Aesop: em uma década, receita sai de US$ 30 milhões para US$ 540 milhões (Aesop Oscar Freire/Reprodução)
Editora Exame IN
Publicado em 3 de abril de 2023 às 21h43.
Última atualização em 4 de abril de 2023 às 10h41.
A Natura &Co (NTCO3) entrou definitivamente na rota de voltar a ser só Natura. Para ser mais preciso, Natura e Avon. A venda da Aesop é o primeiro movimento para desmontar o projeto de plataforma global de marcas que deu errado. Sim, é preciso admitir. O valor da venda ficou em linha, um pouco acima até, com as expectativas do mercado, que esperava algo em torno US$ 2 bilhões para o negócio. A Natura & Co vai receber US$ 2,5 bilhões pela marca australiana, o que significa algo como R$ 12,5 bilhões.
A relevância do valor é evidente no comparativo: equivale a 60% do valor de mercado atual da Natura &Co na B3, que está pouco abaixo de R$ 21 bilhões, enquanto o negócio representou 7,5% da receita líquida do grupo em 2022. O preço pago pela L’Oréal implica o potencial de crescimento que é visto para a marca de luxo da Austrália, que saiu de uma receita de US$ 30 milhões para US$ 540 milhões, entre 2012 e 2022.
A Natura comprou a Aesop em dois movimentos, em um investimento total de US$ 105 milhões. Significa, portanto, que durante sua gestão o negócio teve o valor multiplicado por quase 25.
Outra comparação que mostra a importância da transação é com a dívida. O que a Natura &Co tem a receber com a transação representa 95% de toda a dívida bruta que registrava ao fim de dezembro: R$ 13, 3 bilhões. Considerando a posição de caixa já existente, a empresa vai ter mais dinheiro do que vencimentos quando a transação for financeiramente liquidada, após as aprovações dos órgãos anticoncorrenciais pertinentes.
O outro lado da moeda de todos esses dados é: ainda que distorcidos, e exagerados, os números significam que o lado que possui prêmio (Aesop) tem potencial de crescimento e o lado que tem desconto (o restante da Natura &Co), tem desafios e uma perspectiva muito menor de expansão.
Ainda restam a The Body Shop – que encolheu 13,5% em moeda constante em 2022 – e a Avon International, que se mostrou um pepino muito maior do que o pensado inicial. Esses são os ativos a resolver ainda. Mas agora com um fôlego maior para reflexão.
O futuro da Natura &Co é voltar a ser Natura, mas agora com as vendedoras oferecendo também Avon. E o principal mercado do negócio será a América Latina. Pelo menos, em um primeiro momento. Quando a Natura partiu para aquisições, consolidar mercado e comprar outras marcas e em outras regiões, parecia algo lógico: atender à ânsia de crescimento dos investidores e, ao mesmo tempo, diversificar riscos geográficos. Tudo isso, com escala global. Mas o tempo mostrou que aquilo que parecia absolutamente lógico era desprovido de sentido econômico suficiente no portfólio montado. Não havia sinergia nem na distribuição, nem no abastecimento (compra de matérias-primas). No fim, é como se todas as outras marcas tivessem atuado quase que como uma distração do que importava de fato, que era a marca Natura.
Análise de retrovisor, dizem analistas e gestores agora críticos, é fácil. Todos são conscientes do conforto do tempo para esse tipo de avaliação, mas nem por isso menos céticos com o futuro. Do portfólio atual, além do claro potencial de expansão da Aesop – que atua no segmento de luxo, onde as crises nunca chegam – a Natura ainda é a marca que registra melhor desempenho.
Em 2022, a Natura, no Brasil avançou 18% em receita e, na América Hispânica, quase 17%, em moeda constante. Com a venda da Aesop e o fim das preocupações com a pressão financeira, a temática da companhia volta a ser dois pontos já bem conhecidas dos investidores: portfólio e canal de distribuição.
O grande desafio nesse momento, após toda aceleração digital promovida pela pandemia, é como fazer o canal próprio da companhia e suas promoções conviver com as representantes de marca, sem canibalizar as vendas. A questão deve retornar aos holofotes. Em especial, porque há um esforço de integração de Natura e Avon que, superada a frente industrial, agora está bastante concentrado na figura das revendedoras.
E, mais do que nunca, a companhia precisará ter um plano e estar centrada em seus objetivos. Com a dívida equacionada, os investidores de mercado voltarão a sua velha forma: pedir crescimento, crescimento, crescimento. Será preciso resistir às tentações. Os erros - e nenhum administrador é imune a eles - servem para isso, gerar lições e aprendizados. A governança também volta, com tudo, a ter muita relevância. Agora, é (re)descobrir quanto vale a Natura e o que será feito do novo capital.