Crimes no metaverso já são uma realidade (Amparo García / EyeEm/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 19 de março de 2023 às 09h00.
Última atualização em 19 de março de 2023 às 17h11.
O ambiente virtual vem sendo explorado indiscriminadamente para o cometimento de crimes, desafiando a legislação existente. Tecnologias emergentes, tais como a Inteligência Artificial, o Machine Learning, o blockchain e a IoT (internet das coisas) promovem uma real integração dos domínios físico e digital. No metaverso, não é diferente, o que gera a necessidade de novos instrumentos legais para enfrentar essa criminalidade.
O uso e a exploração ostensiva desses ambientes têm especialmente capturado a atenção dos legisladores e demandado posicionamentos casuísticos do Poder Judiciário, impactando o Direito sob os aspectos regulador, interpretativo e operacional.
De um lado, as condutas realizadas no ciberespaço nem sempre se moldam às normas vigentes. De outro, ainda que se adéquem, demandam releitura de tipos penais existentes. Do ponto de vista operacional, as novas tecnologias se mostram rebuscadas para assegurar uma efetiva investigação dos fatos e a consequente aplicação da lei, ainda mais em casos em que se faça necessária cooperação internacional.
O metaverso, enquanto ambiente virtual imersivo, projeta à realidade cibernética riscos similares ou mesmo potencializados aos da realidade material. Mas os tipos penais existentes poderiam ser aplicados a esse novo ambiente?
Ainda que o Brasil, com considerável atraso, tenha formalizado a adesão à Convenção de Budapeste contra crimes cibernéticos, ela se revela insuficiente para lidar com os recentes avanços tecnológicos. Golpes, como phishing, assédios e crimes praticados contra crianças e adolescentes atingem outra dimensão quando praticados no metaverso, sobretudo ante às sofisticadas ferramentas de realidade virtual e aumentada.
A atribuição de crimes contra a integridade física e contra a dignidade sexual encontram uma lacuna no metaverso, uma vez que não há interações físicas propriamente ditas. No entanto, a combinação de recursos de realidade virtual e aumentada, aptos a simularem contatos e estimularem sensações, podem ser invocados para demonstrar a ocorrência desses delitos, podendo atrair controvérsias sobre a legalidade dessas imputações. Nesse cenário, a plataforma Meta estabeleceu regras de distanciamento pessoal mínimo (personal boundary) de avatares após a repercussão de um caso de importunação sexual decorrente de gestos e comentários obscenos. Outras plataformas também têm habilitado safe zones (espaços seguros) para prevenir esse tipo de conduta.
Uma preocupação adicional é o recrutamento, planejamento, simulação e realização de ataques terroristas no metaverso (“metaterrorismo”) e crimes contra o Estado Democrático de Direito, como no caso de um adolescente foi condenado na Rússia por tentar explodir um prédio virtual daquele governo, pelo jogo online Minecraft, no início de 2022.
Sob o aspecto operacional, há um desafio no uso das atuais técnicas de investigação, especialmente no rastreamento e processamento de vestígios no meio virtual, interceptação de comunicações entre avatares, emparelhamento tecnológico para diligências no metaverso e cooperação internacional. Em 2022, pela primeira vez no Brasil, buscas foram realizadas no metaverso para reprimir crimes praticados contra a propriedade intelectual na internet, tendo a Interpol também lançado a sua primeira sede no metaverso para interagir com os seus agentes e realizar treinamentos imersivos.
Nesse contexto, a legislação processual ainda não está de todo emparelhada para essa nova realidade. Por exemplo, eventual interceptação de comunicações de avatares em tempo real poderá ser questionada. Embora o Marco Civil da Internet assegure a inviolabilidade e o sigilo dos fluxos de comunicações pela internet, ressalvando apenas a hipótese de ordens judiciais, a Lei de interceptação telefônica não possui dispositivos extensivos a esse domínio. Além disso, há dificuldades inerentes à fixação da competência para apurar e processar crimes no ambiente virtual, pois envolvem múltiplos servidores e jurisdições, muitas delas sequer sem regulamentação para lidar com crimes informáticos e não signatárias de acordos internacionais de cooperação.
O metaverso se mostra como espaço digno de tutela penal, dados os bens jurídicos que lá estão, e o Direito e as autoridades ainda não estão emparelhados para lidar com as suas particularidades. Tipos penais mais adequados, a compatibilização da interpretação jurisprudencial, a inovação das técnicas de investigação e a cooperação entre Estados são possíveis caminhos para lidar com essa nova realidade. Para além do
desafio em mediar as interações e transações no metaverso, há dilemas éticos e jurídicos que não passarão ao largo dessa formatação cada vez mais plasmada das realidades física e virtual.
*Rhasmye El Rafih é advogada da prática White-Collar & Compliance do Madrona Fialho. Mestra pela FDRP-USP. Autora de obra jurídica.
*Filipe L. Batich é sócio da prática de White-Collar & Compliance do Madrona Fialho. Mestre pela FD-USP e Professor Universitário.
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