Outros projetos já visavam a criação de uma moeda digital descentralizada antes do bitcoin (Reprodução/Reprodução)
Redação Exame
Publicado em 6 de março de 2023 às 13h43.
Nos anos anteriores à criação do bitcoin, cypherpunks, ativistas e cientistas da computação vinham trabalhando em projetos destinados a criar uma moeda digital que fosse imune ao poder coercitivo do estado e das instituições financeiras. Esses pioneiros acreditavam que um sistema monetário descentralizado poderia oferecer maior privacidade, segurança e liberdade aos usuários.
Embora o bitcoin tenha ganhado reconhecimento e adoção, ele foi construído sobre bases estabelecidas por projetos anteriores.
A seguir está uma lista de alguns desses projetos, todos eles com importantes contribuições para o desenvolvimento de sistemas monetários descentralizados.
Não é uma lista completa, mas fornece uma visão geral de alguns dos principais predecessores do bitcoin.
O conceito de dinheiro eletrônico anônimo foi introduzido por David Chaum em um artigo intitulado "Blind signatures for untraceable payments" (em tradução livre, "Assinaturas às cegas para pagamentos não rastreáveis"), lançado em 1983.
Foi uma das primeiras tentativas de desenvolver um sistema que usasse criptografia para proteger a privacidade financeira dos usuários.
Sem abrir uma conta com o comerciante ou fornecer informações de cartão de crédito, o usuário podia usar a moeda virtual em qualquer loja que aceitasse eCash. A segurança era garantida por uma assinatura digital de chave pública.
Chaum fundou a DigiCash, em 1989, para comercializar sua criação.
A empresa fechou as portas em 1998, apesar de ter sido testada em um banco nos Estados Unidos e em alguns na Europa.
O eCash sofreu com o problema da centralização: se o dinheiro for emitido por uma autoridade central, haverá um único ponto de falha.
Ficou claro que não depender de uma entidade central seria um dos desafios na criação dessa nova forma de dinheiro digital
Na ausência de um ente centralizado, surge a questão de como a escassez pode ser gerenciada. Na internet, qualquer ativo digital pode ser facilmente replicado e disseminado pela rede, o que representa um desafio significativo para controlar e regular a distribuição de recursos limitados.
No final da década de 1990, a Internet enfrentava um problema crescente: o spam de e-mails. Na época, não havia uma maneira eficaz de impedir que os spammers inundassem as caixas de entrada das pessoas com mensagens indesejadas.
Adam Back apresentou uma solução inovadora: o proof-of- work.
Em 1997, Back introduziu a ideia de usar poder computacional para criar escassez digital, o que tornaria proibitivamente caro para spammers enviar e-mails em massa. Ele delineou suas ideias em um artigo chamado "Hashcash - A Denial of Service Counter-Measure", que foi publicado, posteriormente, em 2002.
O proof-of-work (prova de trabalho, em tradução livre) é baseado na ideia simples de que um computador deve gastar energia na resolução de um problema complexo para gerar um token digital exclusivo, ou hash. Esse hash serve como prova de que o computador realizou o trabalho necessário para gerá-lo. Embora verificar a autenticidade do hash seja simples e barato, criá-lo requer um esforço computacional significativo.
Uma analogia são aqueles cadeados que precisam de uma sequência de números para abrir. Não existe uma fórmula matemática que, se resolvida, forneça a sequência. Portanto, a única forma de abrir a fechadura é testar todas as sequências possíveis, o que demanda esforço, tempo e dinheiro. Mas, uma vez descoberto, qualquer um pode verificar se é válido.
De acordo com a proposta de Back, os remetentes de e-mail seriam obrigados a anexar um hash exclusivo a cada e-mail que enviassem. O custo de criar cada hash seria insignificante (por exemplo, um centésimo de centavo), mas o custo cumulativo de enviar milhões de e-mails de spam rapidamente se tornaria proibitivo. Isso impediria efetivamente que os spammers inundassem as caixas de entrada das pessoas com mensagens indesejadas.
Embora o Hashcash não tenha sido bem-sucedido comercialmente, o proof-of-work tornou-se um mecanismo crucial para permitir a coordenação entre partes não confiáveis em sistemas descentralizados.
Em 1998, com a publicação de "b-money, an anonymous, distributed electronic cash system” (em tradução livre, “b-money, um sistema de dinheiro eletrônico anônimo e distribuído") , Wei Dai propôs um sistema que abordava a falha crítica do eCash, de Chaum: sua centralização.
