(Tok&Stok/Divulgação)
Editora do EXAME IN
Publicado em 12 de agosto de 2024 às 21h00.
Última atualização em 13 de agosto de 2024 às 13h29.
Um conflito societário que já vinha vazando dos bastidores e ganhando a esfera pública acaba de chegar à Justiça — para a surpresa de provavelmente ninguém.
A família Dubrule, fundadora da Tok&Stok, entrou com duas liminares questionando os trâmites que levaram ao acordo de fusão costurado pelo controlador da companhia, a SPX Carlyle, com a Mobly, listada em Bolsa.
Uma delas foi impetrada na forma de um pedido de cautelar junto à 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem do Foro Central da Comarca de São Paulo, sinalizando que a transação corre o risco de enfrentar uma longa batalha judicial.
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Em documentos de teor duro, a que o INSIGHT teve acesso, os Dubrule acusam a SPX de ‘abuso de poder de controle’ e chamam a operação de golpe impetrado pela gestora de private equity, que comprou uma fatia de 60% na empresa em 2012 por R$ 700 milhões.
As liminares qualificam ainda de “manobra canhestra” o pedido de recuperação extrajudicial da Tok&Stok colocado como condição precedente para a fusão.
Eles apontam também um suposto conflito de interesse entre bancos credores que aderiram ao processo de recuperação, ao mesmo tempo, estão atuando como assessores financeiros da Tok&Stok na operação de fusão.
Sem citar nomes das instituições, num pedido de liminar para interromper o processo de recuperação extrajudicial, enviado à 2ª Vara de Falências e Recuperação Judiciais do Foro Central da Comarca de São Paulo, o Tannuri Advogados, que representa a família, diz que os bancos receberam um fee de R$ 20 milhões pela transação.
O INSIGHT apurou que se trata de Bradesco e Santander. Ambos os bancos foram contratados há mais de um ano para buscar alternativas para a Tok&Stok em meio a seu estresse financeiro. Agora, com a conclusão da transação, receberam um fee de R$ 20 milhões pela operação, a serem pagos pela SPX, que foi a vendedora no acordo com a Mobly.
Fontes próximas à gestora afirmam que não veem conflito e se trata de um procedimento comum em transações como essas. Segundo eles, com a transferência do controle, os credores podem pedir vencimento antecipado da dívida e, por isso, a recuperação extrajudicial foi necessária.
“Uma coisa é a dívida o quanto os bancos esperam receber de volta. Outra é o fee de M&A”, aponta um interlocutor próximo à SPX.
Segundo ele, as liminares são partes de uma manobra da família para tentar afastar o comprador e voltar o controle da Tok&Stok, a despeito da transação ter sido firmada entre a SPX, majoritária, e a Mobly — oferecendo direito de tag along à família, que tem a prerrogativa de exercê-lo ou não.
O imbróglio sobre o futuro da Tok&Stok já vem se arrastando desde o ano passado, com os Dubrule, que tem 40% de participação, e a SPX em rota de conflito sobre os melhores caminhos para a companhia, combalida por uma dívida elevada e a desaceleração do varejo moveleiro pós-pandemia.
Os Dubrule, que voltaram ao comando da Tok&Stok em agosto do ano passado com a nomeação de Ghislaine Dubrule como CEO, acreditam numa rota de crescimento orgânico, enquanto o SPX buscava mais cortes de custos e trabalhavam em alternativas de M&A.
A destituição de Ghislaine no mês passado pela SPX fez o conflito velado estourar.
Ato contínuo, a família deixou claro que buscava voltar ao controle da companhia por meio de uma capitalização de R$ 210 milhões na companhia, das quais R$ 110 milhões por conversão de dívidas e R$ 100 milhões de dinheiro novo.
A convocação de uma reunião de conselho para deliberar sobre a proposta já provocou um racha definitivo.
O colegiado da Tok&Stok era formado por três membros: Fernando Borges, chairman e sócio da Carlyle, Regis Dubrule e um membro independente, Roberto Szachnowicz.
