(LightRocket/Getty Images)
Karina Souza
Publicado em 18 de novembro de 2022 às 18h02.
Última atualização em 18 de novembro de 2022 às 18h08.
Foi em 2019, esse ano tão longe e tão perto, quando ainda nem se pensava que uma pandemia atravessaria o mundo, que o Instagram anunciou nos Estados Unidos uma nova função de e-commerce, chamada “Checkout”. O recurso — que nunca chegou ao Brasil, vale lembrar — permite que usuários façam compras de anunciantes diretamente na plataforma, sem precisar nem mesmo visitar o site delas para terminar a transação. Um ano depois, em 2020, já no meio de todo o caos da pandemia, a companhia trouxe ao mercado o Instagram Shop — esse sim, também disponível por aqui — com uma área própria para anunciantes disponibilizarem seus produtos dentro do app, mas terminarem a transação nos seus respectivos sites. A empresa de Mark Zuckerberg não fala quanto fatura com os recursos, mas estimativas divulgadas pela Forbes na época mostravam que havia um potencial de US$ 30 bilhões a ser explorado com as transações e com anúncios a partir delas. Por que resgatar toda essa história agora, em pleno 2022? Ora, para trazer algum contexto ao rumor de que o TikTok vai lançar uma nova ferramenta de e-commerce no Brasil, chamada TikTok Shop, uma bola levantada pelo NeoFeed nesta sexta-feira (18).
A ferramenta foi anunciada pela primeira vez no ano passado, durante o TikTok World, primeiro evento global da empresa para agências e anunciantes, e reforçado em eventos deste ano com novos formatos de anúncios que também estão em fase de testes. A plataforma de vídeos começou a testar a nova função na China — em que foi extremamente bem-sucedida, com a versão local do TikTok, o Douyin — e migrou gradativamente para outros mercados asiáticos, como Indonésia, Tailândia, Vietnã, Malásia e Filipinas. Depois, um teste no ocidente foi feito no Reino Unido, de acordo com o The Information.
De largada, os avanços fora da China não tiveram o mesmo fôlego do que o do país de origem. Ainda segundo o The Information, as vendas não seguiram o ritmo esperado no Reino Unido, mesmo com agressivas campanhas de desconto, um comportamento ligeiramente diferente do da Indonésia. Entre os principais entraves do lado ocidental, estava o fato de convencer comerciantes locais a venderem por meio da plataforma, bem como o live commerce, extremamente popular na China, mas que perdeu certa tração fora da região. Exemplo disso está numa reportagem publicada em julho, que mostrou que a função de live commerce do TikTok Shop, testada em alguns países da Europa, foi posteriormente desativada por falta de audiência e de vendas abaixo do esperado.
É um comportamento similar ao do mercado brasileiro, neste último tópico principalmente. Dá para ver que as lives de vendas se tornaram especialmente populares em 2020 e 2021 — principalmente vistas como uma forma de impulsionar vendas de varejistas com lojas fechadas por causa do isolamento social — e que algo disso ainda se mantém. Timidamente. A Americanas, por exemplo, fez uma live de vendas em 2022 no Dia do Solteiro, pegando carona na tradicional data de descontos promovida pelo AliExpress. Mas o Magazine Luiza, por exemplo, que investiu pesado em lives em 2020 e 2021, não fará uma nova para a Black Friday de 2022.
A falta de apetite para esse formato não é algo que destoe do cenário nacional enfrentado pelo setor. As principais varejistas com ações negociadas na bolsa (Via, Magalu e Americanas) apresentaram prejuízo no terceiro trimestre, ainda que alguma recuperação de indicadores operacionais comece a ser observada. Em todas, fica clara a dificuldade de continuar crescendo em vendas no país, num cenário mais duro de juros altos e inflação — que começam a arrefecer agora. Por mais que se trate de um efeito passageiro, não pode ser desconsiderado em uma análise de um novo player no e-commerce, e principalmente em meio ainda às incertezas sobre os rumos que o novo governo terá no país e seus efeitos para o consumo.
Soma-se ao desafio de entender como o live commerce vai funcionar por aqui o hábito dos consumidores brasileiros ao comprar em redes sociais. Olhando para um cenário mais amplo, de social commerce em geral, dados compilados pelo Statista mostram que o Instagram aparece como favorito, com 57% das respostas, seguido pelo Google Shopping (46%).
Para responder a esse cenário, o TikTok vem preparado. A plataforma de vídeos, parte da ByteDance — que é a startup mais valiosa do mundo, aos 10 anos de idade, não custa lembrar — chega com um tamanho de poder de fogo difícil de estimar, dado que tem capital fechado e o governo chinês como acionista.
Além disso, no esforço de lidar com o mercado ocidental, a plataforma está testando a função que permite concluir as transações direto no aplicativo, principalmente nos Estados Unidos, como confirmou a porta-voz do app, Laura Perez, ao The Verge. A companhia também estaria interessada, mais do que em vender, em estocar produtos de vendedores, dado que submeteu em setembro um pedido de registro de marca para o “Fulfillment by TikTok Shop”, segundo o Semafor. A ideia, aqui, é dar um passo além ao que o app já fazia em outras regiões (EUA e Reino Unido) que consistia numa parceria com a Shopify, e que teve a marca de Kylie Jenner, a Kylie Cosmetics, como uma das primeiras a testá-la. A parceria consiste, vale lembrar, muito mais em uma vitrine do que em uma experiência de compra completa.
