Matemática financeira: investidores se questionam se faz sentido companhia comprar as próprias ações com o preço em bolsa próximo da máxima histórica (BrianAJackson/Thinkstock)
Graziella Valenti
Publicado em 3 de abril de 2021 às 16h41.
Última atualização em 28 de abril de 2021 às 14h37.
A Vale fez um anúncio na quinta-feira à noite, dia 1, que causou intriga. Não no sentido de briga, mas no sentido de dúvida. Matemática, claro! Ou melhor, financeira. A companhia divulgou um programa de recompra de ações que pode alcançar até 270 milhões de papéis. Ao preço atual na bolsa trata-se de nada menos do que R$ 26,3 bilhões, o equivalente a 5,3% do capital total — se executado em sua totalidade e sem causar nenhuma valorização significativa. A companhia vale atualmente cerca de R$ 500 bilhões.
“Regidos pela disciplina na alocação de capital, consideramos a recompra de nossas ações um dos melhores investimentos disponíveis para a companhia. Nosso programa de recompra não compete com nossa intenção de consistentemente distribuir dividendos acima do mínimo estabelecido por nossa política de dividendos, tal qual vem ocorrendo desde que restabelecemos nosso programa de dividendos.” É o que diz o comunicado da empresa sobre a iniciativa, aprovada pelo conselho de administração.
Apesar de os investidores das ações ficarem satisfeitos com a demanda compradora, surgiu a questão: por que gastar com papéis que estão próximas de suas máximas históricas e evitar o debate sobre a recompra das debêntures, que pagam royalties sobre a venda de minério?
A pergunta tem como pano de fundo o custo do dinheiro. As ações estão no high e a debênture em questão onera o custo de capital da empresa. Enquanto as debêntures pagam o equivalente a pelo menos 8% ao ano em dólares, a dívida da companhia no mercado de capitais custa entre 3% e 4% ao ano, também em dólares.
A Vale sempre apontou que, por questões regulatórias, não poderia recomprar os títulos. Havia grande expectativa de que a empresa entrasse como compradora na oferta pública secundária que BNDES e União Federal farão dos papéis e que pode alcançar cerca de R$ 13 bilhões. A emissão das debêntures em sua totalidade (lá do tempo da privatização) equivale atualmente a pouco mais de R$ 20 bilhões — menos, portanto, que a recompra de ações, a valores de mercado.
A regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não permitia recompra de debêntures até janeiro deste ano, quando passou a vigorar uma nova regra. A Vale, com a benção do BNDES e da União, aprovou no dia 19 de março a inclusão de uma cláusula na escritura dos papéis que permite a recompra a qualquer momento. A leitura do mercado, porém, é que só está permitida uma oferta de aquisição por todos os títulos. A mineradora não poderia aparecer na operação como tomadora dos papéis, onde existem apenas dois vendedores.
Mas, dada a peculiaridade de tudo nessas debêntures — desde a remuneração, que faz o título parecer mais uma ação do que uma dívida, até a oferta secundária — , muitos acreditam que a Vale poderia ter solicitado um regime de exceção à xerife do mercado.
A empresa sempre destaca a proibição em seus comunicados e acrescenta que sua recusa à recompra das debêntures neste momento tem relação com a estratégia de alocação de capital. Agora, acionistas e debenturistas se perguntam: qual estratégia se as ações estão próximas de sua máxima história? Qual a necessidade de uma recompra de ações nesse momento? Não seria melhor resolver a dívida?
Financeiramente, a Vale terminou o ano com um balanço de ouro: US$13,5 bilhões em caixa, ou o equivalente hoje a mais de R$ 75 bilhões, para uma dívida bruta financeira total de US$ 13,4 bilhões. Sobram, na conta exata, quase US$ 900 milhões, ou mais de R$ 5 bilhões, aplicados no banco. O balanço da companhia registra, além dos compromissos financeiros, mais outros US$ 13,3 bilhões, que incluem compromissos com Refis, Brumadinho, Samarco (Mariana) e Renova.
Mas a questão fica: mesmo com todo esse dinheiro, é um bom momento para recomprar as ações? Com as debêntures, não é ainda mais sem sentido? Há quem diga que as críticas partem das pessoas que não têm todas as informações. Não seria o caso, portanto, de fornecer todas elas a todos.
O tema está repleto de interesses por todos os lados. Muitos fundos fizeram apostas revelantes nesses títulos da privatização e ter a Vale de compradora seria para lá de interessante. Como é de se esperar, a avaliação de todo esse quadro passou pelo conselho da companhia. Não se trata de uma decisão apenas da administração executiva.
Portanto, há um recado no movimento da mineradora que o mercado não deveria ignorar: neste momento, a Vale entende que o preço das ações oferece um retorno maior como alocação de capital do que as debêntures — negociadas entre R$ 58 e R$ 60. Em 2018, esses papéis valiam R$ 10 e passaram de R$ 30 pela primeira vez em agosto do ano passado.
Diversos analistas apontam que, mesmo na máxima histórica, as ações da Vale ainda carregam um desconto significativo em relação as suas pares internacionais e que, neste momento, esse deságio não está menor. Portanto, entre debêntures que possam ser consideradas potencialmente caras e as ações, a companhia optou pelas ações.
O interessante nesse caso específico é que os mesmos movimentos que podem pesar contra ou a favor do valor em bolsa são os mesmos que afetam a remuneração da debênture diretamente: câmbio e cotação do minério de ferro. Ou seja, se as premissas são idênticas, o que faz a ação ou a dívida ser melhor é só uma coisa: o yield, ou retorno, esperado diante do preço atual.