Bolsa em queda e volatilidade: o certo seria governo acabar com auxílio a partir de janeiro (Paulo Whitaker/Reuters)
Graziella Valenti
Publicado em 7 de outubro de 2020 às 13h42.
Última atualização em 7 de outubro de 2020 às 14h11.
Como não é raro acontecer, a carta da gestora Verde está dando o que falar no mercado nesta quarta-feira. Luis Sthulberger, conhecido como o oráculo brasileiro, faz um alerta claro do tamanho de sua preocupação com a questão fiscal do Brasil. "Não é por capricho que as reações dos preços de ativos, câmbio, juros e bolsa, são extremamente fortes quando o governo dá mostras de querer abandonar a única âncora que segura toda a sustentabilidade da dívida, que é o Teto de Gastos públicos", escreve na carta de gestão deste mês, divulgada há pouco.
A sombra de uma prorrogação do auxílio emergencial do governo, criado para conter os efeitos da pandemia, paira sobre a cabeça dos investidores. A questão tem gerado forte volatilidade, que acompanha as declarações erráticas do governo sobre o tema, e feito os 100 mil pontos do Índice Bovespa ficarem dia após dia mais distantes. Hoje mesmo, o ministro da Economia Paulo Guedes correu para desmentir rumores sobre nova extensão dos desembolsos, dessa vez até junho de 2021.
Nesse relatório, o Verde estudou a fundo o assunto para ver os efeitos do auxílio na economia. A conclusão não foi animadora: "Houve queda de consumo muito sensível ao longo dos últimos meses, apesar do aumento do rendimento dos domicílios, o que resultou num aumento substancial da poupança das famílias." A compensão pode vir nos próximos meses, pois essa poupança serviria para amortecer o fim do pagamento, "especialmentese houver confiança na solidez da economia e das contas públicas". Isso deveria reduzir o temor a respeito das consequências sobre a demanda do fim do auxílio.
"O Brasil é um dos emergentes que mais gastaram nessa pandemia, apenas comparável a alguns países desenvolvidos. A maior parte dos países emergentes sequer ficou próximo do tamanho do gasto público brasileiro. (...) O problema, na verdade, é a combinação de um gasto na pandemia extremamente elevado para nosso padrão de renda com um nível inicial de endividamento muito acima. (...) Não há nenhum país emergente que tenha dívida maior do que a brasileira, e muito menos que tenha gasto algo comparável ao que o Brasil gastou", ressalta o relatório.
Em reais, o Brasil sairá de um déficit primário de R$62 bilhões em 2019 para mais de R$800
bilhões. Mesmo antes da pandemia, o país vinha com essa conta negativa desde 2014 e a expectativa é que o saldo fosse zerado apenas em 2022. Com a covid-19 e o governo abrindo os cofres, a situação fica pior. A estimativa do Verde é que, assumindo que o teto dos gastos públicos seja respeitado a partir de agora, o prazo para o país saia do negativo suba de oito para 12 anos.
"O programa foi desenhado para compensar a queda de renda durante a fase aguda da pandemia, evitando os efeitos de segunda ordem da queda da economia", relembra a gestora. Contudo, como eles apontaram, esse não foi o resultado encontrado. Mas o inegável efeito positivo da medida sobre a popularidade do presidente Jair Bolsonaro, que subiu sensivelmente durante a pandemia, tem causado tentações e é crescente o temor de que o governo debande de vez para uma estratégia populista, piorando ainda mais a situação fiscal do país.
Na visão de Sthulberger, a estrutura de incentivos dada pelo auxílio emergencial afeta a decisão das pessoas de buscar ativamente trabalho. Quanto maior o auxílio, menor o incentivo dos domicílios de buscarem trabalho. Com um benefício de R$600 por adulto, apenas o auxílio representava na média 91% da renda média efetiva dos domicílios que recebiam o benefício, segundo nossa estimativa usando os dados do Tesouro.
Dessa forma, o gestor entende que a decisão acertada "do ponto de vista fiscal e do propósito do programa" é a de efetivamente descontinuar o programa a partir de janeiro, sem que isso tenha impactos profundos na renda recebida em relação ao que se observava antes da pandemia.
Sthulberger resume a atual preocupação na apresentação do assunto da carta, quando afirma que o objeto do estudo será a situação fiscal do país: [É} como se o país andasse em círculos e sempre retornasse ao ponto de partida, mas com uma dívida mais alta, e os mesmos problemas na qualidade dos serviços públicos e no atendimento das demandas da sociedade."