O sistema de Dai era baseado na ideia de um ledger (livro razão) distribuído, onde cada participante da rede manteria sua própria cópia do ledger, que conteria informações sobre quanto dinheiro cada participante possuía no momento.
Isso eliminou a necessidade de uma autoridade central para manter o sistema, o que o tornou mais resistente à coerção do Estado ou outras formas de censura. Além disso, permitia maior privacidade e anonimato, pois cada participante podia manter sua própria cópia do livro razão e não havia repositório centralizado de dados de transações.
Apesar de suas muitas vantagens, o sistema de Dai nunca foi implementado. No entanto, lançou as bases para alguns dos sistemas de dinheiro eletrônico descentralizados que viriam a seguir.
Também em 1998, Nick Szabo projetou outro sistema de dinheiro digital conhecido como Bit Gold.
O Bit Gold trazia uma nova ideia: o conceito de ser "comprovadamente caro" para produzir. Isso significava que os usuários do sistema poderiam cunhar novos tokens fornecendo um hash cuja produção era tão cara que agia como um fator limitante no aumento da oferta de dinheiro. Esse hash seria verificado por um livro-razão distribuído, semelhante ao sistema b-money de Wei Dai.
No entanto, o Bit Gold enfrentou vários desafios que o impediram de se tornar realidade. Um dos principais foi a questão da fungibilidade. À medida que os computadores continuaram a melhorar o poder de processamento, tornou-se mais fácil produzir um hash que havia sido produzido no passado.
Isso significa que hashes produzidos em diferentes pontos no tempo não seriam equivalentes em valor percebido, o que quebraria uma importante propriedade do dinheiro conhecida como fungibilidade. Em outras palavras, os ativos digitais criados pelo Bit Gold seriam mais como diamantes, com formas e qualidades irregulares que não eram facilmente intercambiáveis entre si, do que como ouro, que é uniforme e facilmente trocável.
Uma analogia aqui é a seguinte: imagine que exista o registro de quanto dinheiro cada pessoa possui em um dado momento, que foi validado pela maioria da rede. Esse registro é guardado em um cofre com um daqueles cadeados que precisam de uma sequência de números para abrir. Depois de algumas transações, o registro é atualizado e precisa ser novamente guardado em um outro cofre com o tal cadeado. Porém conforme a rede de participantes aumenta, um grupo poderia ir lá no primeiro cofre, testar todas as combinações possíveis, abrir o cadeado e alterar os saldos dos participantes.
O que futuramente resolveu esse problema foi um mecanismo de encadeamento de blocos, onde neste exemplo acima, o primeiro cofre seria guardado dentro do segundo cofre, o segundo dentro do terceiro, e assim sucessivamente.
Sendo assim, se o grupo quisesse alterar os saldos do primeiro registro, teria que abrir todos os cofres que estão guardando o primeiro, o que exigiria muito tempo e esforço.
Em 2004, foi a vez de Hal Finney.
Ele projetou um sistema conhecido como RPOW (Reusable Proofs-of-Work). O RPOW era uma versão simplificada do Bit Gold, de Szabo, mas com uma diferença fundamental: Finney foi capaz de criar um protótipo funcional de seu sistema.
Apesar dessa conquista, o RPOW enfrentou um dos problemas que atormentavam as moedas digitais anteriores: a centralização.
Como o eCash, de Chaum, o RPOW dependia de um ente centralizado para manter o registro das transações. Para resolver esse problema, Finney tentou substituir o ente central por um dispositivo de hardware inviolável. Embora esse dispositivo de hardware fosse mais confiável do que uma empresa que pudesse ser coagida, ele ainda representava uma vulnerabilidade. Se o dispositivo de hardware fosse desligado, todo o sistema seria comprometido.
Parecia quase impossível criar um sistema de pagamento descentralizado.
Até que, em 31 de outubro de 2008, a seguinte mensagem foi postada em uma lista de discussão de criptografia sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto:
“I've been working on a new electronic cash system that's fully peer-to-peer, with no trusted third party…”
Em português seria algo como:
“Tenho trabalhado em um novo sistema de dinheiro eletrônico totalmente ponta-a-ponta, sem a necessidade de um terceiro de confiança...”
*Matheus Bombig é engenheiro mecânico pela Unicamp, co-fundador da Invenis, do Surf Junkie Club e da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L).
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