Há uma razão clara pela qual o app começa a testar isso agora nos Estados Unidos: a época de compras. Black Friday e Natal são períodos aquecidos de venda para varejistas na região e, portanto, fazer com que essa ferramenta funcione pode matar dois coelhos numa cajadada só: trazer pequenos e médios comerciantes para dentro do ecossistema do TikTok e tornar a companhia mais forte aos olhos dos reguladores a partir disso, inibindo pontos levantados como o de Brendan Carr, comissário da Comissão Federal de Comunicações nos Estados Unidos, de banir o app da região. Isso sem falar na popularidade da associação do TikTok a compras online: a hashtag #TikTokMadeMeBuyIt tem mais de 29 bilhões de visualizações, segundo dados da plataforma.
No Brasil, a urgência regulatória não acontece na mesma proporção, é claro. Não há, ao menos por enquanto, nenhuma ameaça de banir o aplicativo por aqui nem nada do tipo — o que já pode ser uma vantagem de largada para o app chinês começar as vendas por aqui. Outra vantagem é a mesma associação vista fora do país com compras pela internet. A hashtag #TikTokMeFezComprar tem mais de 307 milhões de visualizações.
Deixando de lado as vantagens para olhar os desafios, é necessário lembrar lições que o e-commerce brasileiro já ensinou. Logística é um entrave e tanto para avançar no país, um dos principais custos de 10 a cada 10 e-commerces que operam no Brasil. Tomando como verdadeiro o rumor que o TikTok coloque de pé uma operação de fulfillment completa, fica a dúvida sobre quanto vai conseguir avançar no país diante da concorrência nacional e de um player já muito bem estabelecido por aqui, o Mercado Livre. Por enquanto, o que se vê, a partir das experiências da própria Amazon, AliExpress e Shopee por aqui, é que nenhuma conseguiu chegar ao nível de escala que a empresa argentina tem e, mais do que isso, não chegaram ao tamanho de players nacionais no ambiente digital, como é o caso do Magazine Luiza.
Acreditar que o TikTok conseguirá, de largada, romper essa barreira, dependerá de observar o tamanho do poder de fogo que a empresa vai querer trazer para instalar a operação no Brasil. O caminho mais lógico, à primeira vista, é o da companhia se tornar uma plataforma de vendas eficaz (algo inédito no país) para depois avaliar passos maiores.
O tamanho do bolso para tirar todas essas ideias do papel é desconhecido, vale lembrar, uma vez que tanto o TikTok quanto a Bytedance são empresas fechadas. O que se sabe, a respeito da empresa-mãe, é que já recebeu investimentos da Sequoia Capital China, General Atlantic, Morgan Stanley, Goldman Sachs, Tiger Global Management e até do governo chinês — que adquiriu, no ano passado, uma participação equivalente a 1% do TikTok, segundo o Washington Post.
Ainda falando de e-commerce, o TikTok vai encontrar um país em que o varejo digital representa cerca de 10% do nacional, mas, mais do que isso, um em que o setor não cresce na mesma proporção em que evoluiu durante a pandemia. Varejistas abertas, como Magalu, Americanas e Via, viram tímido crescimento de receita ao longo do ano, em um ambiente ainda dominado por juros e inflação alta. Nesse contexto — bastante pontual, mas que ainda merece destaque — como o TikTok vai querer se estabelecer? Mais do que isso: que taxas vai cobrar de vendedores? Como será possível monitorar as vendas feitas dentro da plataforma?
Outro ponto relevante a ser mencionado é o formato de anúncios da plataforma, com o qual o mercado ainda está se acostumando, de modo geral. Pensando no comerciante brasileiro que está acostumado a vender pelo Instagram Shop, usando fotos, que recursos adicionais terão de ser criados para que ele possa ter sucesso na rede social de vídeos? Até que ponto o esforço para adaptar o formato vai compensar, financeiramente?
São dúvidas que ainda permanecem no ar, enquanto a função não é testada no Brasil. Dentro delas, uma coisa é certa: preço importa. As taxas para vender on-line variam de marketplace a marketplace, mas uma pesquisa rápida permite ver que ficam em uma média de cobrança de 11% a 20% por produto vendido. Começar a fazer parte de cada um deles, entretanto, não tem custo. Caso o TikTok venha com uma promessa mais competitiva — ou tenha um poder ainda maior com o algoritmo para vendas no Brasil — esses são fatores que podem chamar a atenção de comerciantes locais.
Apesar do alto investimento para conseguir superar esses entraves, motivos para estabelecer a função de compra por aqui, não faltam. De acordo com dados da consultoria alemã Statista, o Brasil é o segundo país que mais gasta tempo dentro da plataforma e o quarto maior em número de usuários. Transformar toda essa audiência em dinheiro pode ser uma boa alternativa para a plataforma conseguir diversificar, de forma clara, suas fontes de renda — hoje concentradas em anúncios, como qualquer outra rede social.
Nesse cenário ainda bastante turvo, o que fica clara é a expectativa a respeito do lançamento da nova ferramenta no Brasil e a aparente oportunidade de seguir por um desses dois cenários: ou consegue se estabelecer no e-commerce e ultrapassa todas as expectativas de empresas estabelecidas no setor, ou se torna uma configuração similar à do Instagram Shop no Brasil. O que não falta, ao menos por enquanto, é a capacidade de seguir crescendo para cada um dos três cenários. Se a companhia conseguir converter toda a audiência e tempo gastos na plataforma em compras, terá um trunfo e tanto nas mãos --- superando, mais uma vez, as redes sociais de Zuckerberg.