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Binance vê "ano de transformação" após polêmicas em 2023 e quer virar página de acordo nos EUA

Em entrevista à EXAME, líder global de compliance falou sobre desafios da maior corretora de criptomoedas do mundo e importância do Brasil

Noah Perlman é o Chief Compliance Officer da Binance (Binance/Divulgação/Divulgação)

Noah Perlman é o Chief Compliance Officer da Binance (Binance/Divulgação/Divulgação)

João Pedro Malar
João Pedro Malar

Repórter do Future of Money

Publicado em 4 de março de 2024 às 08h30.

A maior corretora de criptomoedas do mundo quer virar a página após um 2023 "de transformação, mudança e incerteza". Apesar da Binance não ter perdido sua hegemonia no mercado - segue com pouco mais de 50% de todo o volume negociado em cripto -, a exchange enfrentou uma série de problemas ao longo do último ano, em especial envolvendo regulação e compliance.

Entretanto, isso não significa que a corretora seja uma opositora da regulação do mercado cripto, pelo contrário. É o que avalia Noah Perlman, Chief Compliance Officer da Binance, em entrevista exclusiva à EXAME. Vindo do mercado tradicional e responsável por coordenar todo o compliance da empresa ao redor do mundo, ele ressalta que as regulações são importantes para "dar clareza" ao mercado.

E mesmo o acordo bilionário firmado entre a Binance e os Estados Unidos para encerrar investigações sobre crimes como lavagem de dinheiro, dos quais a exchange se declarou culpada e levaram à queda do seu então CEO e fundador, não é visto por Perlman como negativo.

"2023 foi uma evolução, um ano de transformação, mudança e incerteza. Estávamos incertos em como a questão nos EUA acabaria, mas terminou com uma resolução clara, dá certeza para nós. É também um exemplo para outros reguladores ao redor do mundo, de compromissos, e também os gaps que existiam", comenta.

O executivo pontua que os problemas nos Estados Unidos envolveram um cenário que dificilmente ocorreria em outros países, mas que a Binance segue com uma postura de "colaborar com reguladores. Não só porque é o certo, mas porque é o melhor para os usuários e para a indústria".

Perlman avalia ainda que "é justo que os reguladores olhem e busquem algum aprendizado, e temos tido essas conversas", e que a corretora segue buscando melhorar seus mecanismos de compliance e o cumprimento de regras. Ao mesmo tempo, ele elogia instâncias que avançaram na regulação, caso do Brasil.

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Regulação de cripto ao redor do mundo

Apesar da Binance atuar em um mercado novo, das criptomoedas, Perlman diz que, em geral, não há muita diferença quando comparado ao mercado tradicional. "Existem algumas semelhanças entre compliace e abordagem regulatória em cripto e no mercado tradicional. Trabalhamos localmente, mas com preocupações locais. O que é mais chamativo em cripto é que uma classe emergente, sem regulação clara".

Nesse sentido, ele explica que a exchange tem buscado adotar uma "abordagem mínima consistente" em todos os países, com regras como KYC (Conheça Seu Cliente, em tradução), mas também buscando entender e seguir as "nuances locais".

Há, por exemplo, a aprovação do MiCA, a primeira regulação específica para criptoativos na União Europeia. As exigências da nova lei, que ainda não entrou totalmente em vigor, fez com que a Binance mudasse a estratégia na região e saísse de alguns países enquanto se prepara para obter as licenças de operação neles, mas Perlman não vê isso como um problema.

"No fim do dia, a chave é ter clareza. E agora temos um cronograma claro, de que precisa ter a licença para conseguir atuar. Estamos comprometidos em manter as que temos e conseguir mais", ressalta. E ele não descarta, ainda, que ocorre um "Efeito Bruxelas" com cripto, com a regulação europeia incentivando outras nações a regular o setor.

"Os países que não regularem vão ficar para trás. E os que ficaram contra cripto precisarão ter uma mudança de postura. Os ETFs também são um sinal nesse sentido", afirma, se referindo à aprovação de ETFs de bitcoin pela SEC em 2024, mesmo com o regulador dos EUA sendo um crítico histórico das criptomoedas.

