Dinheiro: nova estratégia do banco é criar a solução financeira para clientes, mas assumir apenas pequena parte do crédito (Divulgação/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 5 de agosto de 2020 às 17h57.
Última atualização em 5 de agosto de 2020 às 22h03.
Devido às perdas acima da média em suas carteiras, os grandes bancos estão mais conservadores na concessão de crédito. A pandemia bagunçou os fluxos. A torneira fechou em alguns cantos e abriu em outros. Mas, como é lei no mundo dos negócios, o que é desafio para uns é oportunidade para outros. O Voiter, a versão repaginada e mais tecnológica do antigo banco Indusval, vê na crise espaço para crescer e consolidar sua posição como criador de “soluções” para as dores de cabeça dos clientes. E não são poucas as que vieram com a Covid-19.
Desde o primeiro semestre do ano passado, o banco vem passando por um grande movimento de mudança, o que inclui ter um dono com planos claros para o negócio. O empresário do agronegócio Roberto de Rezende Barbosa, antigo dono da Usina NovAmérica, tornou-se o maior acionista da instituição após ter feito aportes de capital, em ações e em letras financeiras, que somam 250 milhões de reais. Hoje, detém 72% do capital total. No fim do ano passado, injetou ainda mais dinheiro no negócio, mas indiretamente, ao comprar os 20% da corretora Guide que eram do Indusval, por 120 milhões de reais (o controle foi vendido para a holding chinesa Fosun há quase três anos).
No total, o empresário colocou sozinho 370 milhões de reais no banco. Desde 2011, Rezende Barbosa é o segundo maior acionista pessoa física da Cosan devido à venda de suas usinas ao grupo de Rubens Ometto: seu patrimônio em ações era superior a 1 bilhão de reais. No começo deste ano, ele começou a vender parte da posição para diversificar o risco.
Ao decidir apostar no ainda Indusval, banco do qual se tornou sócio devido a uma associação com o Intercap há muitos anos, contratou a Estáter Gestão e Investimentos, a butique de Pércio de Souza, para conduzir a mudança de posicionamento.
A Estáter desenhou o projeto do novo banco e assumiu duplo papel de apoio à gestão: tanto no conselho de administração como junto aos executivos. Na parceria com Rezende Barbosa, a butique de Souza tem a opção de ficar com 50% do banco no futuro.
Fernando Fegyveres foi chamado pela Estáter para ser presidente da instituição. A partir de então, as mudanças se aceleraram. De 30 posições de liderança, 27 foram renovadas. Desde que chegou, em junho do ano passado, construiu do zero uma carteira de crédito nova em folha que já estava em 955 milhões de reais ao fim de março deste ano. Em dezembro, somava 760 milhões de reais.
“O Voiter é um banco de negócios e agnóstico em seu posicionamento de mercado. Pode atender tanto grandes companhias quanto startups e ainda fundos de investimento. Também não há uma dedicação a um tipo de produto ou nicho de mercado. A ideia é explorar oportunidades onde possamos agregar mais valor”, explicou Souza ao EXAME In, na contramão de um setor em que todos querem ser especialistas. “Para isso, além do propósito, era preciso um time capaz de aplicar essa visão e desenvolver uma cultura aberta.”
O objetivo de Fegy, como é chamado pela equipe que conduz, é inventar moda. O plano é fazer o banco inovar na forma de resolver a vida do cliente e assumir, no caminho, uma parcela do crédito que ele precisa. Mas o produto principal da casa será a solução, não o dinheiro, propriamente. Para ter uma ideia, o tíquete médio de crédito do agora Voiter é de 6 milhões de reais, com um teto de 40 milhões. “Estamos expandindo crédito e vamos continuar. Mas isso não é um fim em si mesmo. Faz parte do conjunto que oferecemos”, disse Fegyveres em entrevista.
O resultado é que o banco hoje faz coisas tão diferentes quanto criar caminhos para fintechs, como a Zoop, do grupo Movile (holding dona do iFood), e produtores de café, além de atuar no mercado de comercialização de energia e originação de carteiras de crédito consignado para fundos.
