Crescimento e tecnologia: sócios criam gestora para cuidar de fundo bilionário, a 23S Capital (Exame/Exame)
Bianca Alvarenga
Publicado em 9 de agosto de 2022 às 16h13.
Última atualização em 9 de agosto de 2022 às 17h05.
O Grupo Votorantim anunciou nesta terça-feira, 9, uma parceria com a gestora Temasek, de Singapura, para constituir um fundo de R$ 3,6 bilhões. O plano é investir em negócios brasileiros de alto crescimento em setores como saúde, educação e tecnologia. A empreitada pode parecer um ponto completamente fora da curva da história da empresa, que tem um forte DNA de participação no setor industrial e de infraestrutura — e de controle.
Nos últimos anos, a Votorantim Participações, holding da família Ermírio de Moraes, decidiu diversificar seus investimentos de duas formas: buscando justamente setores não-industriais e entrando em negócios em que não exerce papel de controladora. A decisão, que parece quase uma ousadia para um conglomerado de história centenária, é parte de um ambicioso plano de inovação e perenidade dos negócios.
"Não falamos de investimentos específicos, mas a ideia é olhar para setores em que a Temasek já atua. Temos bastante interesse em educação, saúde e tudo que for tecnologia. São áreas que não fazem parte do atual portfólio da Votorantim. Faltava justamente alguma forma de atuar, em participações menores, em coisas diferentes do que tipicamente fazemos", disse João Schmidt, presidente do Grupo Votorantim, em entrevista ao EXAME IN.
O fundo anunciado nesta terça será gerido pela 23S Capital, empresa criada pelos agora sócios especialmente para administrar a cifra bilionária envolvida. Embora não divulguem qual o valor do aporte de cada um, os executivos das empresas deixaram claro que a palavra de ordem é investimento em negócios de alto potencial de crescimento no Brasil, com visão de longo prazo.
"Quanto à forma como avaliamos as oportunidades no Brasil, vemos que o país tem muita força em áreas que vão desde recursos naturais até empresas de consumo e serviços. São negócios que precisam de tecnologia para capturar um mercado maior e atender às necessidades de uma população crescente", contou Dilhan Pillay, diretor executivo e CEO da Temasek.
O processo de transformação do grupo, porém, não foi da noite para o dia. Ao longo dos últimos anos, a Votorantim fez movimentos importantes já em direção a uma revisão profunda do portfólio de negócios. O mais recente deles a compra da parte da Andrade Gutierrez (AG) na empresa de concessões CCR, em uma dobradinha com a Itaúsa.
O primeiro grande passo foi a saída do setor de papel e celulose, com a venda da Fibria à Suzano. Teve ainda a compra da Cesp e a recente fusão com a Votorantim Energia, dando origem à Auren Energia. No ano passado, houve a criação da Altre, para atuar no ramo imobiliário. Agora, o novo negócio é completamente diferente.
O presidente da Votorantim, João Schmidt, disse que parte dos US$ 700 milhões constituídos no fundo (equivalentes aos R$ 3,6 bilhões anunciados) já tem destino certo. Já está sendo avaliado, segundo o executivo, um pipeline de diversas operações, o que permite que algum negócio seja firmado ainda em 2022.
"A ideia aqui é apoiar empresas e jornadas de alto crescimento; é isso que a 23S Capital vai trazer, com um comprometimento de capital grande, de R$ 250 a R$ 300 milhões por transação", afirmou Schmidt.
Parte dos projetos em vista é fruto do conhecimento da Temasek nos setores de tecnologia e serviços. No Brasil, a gestora de Singapura é sócia minoritária de negócios como o aplicativo 99 (do grupo chinês DiDi), a rede de restaurantes Burger King, a fornecedora de serviços financeiros Conductor, a empresa de big data Neoway e a plataforma de receitas médicas digitais Memed. O portfólio global da Temasek, que soma mais de R$ 1 trilhão, envolve, ainda, uma posição minoritária em empresas como Visa, PayPal, Airbnb, Alibaba, Tencent, Bayer e BioNTech.
O negócio entre a brasileira e o fundo singapuriano foi sacramentado com a promessa de uma relação de ganha-ganha: a soma do conhecimento que a Votorantim tem no mercado brasileiro e a expertise da Temasek em gestão de ativos de alto crescimento no exterior.
"Como o fundo foi composto por recursos de dois investidores que visam o longo prazo, temos muita flexibilidade para executar as operações. É diferente de um fundo que capta recursos no mercado. Mas no geral, nosso foco será o de operações em longo prazo, sem urgência de sair, e com flexibilidade para fazer tanto investimento privado quanto em bolsa", pontuou o CEO da empresa brasileira.
A discussão para criar a 23S Capital começou há pouco mais de um ano. De lá pra cá, muito mudou no mercado. Em meados de 2021, a bolsa brasileira vivia seu auge histórico, e o mundo sonhava, de forma otimisa, com o crescimento econômico pós-pandemia. Agora, o contexto de inflação elevada e de atividade econômica espremida pelos juros mais altos mudaram o humor do mercado.
"Assim como um ano atrás não foi esse otimismo que direcionou a parceria, o contexto mais desafiador de agora não muda nossos planos. Acreditamos que há uma oportunidade secular de investimentos, e que as circunstâncias mudam o preço dos ativos, mas não o valor e estratégia", defendeu o presidente da Votorantim.
Por ter um portfólio focado no longo prazo, a turbulência dos próximos meses parece não ser uma grande preocupação também para a Temasek. Pillay, CEO da gestora, lembra da atuação no Brasil há 14 anos, período marcado "por diversos ciclos políticos e de mercado".
O time que vai tocar a 23S Capital é, em maioria, advindo da estrutura da Temasek no Brasil, inclusive o CEO Matheus Villares, que acumula uma carreira de 14 anos na gestora de Singapura. Apesar do "casamento" anunciado hoje, tanto a Votorantim quanto a Temasek seguem com planos independentes de composição de portfólio. Ou seja: nada impede que a empresa brasileira continue a investir em negócios relacionados à infraestrutura por meio do Grupo Votorantim.
"Continuamos com uma jornada de investimentos no Brasil e no exterior, na vertical de infraestrutura, que engloba todos os outros negócios. Assim como a Temasek continua tendo capital próprio para avaliar outros ativos brasileiros que façam sentido com seu portfólio próprio. A única coisa que muda é que, para investir em histórias de alto crescimento, nós decidimos fazer isso juntos", finalizou João Schmidt.