Se houve a saída na Europa, também ocorreu a entrada nos mercados do Japão e dos Emirados Árabes Unidos. Na visão de Perlman, a postura adotada nos Emirados Árabes tem potencial de tornar o Oriente Médio "um hub cripto mundial".

Ele explica que isso não ocorre necessariamente pelo país ter uma regulação "fraca" para o setor: "As pessoas acham que regulação amigável é uma regulação fraca. Na verdade, é ter mente aberta, ser capaz de escutar e colaborar, isso facilita a atuação da indústria".

Perlman acredita que algumas regras comuns a nível internacional poderão ser criadas, como no mercado internacional, mas isso deve ocorrer no médio ou longo prazo. Até lá, cada país deverá criar suas próprias leis. E isso deveria incluir os Estados Unidos, que ainda não possuem nenhuma regulação para cripto.

"Se os EUA não tiveram uma regulação apropriada, o capital vai para outros locais. Alguns podem não se importar, mas outros apontam que há essa demanda institucional. Um dos players mais importantes da indústria já está participando [a BlackRock, que lançou um ETF de bitcoin], então em algum ponto vai precisar ter alguma resolução", defende.

A Binance no Brasil

Também em entrevista à EXAME, Min Lin, Regional Head de Latam da Binance, avalia que o Brasil tem se tornado, cada vez mais, um mercado "muito atraente" para a Binance, por uma combinação de motivos. Uma das principais razões é a postura dos reguladores do mercado brasileiro, como o Banco Central.

"Trabalhamos muito perto com os reguladores, e eles são bem abertos em termos de regulação. Isso ajuda na atração de investimentos em cripto. A interação com o BC tem sido bem aberta", comenta. Ele aponta ainda que a empresa ficou "muito surpreendida" com as perguntas feitas na consulta pública da autarquia sobre a regulação infralegal das empresas do setor.

"Foram muitas perguntas feitas, respondemos a todas e achamos que as questões estão abertas, mostrando essa abertura, não é uma postura punitiva. É uma postura de diálogo, então estamos otimistas com o que está por vir. O Banco Central teve uma postura bem inovativa e transparente", diz.

Por esses fatores, Lin afirma que o Brasil tem sido "cada vez mais prioritário" para a corretora de criptomoedas. "A indústria continua crescendo exponencialmente, e agora que estamos no mercado de alta e tem mais usuários indo pras plataformas procurando mais ativos, isso também terá um papel significativo no crescimento do setor".

Um dos pontos que o BC buscou tratar na consulta pública é a chamada segregação patrimonial. Perlman diz que "é justo que reguladores perguntem sobre isso, espero que perguntem sobre isso, mas não é um problema para a Binance. Quando você é o líder da indústria, precisa responder a perguntas, algumas legítimas, outras não, é algo justo. Não é algo específico do Brasil".

O futuro do compliance na Binance

Tanto Lin quanto Perlman ressaltam que a Binance tem tomado as medidas necessárias para garantir que não haverá novas violações de leis e problemas como os enfrentados em processos nos Estados Unidos e no próprio Brasil, em geral girando em torno de temas como facilitação de lavagem de dinheiro e oferta ilegal de derivativos.

Isso não significa, porém, que o trabalho da empresa na área acabou. "Sempre tem mais para se fazer, mas eu gosto de onde estamos, estamos confortáveis, temos ferramentas e programas ótimos. Qualquer líder de compliance que diz que não tem mais trabalho está errado. Sempre tem mais trabalho, novos produtos, novas governanças, mais foco", destaca Perlman.

"O compliance também pode evoluir em termos de foco em usuários. Um regulador também nunca vai dizer que está tudo perfeito, mas mesmo se dissessem ainda teríamos mais coisas a fazer. Estamos focados e otimistas para fazer isso", comenta.

Para 2024, o executivo global da corretora afirma que a Binance vai avançar em testes envolvendo a aplicação de inteligência artificial em operações de compliance, a partir da chamada "inteligência preditiva" para "tirar o barulho e focar no que importa", identificado padrões e facilitando o combate a crimes como tentativa de lavagem de dinheiro. A expectativa é que um programa piloto seja implementado até 2025.

Mas isso não significa que o fator humano será abandonado. "Precisa ter expertise humana, temos algumas das pessoas mais talentosas, investigadores, da indústria. É uma combinação, de expertise, dados e tecnologia", ressalta.

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