Ao fim de março, a carteira de crédito total somava 1,28 bilhão de reais, sendo que o legado do Indusval equivalia a 324 milhões de reais. O prazo médio da carteira estava abaixo de um ano, em 338 dias. As captações do banco nesse período somaram quase 2,5 bilhões de reais, com praticamente o dobro do prazo — 645 dias.
Logo no começo da pandemia, a Zoop, controlada do grupo Movile que atua no segmento de arranjo de pagamentos, chegou ao Voiter porque de um momento para o outro perdeu o funding para antecipação de recebíveis de seus parceiros. Em 15 dias, o banco resolveu a situação e abriu uma linha de aproximadamente 350 milhões de reais. Essa foi a saída de emergência. A solução definitiva para a startup, segundo Fegyveres, passa por ter um fundo para assumir os recebíveis de forma que, como em uma esteira rolante, a empresa sempre tenha recursos disponíveis. Assim, o Voiter não precisa fornecer todo o crédito, apenas uma parcela. “De uma hora para a outra, a Zoop teria de falar para os 30.000 comércios de pequeno porte com os quais se relaciona que não poderia mais antecipar pagamentos. Mas isso não aconteceu”, conta.
A instituição tem feito dessa forma com diversas situações: as oportunidades todas que chegam são avaliadas. Em geral, os modelos adotam soluções que ocupam pouca Basileia, o indicador internacional de saúde financeira que relaciona capital próprio com o risco da carteira. Quando Fegyveres chegou, a Basileia do então Indusval estava negativa em 13,7% e subiu para 10,5% positivos, ao fim de março.
Outra aposta forte foram os produtores de café. O Voiter faz operações e estruturas que envolvem até mesmo a liquidação física dos contratos, o que colocou a instituição entre os dez maiores comercializadores do grão. “Eu posso emprestar em dinheiro e o produtor pode me pagar em café”, explica o executivo. Atualmente, os contratos movimentam 1 milhão de sacas de café, mas podem chegar a cerca de 2 milhões de sacas até o fim do ano. A ideia, segundo Fegyveres, é partir para outros ramos do agronegócio para expandir a atuação da comercializadora de cereais que o banco possui.
Já o mercado de energia foi um dos primeiros para o qual o ainda Indusval se preparou. A instituição foi uma das pioneiras em ter sua própria comercializadora. A expectativa é que essa operação alcance 250 milhões de reais até o fim deste ano, ou seja, cinco vezes maior do que era no primeiro trimestre. Esse é um mercado que os grandes bancos também decidiram apostar.
Outra atividade que encontrou espaço dentro do Voiter foi a originação de carteiras de crédito consignado, com foco em nichos de baixíssimo risco. O banco trabalha com profissionais habilitados que atuam na captação das carteiras até que elas acumulem um volume significativo para serem vendidas a um fundo cliente. O Voiter faz, portanto, a armazenagem até a formação do estoque, em um processo contínuo.
O nome Indusval vai desaparecer. E o banco vai sair da B3 também. Da reorganização em andamento, basicamente surgirá uma holding que será dona do Voiter (o banco novo de negócios), do SmartBank, uma espécie de fintech de produtos bancários criada há pouco mais de três anos e em fase de desenvolvimento, e de uma instituição ainda sem nome, dedicada à recuperação de crédito.
Primeiro, as ações do banco serão alvo de uma oferta para saída do Nível 2 de governança da bolsa. Em seguida, a instituição será incorporada em uma nova holding, que terá capital fechado. Uma vez dentro dessa nova holding, haverá a cisão dos ativos para separação dos três negócios — hoje todos dentro do Voiter.
Além do SmartBank, vai sair cindida do banco a carteira de 324 milhões de reais que era do Indusval. Esse total vai se unir a 220 milhões de reais em bens não destinados a uso (BNDU), ativos que foram recebidos como forma de pagamento de crédito no passado, e mais cerca de 700 milhões de reais de créditos já baixados da carteira. O objetivo é buscar recuperar algum valor a partir desses ativos e assim desenvolver uma nova frente, dedicada ao segmento chamado de NPL (non-performing loan) — empréstimos não performados, ou seja, que não foram pagos.