Em 29 de julho, Regis e Szachnowicz pediram a Borges a convocação da reunião para o dia 31 para deliberar sobre a proposta de capitalização.
O sócio da SPX não efetuou a convocação para a data pretendida e respondeu chamando uma reunião para 9 de agosto para falar sobre o futuro da companhia.
Regis e Szachnowicz fizeram a convocação para o dia 31, valendo-se da maioria dos votos do conselho. Borges foi chamado, mas não compareceu. A capitalização foi aprovada pelos dois conselheiros – e poderia, na visão dos Dubrule, ser realizada a partir de então. A ata foi registrada na Junta Comercial.
A SPX chamou uma assembleia no dia 5 para destituir Szachnowicz. Em seu lugar, colocou Pedro Guizzo. Na reunião do dia 9, um dia depois do anúncio da fusão de Tok&Stok com Mobly, a capitalização aprovada no dia 31 foi revogada, com voto do novo conselheiro.
Numpedido de cautelar enviado à 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem do Foro Central da Comarca de São Paulo, feito os Dubrule pedem a anulação dos atos da assembleia do dia 5 e da reunião de conselho seguinte, do dia 9.
De acordo com fontes próximas à SPX, a reunião do dia 31 não teve validade, já que a prerrogativa de convocação era do chairman, que o faz para data mais à frente. Tampouco houve presença de executivos da Tok&Stok, a esta altura já com um CEO de fora da família.
Segundo o interlocutor, a gestora tem a prerrogativa de ter dois assentos no conselho e os Dubrule já tinham tentado liminares para impedir as AGEs dos dias 5 e a reunião de conselho do dia 9, sem sucesso.
O pedido de recuperação extrajudicial para alongar a dívida de pouco mais de R$ 350 milhões da companhia também é questionado.
No pedido de liminar para indeferimento do processo, os advogados da família alegam que o pedido de recuperação foi feito à Justiça sem aprovação de assembleia de acionistas, o que, de acordo com a Lei das S.A.s e o estatuto da companhia, só pode ser feito em casos de urgência – isto é, em que haja perigo iminente à saúde financeira da empresa.
Não era o caso da Tok&Stok, que não tinha vencimentos previstos até o próximo ano, argumentam.
A ‘pressa’ no caso, alega a família, ocorreu como uma forma de fazer com que ela não pudesse exercer a cláusula de vencimento antecipado de uma dívida de R$ 110 milhões que detém contra a companhia.
“A Operação Mobly não existe para viabilizar o plano de recuperação, mas sim o inverso. Na medida em que essa recuperação extrajudicial se presta a viabilizar um negócio que beneficia diretamente o controlador, inequívoco o seu impedimento de deliberar sobre o assunto, em razão do seu patente conflito de interesses”, escrevem os advogados no pedido de liminar.
Numa carta de notificação extrajudicial vista pelo INSIGHT, a família fundadora da Tok&Stok chama a operação de “soturna” e alega que pode entrar com medidas judiciais contra a companhia.
Diz ainda que tem a intenção de realizar a capitalização de R$ 210 milhões de qualquer maneira, seja contra a SPX ou contra a Mobly.
“Serve esta notificação, em primeiro lugar, para que V.Sas. no futuro não possam alegar, fingindo-se de terceiros de boa-fé, que não sabiam que o negócio que se pretende levar a diante não corresponderá ao controle da Tok&Stok caso o Judiciário e o Tribunal Arbitral venham a considerar ilegais as manobras da SPX, realizadas com a participação e conivência de V.Sas, oportunidade em que sequer lhes será concedido o direito de preferência, frustrado por um golpe do qual é indissociável”, escrevem os advogados.
Ao que tudo indica, a batalha judicial está apenas começando.
(Reportagem atualizada às 22h26 do dia 12 de agosto para incluir informações de fontes próximas à SPX.)