Bradesco faz parte dos testes com o piloto do Drex (Paulo Whitaker/Reuters)
Repórter do Future of Money
Publicado em 6 de novembro de 2023 às 09h00.
O desenvolvimento do Drex se tornou um dos temas mais relevantes para os bancos brasileiros em 2023, e o cenário não é diferente no Bradesco, um dos líderes do setor. Em uma entrevista exclusiva à EXAME como parte do Especial: Real Digital, Edilson Dias dos Reis, CIO do Bradesco, e George Marcel, especialista de Pesquisa e Inovação do banco, falaram sobre a visão da instituição para o tema.
Os executivos que a moeda digital de banco central (CBDC, na sigla em inglês) brasileiro tem o potencial para destravar diversos benefícios para o sistema financeiro do Brasil. Entre eles estão a redução de custos em operações e uma intensificação do processo de digitalização da economia, que ainda possui alguns elementos analógicos.
O Bradesco é uma das instituições que integram os testes com um piloto do Drex, uma iniciativa organizada pelo Banco Central que reúne 16 consórcios e participantes individuais". O piloto, explica Reis, é um "grande laboratório para explorar, confirmar teses de oportunidade e conseguir resolver os desafios que o modelo traz pra gente. Ele serve para entender como usar a tecnologia para viabilizar a moeda".
Para o CIO da Bradesco, a CBDC brasileira é uma "oportunidade de redução de custos de transação e fricção que pode levar a um grau de padronização que é bom no mercados para facilitar interoperabilidade, reutilização. Hoje, a falta de padronização exige algo personalizado para cada cliente, e esse pode ser um caminho para descobrir novos negócios".
Nesse sentido, ele acredita que o Drex servirá para auxiliar na resolução de problemas que "talvez a gente nem saiba ainda", já que a tecnologia por trás dele permitirá uma automatização de diversos processos, mas ainda em um "campo exploratório". Para Reis, o sistema financeira brasileira já é "bem digital", mas possui alguns aspectos analógicos.
"As liquidações hoje são todas feitas de forma digital. O que vai acontecer é que vai chegar no em torno, quando extrapola do mercado. Essa é a grande vantagem do Drex, colocar contratos vinculados à liquidação, e isso demanda outros participantes que não estão no mercado hoje entrando nesse sistema. Não vai deixar de ter cartório. O Drex é uma plataforma que vai possibilitar que tenha transações que são analógicas pelo lado do registro. Vai sim conseguir ter uma transação digital de ponta a ponta", projeta.
Por isso, o executivo pondera que o sucesso da CBDC brasileira vai depender também da capacidade de digitalização de entes não-financeiros que participam de "toda a cadeia" do mercado atualmente. "Os casos de uso que vão fazer sentido, para cair no gosto popular, são casos que dependem de outras contrapartes estarem nesse modelo digital também", ressalta.
Já George Marcel lembra que o Banco Central se inspirou nas chamadas finanças descentralizadas (DeFi, na sigla em inglês), um segmento do mundo cripto, com destaque para o blockchain Ethereum.
"O sonho do BC é replicar o que estamos vendo de inovação em DeFi dentro de uma rede supervisionada e regulada. Não tem governança, poder de atuação, em uma rede pública, que é de terceiro que ele não controla. Ele precisa de uma rede dele", comenta. Para ele, o Drex surge como uma forma de aproveitar a tecnologia blockchain e, principalmente, o potencial do mundo cripto.
"Daria para ter programabilidade em uma rede centralizada, mas a grande questão é aproveitar a sinergia do ecossistema. O ecossistema da Ethereum vai continuar crescendo, o mercado está formando pessoas que conhecem smart contract, Ethereum. Ela traz uma padronização nos tokens, contratos. Então você não precisa começar do zero. O grande benefício é seguir o mundo da Ethereum", afirma.
Por outro lado, ele considera que os contratos inteligentes que serão viabilizados pela tecnologia do Drex terão a capacidade de reduzir o risco de contrapartes e simplificar a lógica do "delivery vs payment" (entrega versus pagamento", atuando como "uma nova forma de resolver problemas, que pode ser melhor e mais eficiente".
Mas o especialista do Bradesco afirma que ainda é cedo para projetar casos de uso da moeda digital, em especial pelo foco do Banco Central em testar a rede do projeto. Um potencial uso, avalia, é na utilização de ativos tokenizados, como títulos do Tesouro Nacional, como garantia de empréstimos, ou então na separação de recebimentos e na simplificação de processos que já existem no mercado.
Reis comenta que, no momento, a maior dificuldade encontrada no piloto do Drex envolve a questão da privacidade: "como manter transações em blockchain mas visíveis apenas para as instituições participantes". Há, ainda, a questão da programabilidade, envolvendo "como representar nos ativos essa programação para liquidação".
Marcel explica que, a rede escolhida "manda todos os dados para todo mundo, todo mundo vê origem, destino e valor das transações, qual contrato está sendo usado, e isso é inadmissível no mundo financeiro, em que precisa ter sigilo e privacidade. Esse é o grande desafio. Privacidade é algo complicado, um trilema: privacidade com programabilidade e com descentralização, sem abrir mão dela".
Por outro lado, o CIO do Bradesco lembra que a própria descentralização que a plataforma da CBDC pode trazer precisa ser vista com cuidado, e que ainda há questões a serem resolvidas sobre a interoperabilidade com blockchains. "O BC está indo para um modelo aberto, mas precisa ter a privacidade das transações. O desafio então é como achar um ponto ótimo", avalia.
Mesmo assim, ele considera que o piloto está "bem acelerado", o que não significa necessariamente que a meta de lançar o Drex até o início de 2025 será cumprida: "vai depender da velocidade para superar os desafios já conhecidos. Conforme avança, vai descobrir novos desafios. É uma meta ousada, como todas que o BC coloca, mas agora não estamos na fase de questionar ou achar que é muito rápido ou muito longo. A fase é de explorar".
Na visão de Marcel, "o cronograma do piloto Drex vai ser cumprido, mesmo com adiamento. Mas só vamos ter algo em produção se o problema da privacidade for resolvido, e com programabilidade e escalabilidade. E tem a questão de segurança, que envolve o todo, além de sigilo e privacidade, questões de chave, experiência de usuários. Outras discussões que precisam acontecer. O cronograma é desafiador, mas se o BC não estiver confortável, não acho que vai entrar em produção".
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