Duas décadas depois do 11 de Setembro, a vigilância se tornou a norma, principalmente na internet (foto/Getty Images)
Coindesk
Publicado em 16 de setembro de 2021 às 16h43.
O “Ato Patriota” foi aprovado 45 dias após os atentados de 11 de setembro. Foi a primeira de muitas leis de segurança que expandiram a capacidade do governo norte-americano de ouvir ligações telefônica de pessoas do mundo todo (incluindo todos os norte-americanos). Infringindo os direitos constitucionais, a lei "transformou cidadãos comuns em suspeitos” ao presumir a culpa antes da inocência, conforme afirmou a União Americana pelas Liberdades Civis.
Duas décadas depois, a vigilância se tornou a norma. Nossos corpos são escaneados por reconhecimento facial, nosso modo de andar é identificado, e há uma rede de câmeras de segurança nos vigiando. O mesmo, ou pior, acontece com a nossa atividade na Internet. E-mails podem ser monitorados, nosso histórico bancário pode ser coletado, e o simples ato de navegar na web pode ser vigiado.
Tudo isso é parte de uma infraestrutura extrajudicial e antidemocrática feita em conjunto com o setor privado. Esse também foi o ímpeto que fez com que os cyberpunks começassem a criar ferramentas digitais para retomar para si um pouco de privacidade. O bitcoin, a primeira criptomoeda do mundo, foi construído com o dinheiro em mente e oferece aos usuários liquidação definitiva e a capacidade de que pessoas que não se conhecem, continuem sob pseudônimos enquanto interagem entre si. É como pagar uma comanda de bar, só que em um contexto digital.
Contudo, o bitcoin está longe de ser privado e se distancia desse objetivo a cada dia. O crescimento da indústria de análise de blockchain e a expansão das diretrizes de verificação de identidade no estilo “conheça o seu cliente” (KYC) demonstram como o mundo das criptomoedas foi absorvido facilmente pelo estado de vigilância.
Desenvolvedores e usuários devem resistir a isso o quanto puderem. E, no papel de criptomoeda com a maior chance de se estabelecer como um padrão monetário globalmente aceito e livre de amarras dos governos, o bitcoin deve indicar o caminho.
O bitcoin já proporcionou certa privacidade funcional algumas vezes. Dependendo de como uma pessoa adquire, utiliza e guarda, ela pode continuar sendo uma entidade totalmente anônima sob um pseudônimo – ou uma linha alfanumérica, no caso do blockchain. Pense em Satoshi Nakamoto, o personagem fabricado que está por trás da rede Bitcoin.
Isso não é fácil. Requer que as pessoas tomem cuidado em todos os passos que dão utilizando bitcoin ao invés de tratá-lo de forma tão displicente quanto o dinheiro físico. O empresário Matt Odell desenvolveu um guia bastante útil sobre como utilizar o bitcoin de forma privada.
Por isso é crucial que desenvolvedores estejam sempre pensando em maneiras de maximizar a privacidade do bitcoin. Preservar a essência cyberpunk da rede Bitcoin não pode ser uma responsabilidade apenas dos usuários (e nem das corretoras).
A próxima atualização, chamada “Taproot”, irá expandir a usabilidade da rede Bitcoin ao tornar a criação de smart contracts e canais Lightning mais fácil, os quais poderiam se disfarçar de transações normais. Isso tem implicações positivas no quesito privacidade (apesar de poder tornar as coisas piores no curto-prazo).
Existem outros projetos cripto que podem servir de aprendizado para a rede Bitcoin. Deveria haver uma discussão maior sobre a possibilidade de criar transações secretas de forma nativa, assim como acontece na Monero e Zcash. O desenvolvimento da rede Bitcoin é lento de propósito, pois em cada atualização ou mudança técnica é necessário abrir mão de determinadas coisas em prol de outras, mas a privacidade precisa ser parte do plano de ação.
Algumas pessoas defendem o bitcoin das exageradas associações ao submundo do crime dizendo que é muito mais fácil rastrear moedas digitais em um blockchain do que as moedas físicas. Então vamos tratar o bitcoin como o papel moeda que estamos acostumados.
* Daniel Kuhn é repórter do site CoinDesk
Este é um conteúdo da CoinDesk. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
Siga o Future of Money nas redes: Instagram | Twitter | YouTube