instituições para sua carteira de clientes, cultivada ao longo dos anos.

A Franq não só é aberta para talentos prateados que venham a utilizar sua plataforma como fonte de renda, mas, também, para pessoas com experiência de vida e ensino superior completo que desejem trabalhar na empresa em áreas como atendimento ao cliente, por exemplo.

Agindo como ponte entre as empresas e os talentos 50+ existe no Brasil a Maturi, uma startup social que atua desde 2015 com recrutamento e seleção voltados para a economia prateada. Como podemos ver, esse não é apenas um elemento de inclusão, mas sim, uma necessidade de transformação do mercado de trabalho que precisará repensar velhos padrões sob o prisma da longevidade, se valendo da experiência de uma força de trabalho que está longe de parar de atuar tão cedo.

Se você é jovem ainda...

Uma coisa é fato, a fase madura é um momento da vida que, se tivermos sorte, faremos parte por um bom tempo - mais cedo ou mais tarde. Para que consigamos extrair o potencial máximo desse período, será necessário o surgimento de um ecossistema de soluções amplo e coeso, visando atender os anseios e prioridades específicas trazidas pela maturidade.

Muito tem sido feito (e investido) no desenvolvimento de soluções orientadas para a geração Z, o que inclui diversos neobanks até crédito específico para a aquisição de produtos para o público gamer (algo anunciado recentemente pelo Itaú).

Contudo, tanto bancos quanto fintechs podem estar deixando de lado uma fatia da população que costuma ter necessidades financeiras mais complexas e maior poder aquisitivo. Dentre as diversas possibilidades nesse sentido, podemos não só nos basear nos exemplos ilustrados nesse artigo, mas, também, dá para explorar novas fronteiras em loyalty (fidelidade), financiamento e curadoria de viagens e experiências de vida, crédito para procedimentos estéticos, educação em novos produtos financeiros (como criptoativos), dentre vários outros caminhos. Como já é bastante dito nos dias de hoje, os 50 são os novos 30... e, nessa nova realidade, ainda há bastante chão pela frente – e muitas demandas para serem trabalhadas.

*Bruno Diniz é Sócio da Spiralem Innovation Consulting e Diretor da Financial Data & Technology Association (FDATA) para a América Latina. Considerado um dos principais influenciadores do segmento fintech no país, Diniz é também professor de inovação voltada ao mercado financeiro na USP/ESALQ, palestrante e autor dos best-sellers "O Fenômeno Fintech" e "A Nova Lógica Financeira".

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